Essa breve reflexão tem por finalidade discorrer, de forma pontual, acerca do instituto Estado de Coisas Inconstitucional – ECI, suas características e pressupostos.
O ECI nasceu originalmente pela Corte Constitucional colombiana em 1997, decorrente violações sistemáticas de direitos fundamentais[1], e visto de maneira icônica por notadamente tal Corte, ser conhecida por seus ativismos.[2]
Importa observar que praticamente todos os países latino-americanos, obtiveram os 3 (três) Poderes muito divididos e sem nenhuma conexão entre eles, fazendo com que apenas o Poder Executivo fosse o protagonista de toda história. Destarte, pode-se afirmar que o primeiro exercício do ECI se mostra como opção para o empoderamento do Judiciário, vez que o mesmo era considerado tênue[3], aliado ao fato de que os tribunais constitucionais, detém a responsabilidade em proteger e promover todos os direitos democráticos, e qualquer violação dos direitos fundamentais, deve automaticamente sofrer a atuação da jurisdição constitucional.[4]
Desse modo, na tentativa de ser a eficácia da sistemática de direitos fundamentais (Decisão T.025/2004[5]) que são constantemente violados e também com o propósito de permitir o desenvolvimento de soluções estruturais para situações de graves e contínuas inconstitucionalidades praticadas contra populações vulneráveis em face de falhas (omissões) do poder público[6], surge o ECI, sendo que sua criação é reconhecida, assim como também sua aplicação, são características que decorrem (e, ao mesmo tempo, fazem parte) da judicialização da política.[7]
Em termos muito sintéticos, ao declarar o ECI, o Poder Judiciário reconhece a existência de uma violação massiva, generalizada e estrutural dos direitos fundamentais contra um grupo de pessoas vulneráveis e conclama que todos os órgãos, responsáveis adotem medidas eficazes para solucionar o problema.[8]
O Judiciário afirma que através da Corte protetora da constitucionalidade e com a utilização do ECI, é possível ter a visibilidade de grandes falhas e erros estruturais de políticas públicas, sendo elas consideradas inconstitucionais.[9]
Importa observar ainda que o Brasil e a América Latina são considerados e caracterizados por serem países com modernidade tardia, fazendo com que a marginalização, juntamente com a verticalização da população, com uma grande parcela que não tem acesso ao mínimo sequer existencial.[10]
Conceituando de forma objetiva um ECI, pode-se dizer que se configura como caráter processual e de vocação oficiosa, dando a defesa objetiva de direitos humanos, a fim de resolver casos em que se apresenta uma violação sistemática de direitos fundamentais de um grupo significativo de pessoas, cujas elas, causam e guardam relação com falhas sistemáticas ou até mesmo estruturais e com políticas públicas, onde se requer envolver a todos os órgãos públicos necessários e adotar medidas de caráter impessoal que tendem a superar esse status quo injusto, e no qual o juiz constitucional mantém a competência para vigiar o cumprimento da decisão.[11]
Qualquer sentença que seja declarada o ECI são estruturais, de forma que alcançarem um grande número de pessoas e, ao mesmo tempo que envolva vários órgãos e por entidades, implicar-se-á em ordens de execução complexas, modificando o funcionamento de instituições governamentais e seu modo de execução.[12]
É oportuno salientar que tal medida deve ser preservada como a última ratio, quando não houver mais possibilidades de recursos ou de resolução bem como quando o estado de coisas for tão precário ao ponto de atingir diretamente a funcionalidade de um sistema inteiro em todos seus níveis.[13]
A modernidade periférica enfrenta problemas com a dificuldade em se manter o equilíbrio com um sistema jurídico autônomo, assim os sistemas jurídicos e políticos confundem-se, facilitando a corrupção e dificulta qualquer efetivação dos direitos de todos.[14]
Em 1988 a Constituição da República Federativa do Brasil, passou a garantir um modelo de estado social ideal, possuindo como objetivo de garantir e proteger os direitos fundamentais do cidadão, buscando expandir a qualidade a cidadania e a qualidade de vida para todos, sem restrição.[15]
Seguindo na linha de garantia de direitos, o ECI nasceu na República Federativa do Brasil promovida pelo STF em 9 de novembro de 2015, decorrente julgamento da medida cautelar da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF nº 347, impetrada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), possuindo como objetivo de implementação de políticas públicas para resolver o estado que se encontrava em situação degradante no que tange o sistema carcerário brasileiro, propósito do trabalho em questão estudado. E no que se refere aos pedidos realizados na mencionada ADPF, o STF fez o deferimento de dois, quais sejam: a destinação de recursos do Fundo Penitenciário Nacional para aplicação em melhorias nos presídios e realização de audiências de custódias.[16]
Trazendo para um contexto objetivo sobre o surgimento do instituto do ECI, fica evidente a pertinência prática e teórica, faz-se válido a observação que, apesar de medida excepcional, pode ser essencial e vital para uma parcela grande de indivíduos.
Nas próximas semanas, trataremos acerca das características do ECI e seus pressupostos, bem como as dificuldades técnicas, teóricas e práticas que levam seu reconhecimento ao enfrentamento diante do ordenamento jurídico na vida prática.
Notas e Referências
[1] CUNHA, Raphaella Benetti Rios. O Juiz e a Execução Penal. Bonijuris. Curitiba, 2019.
[2] BALDI, Cesar. Del constitucionalismo moderno al nuevo constitucionalismo latinoamericano descolonizador. Revista de Derechos Humanos y estudios sociales. 2013. p. 54.
[3] BARROSO, Luís Roberto. Contramajoritário, representativo e iluminista: os papéis das Cortes Constitucionais nas democracias contemporâneas, 2018.
[4] SCHINEMANN, Caio César Bueno. “Estado de Coisas Inconstitucional” e Diálogo no Supremo Tribunal Federal. Revista Jurídica da Procuradoria-Geral do Estado do Paraná, Curitiba, n. 7, 2016, p. 124.
[5] GIAMBERARDINO, André Ribeiro. Proposições sobre o presente e o futuro da criminologia crítica no Brasil. Revista Eletrônica Direito e Sociedade (REDES). Canoas, v.3, nº1, maio de 2015.
[6] CUNHA, Raphaella Benetti Rios. O Juiz e a Execução Penal, 2019.
[7] CASTRO, Marcos Faro de. O Supremo Tribunal Federal e a Judicialização da Política. 2019.
[8] CUNHA, Raphaella Benetti Rios. O Juiz e a Execução Penal. Curtiba, 2019.
[9] CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Estado de Coisas Inconstitucional. JusPODIVM. Salvador. 2016, p. 98.
[10] PESSOA, Jéssika Saraiva de Araújo. O Estado de Coisas Inconstitucional: tendência de “empoderamento judicial” na América Latina. Biblioteca Digital da UEPB: 2017, p. 16-17.
[11] CÁRDENAS, Blanca Raquel. Contornos jurídico-fáticos del estado de cosas inconstitucional. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 2011. p. 24.
[12] CAMPOS, Alexandre de Azevedo. Estado de coisas inconstitucionais, p. 188.
[13] DUARTE, Júlia Karolline Vieira; DUARTE NETO, Júlio Gomes. O Estado de Coisas Inconstitucional (ECI): O remédio estrutural para a efetivação dos direitos fundamentais perante um diálogo entre os poderes da União. Revista da ESMAL, Maceió-AL, n.1, p. 298-321, 2016.
[14] PESSOA, Jéssika Saraiva de Araújo. O Estado de Coisas Inconstitucional: tendência de “empoderamento judicial” na América Latina, p. 20.
[15] ROCHA, Enid. A Constituição Cidadã e a institucionalização dos espaços de participação social: avanços e desafios. 20 anos de Constituição Cidadã: avaliação e desafios da seguridade social. 2019. p. 130-148.
[16] DUARTE, Júlia Karolline Vieira; DUARTE NETO, Júlio Gomes. O Estado de Coisas Inconstitucional (ECI): O remédio estrutural para a efetivação dos direitos fundamentais perante um diálogo entre os poderes da União., p. 298-321.
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