O golpe e suas indicações: da preparação ao escancaramento

07/02/2017

Por Soraia da Rosa Mendes – 07/02/2017

Não vivemos sob uma ditadura. Por outro lado, a sobrevivência em apneia da democracia em nada desnatura o fato de estarmos vivenciando mais um solavanco histórico. Um golpe que, de sua preparação ao seu escancaramento, corre em ritmo frenético em direção a todos os postos de comando. Uma nova parada respiratória democrática, na qual a indicação de Alexandre de Moraes a uma das cadeiras do Supremo Tribunal Federal é um marco significativo.

Do exercício retórico de defesa de um plano nacional de segurança absolutamente contraditório em seus supostos propósitos, ao uso das forças armadas como instrumento de controle bélico distanciado de sua missão constitucional, chegamos agora ao tempo em que aqueles que se davam ao direito de defender a tortura como meio de obtenção da verdade em prol da “segurança” escancaradamente são ungidos ao lugar onde deve estar a guarda da Constituição.

O rosário de motivos para contrapor-se a indicação do ex-Ministro da “Justiça” tem sido exaustivamente apresentado por juristas de estirpe. Por isso, não pretendo ocupar-me aqui com as imagens hilárias em plantações paraguaias. Apenas compartilhar a visão de um futuro tenebroso no Supremo, onde o debate sobre descriminalização e autonomia se dará com alguém que compreende a política de drogas no fio de um facão.

Também não desejo tomar o tempo de leitura de quem quer que seja com a discussão de convicções do tipo “precisamos de mais armas e não de pesquisas”. Tão somente mais uma vez compartilho o horror de pensar que a complexidade que envolve o caos no sistema carcerário, objeto de análise de nossa Corte Maior e o estado de coisas inconstitucional que ela afirma existir, esteja nas mãos de um julgador para quem roupas camufladas e fuzis trazem a paz (dos cemitérios) aos presídios brasileiros.

Tampouco há disposição de lembrar o que significa a elevação de um autor de manuais à condição de detentor de notório saber jurídico. Só de murmurar pelo pobre (e cada vez mais pobre) ensino jurídico brasileiro.

Nem mesmo a intenção é de fazer ressoar as opiniões de tantos outros e tantas outras professores, pesquisadores e juristas sobre os fatos que mostram como as vinculações político-partidárias do indicado têm efeito mortal à imparcialidade e independência, tão caras em um sistema judiciário democrático. Somente a de refletir em voz alta e deixar instaurar a dúvida se judiciário e democrático cabem na mesma expressão.

Enfim, esse texto não carrega pretensões, desejos, disposições, intenções. Por ora, somente contempla o escancaramento e prepara-se para o porvir.


Soraia da Rosa Mendes. . Soraia da Rosa Mendes é professora e advogada, mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, e doutora em Direito pela Universidade de Brasília – UnB. .


Imagem Ilustrativa do Post: Flag // Foto de: Jairo // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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