O novo CPC e o (até que enfim!!!) adeus à compensação de honorários sucumbenciais

07/10/2015

  Por Luciano Zanetti - 07/10/2015

Está longe de ser nova a controvérsia acerca da (in)adequação, dentro do sistema jurídico brasileiro, do Enunciado 306, da Súmula do STJ, no que pertine à “compensação” do valor dos honorários de sucumbência, na hipótese de esta se dar de forma recíproca, ante o que dispõe o Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94, artigo 23[1]) acerca da verdadeira titularidade do crédito proveniente da condenação em honorários.

A novidade está no fato de que o Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015), neste passo, trouxe alento e tranquilidade aos advogados no tocante à famigerada compensação, ao determinar, em seu artigo 85, § 14[2]: Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial.

Para entender melhor a quaestio, é necessário fazer, ainda que de forma sucinta, uma incursão pelos diferentes momentos vividos pelo ordenamento a este respeito.

Segundo o “espírito” da Lei processual, lá nos idos de 1973, quando o carinhosamente chamado “Código Buzaid” entrara em vigor (regra que não fora expressamente revogada até a edição do Novo Codex), o objetivo da condenação em honorários se prendia exatamente à imperiosa necessidade de ressarcir a parte vencedora do que havia gasto com o seu patrono, na medida em que teve de contratá-lo para defender o seu direito subjetivo ameaçado ou violado.

Assim dizia, com efeito, a primeira redação do artigo 20[3], do aludido Diploma: “A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios”.

Já o artigo 21[4], assim prescreve: Se cada litigante for em parte vencedor e vencido, serão recíproca e proporcionalmente distribuídos e compensados entre eles os honorários e as despesas. (grifos do autor).

Pois bem.

Fica evidente que, com a sucumbência (total ou parcial), criava-se uma obrigação entre as partes no processo para além do pedido principal. A parte vencida deveria ressarcir a parte vencedora tanto do que esta desembolsou a título de despesas processuais, como no que se referia a honorários advocatícios em face do perdimento da causa.

Mais, e aqui está o ponto central da temática ora em estudo, caso houvesse sucumbência recíproca, deveria haver a compensação dessa verba honorária, medida essa ao nosso sentir bastante justa, haja vista que, como a vitória fora parcial para ambos os lados, autor e réu foram considerados responsáveis pela existência da ação judicial e, desta forma, ambos contribuíram para que o outro buscasse o profissional da advocacia para lhe defender em Juízo.

Até aqui, nada havia de problemático para essa regra da compensação, porquanto os credores das obrigações eram as partes entre si, estando de acordo com o instituto em apreço, consoante dispunha o Código Civil vigente à época (de 1916), o qual, em seu artigo 1.009[5] (atual artigo 368, do CC/2002[6]), apontava: Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem.

Resumindo, o sistema jurídico, neste aspecto, estava harmonioso, havendo irretocável lógica interna.

Todavia, no ano de 1994, o Estatuto da Advocacia foi promulgado, revelando uma nova forma de tratamento da verba honorária de sucumbência.

Em seu artigo 23, está dito:

"Art. 23. Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor."

A partir desse momento, se pode constatar uma substancial mudança na sistemática de tratamento dos honorários sucumbenciais, porquanto, doravante, não mais a parte, mas o advogado, é que seria o único e exclusivo titular do direito aos honorários sucumbenciais.

A questão chegou ao STJ, o qual, num primeiro momento, entendeu não mais ser possível a compensação, haja vista a modificação de titularidade do crédito, como se dessume do julgado proferido no REsp 143.073/SP, Relator: Ministro Menezes Direito[7].

Não foi, todavia, a opinião que se consolidou naquela Corte.

A despeito do disposto no artigo 23, do Estatuto da OAB, o qual trouxe consigo radical mudança no sistema, o STJ reiteradamente decidiu ser ainda possível e recomendável a compensação. O apogeu desse entendimento foi consolidado no Enunciado 306, da Súmula daquele Tribunal Superior, que assim diz: “Os honorários advocatícios devem ser compensados quando houver sucumbência recíproca, assegurado o direito autônomo do advogado à execução do saldo sem excluir a legitimidade da própria parte” (Corte Especial, j. em 03.11.2004 , DJ 22.11.2004, p. 411)[8].

Na ementa do julgamento que resultou nesse Enunciado, prolatado nos autos dos EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL N. 139.343-RS (97.0047171-3), Rel. Ministro Ari Pargendler, está dito:

"Embora seja certo que a Lei n. 8.906/1994 assegure pertencer ao advogado a verba honorária incluída na condenação, é igualmente  verdadeiro, no que seja atinente ao instituto da sucumbência e à distribuição dos ônus, inclusive quanto à possibilidade de compensação dos honorários advocatícios em caso de decaimento parcial do pedido, que continuam tendo aplicação as regras contidas no Código de Processo Civil. Assim, o juiz pode compensar os honorários, sem que isso importe em qualquer ofensa à legislação específica. Precedentes, inclusive da Corte Especial."

Veja-se que mesmo após o decurso de uma década desde a promulgação do Estatuto da Advocacia, o Superior Tribunal de Justiça ainda reconhecia como necessária a utilização daquele acima falado “espírito” do CPC/1973, numa verdadeira mistura de sistemas.

Está clara, com a devida vênia, a contradição apresentada no Enunciado que, ao mesmo tempo em que reconhece a autonomia da obrigação (principal e honorários como obrigações distintas concernentes aos sujeitos ativos e passivos) mantém a permissão da compensação de honorários até o saldo.

Com todo o respeito, o entendimento esposado no aludido Enunciado estava completamente fora do novo contexto jurídico criado pela Lei 8.906/94.

Não obstante, outros Tribunais assim também o entenderam, a exemplo do Tribunal de Justiça de Santa Catarina[9], como se pode constatar em recentíssimo julgamento, conforme abaixo:

APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO DE CRÉDITO PESSOAL. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. RECURSO DA EMBARGANTE. COMPENSAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE COLISÃO COM O ART. 23 DO ESTATUTO DA OAB. SÚMULA 306 DO STJ E RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA Nº 963.528/PR. PRECEDENTES DO GRUPO DE CÂMARAS DE DIREITO COMERCIAL E DESTA QUINTA CÂMARA COMERCIAL DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DESTE ESTADO. APELO DESPROVIDO NO TÓPICO. PEDIDO DE MAJORAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA. VERBA FIXADA EM ATENÇÃO AOS REQUISITOS DO § 4º DO ART. 20 DO CPC. OBSERVÂNCIA DO GRAU DE ZELO DO PROFISSIONAL, DO TRABALHO REALIZADO E DO TEMPO EXIGIDO PARA O SERVIÇO. MANUTENÇÃO DO VALOR ESTABELECIDO NA SENTENÇA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Apelação Cível n. 2015.050163-2, da Capital, rel. Des. Soraya Nunes Lins, j. 27-08-2015).

O Tribunal de Justiça Gaúcho[10] também seguiu os mesmos passos, no julgamento da Apelação Cível Nº 70066302647, da Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge André Pereira Gailhard, Julgado em 03/09/2015), bem como na Apelação Cível Nº 70066181264, Vigésima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relatora: Helena Marta Suarez Maciel, Julgado em 03/09/2015.

Contudo, a partir do ano vindouro, com a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015), vira-se uma página, não havendo mais espaço para a aplicação desse entendimento, não mais sendo incidente o instituto da compensação relativamente aos honorários sucumbenciais, haja vista a vedação expressa estampada no artigo 85, § 14 do novel Estatuto[11].

Portanto, nada obstante a questão dos requisitos da compensação, os quais, como dito, já não estavam presentes no tocante aos honorários sucumbenciais, e que tornavam inoportuna a “Súmula 306” do STJ, agora o próprio Código de Processo, textualmente, determina a abstinência da compensação, harmonizando-se com o Estatuto da OAB e o Código Civil.

Poderia se pensar que esta sistemática atual faria com que o advogado pudesse auferir honorários duplamente, uns pelo contrato entabulado com seu cliente e, outros, em face da sucumbência.

Ao mesmo tempo, aceitável concluir que a parte vencedora ficaria no prejuízo relativamente aos honorários contratuais que, tendo-os desembolsado, não mais poderá ser ressarcida ao final do processo quando estipulados os honorários sucumbenciais que, agora, não têm mais por escopo reembolsar aquele que despendeu dinheiro no momento da contratação do causídico.

Este fato realmente preocupa e tem motivado, inclusive, a adição, por parte de muitos litigantes, de um pedido de condenação da parte adversa pelos próprios honorários contratuais estabelecidos entre o autor e seu advogado, a título de perdas e danos.

Esta última questão também foi parar no STJ, a exemplo do REsp 1.027.797, de Minas Gerais, relatado pela Ministra Nancy Andrighi, ficando decidido que Os honorários convencionais integram o valor devido a título de perdas e danos, nos termos dos arts. 389, 395 e 404 do CC/02”[12].

A solução dada por aquele Tribunal Superior parece ser a mais adequada dentro da configuração atual do sistema jurídico neste tocante, haja vista que, como acima dito, o vencedor na causa não é mais o sujeito ativo da obrigação referente aos honorários sucumbenciais e, desta forma, a única maneira de se creditar do desembolso feito ao seu advogado (honorários contratuais) é cobrá-los na própria inicial ou em processo autônomo, se for o caso.

Considerações Finais

Por ora, dentro da limitação do tema aqui proposto, conclui-se, de primeiro, que o Enunciado 306 da Súmula do STJ já nasceu completamente “desafinado” do panorama jurídico criado a partir do Estatuto da Advocacia.

Em segundo lugar, que o mesmo estará completamente superado a partir de março de 2016, quando entrará em vigor o Novo Código de Processo Civil, haja vista que, dali em diante, estará expressamente proibida a compensação de honorários sucumbenciais.

Do mesmo modo, é permitido constatar que, para que o vencedor na causa possa obter plenamente a recomposição do seu patrimônio, na hipótese de ter desembolsado valores para pagar honorários contratuais ao seu advogado, terá que incluir essa cifra no pedido (ou em reconvenção, no caso do réu), a título de perdas e danos.

Assim, a partir de março de 2016, poderemos festejar a cunhagem do epitáfio: “Aqui jaz a Súmula 306 do STJ... aquela que nunca deveria ter nascido!”


Notas e Referências: 

[1] Art. 23. Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor . Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8906.htm. Dada da consulta: 24/09/2015.

[2] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm. Data da consulta: 24/09/2015 [3] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5869.htm. Data da consulta: 24/09/2015 [4] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5869.htm. Data da consulta: 24/09/2015 [5] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L3071.htm. Data da consulta: 24/09/2015 [6] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm. Data da consulta: 24/09/2015

[7] “Diante da nova disciplina dos honorários, com o novel Estatuto dos advogados, pertencendo a verba, autonomamente, aos advogados, não mais é possível a compensação, com o que a condenação é bilateral […]” Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/

[8] Disponível em <www.stj.jus.br>. Data da consulta: 24/09/2015 [9] Disponível em: <www.tjsc.jus.br> Data da consulta: 24/09/2015 [10] Disponível em: <www.tjrs.jus.br>. Data da consulta: 24/09/2015

[11] “§ 14.  Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial.”

[12] Disponível em <www.stj.jus.br> Data da consulta: 25/09/2015


Luciano .

Luciano Zanetti é Especialista em Direito Civil. Professor de Direito Civil e Direito Processual Civil das Faculdades IES e FASC. Serventuário do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. 

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


                     

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