Por Rômulo de Andrade Moreira - 26/09/2015
No julgamento do Recurso Especial nº. 1129215 a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça decidiu reinterpretar o Enunciado 418 da súmula da Corte, afirmando que, como os embargos de declaração servem apenas para corrigir ou esclarecer decisões judiciais, não mais podem ser requisito prévio para a apresentação de apelações e recursos, modificando, assim, a jurisprudência até então dominante, facilitando enormemente a garantia ao duplo grau de jurisdição, como tem que ser, aliás, em um Estado Democrático de Direito, especialmente em ações penais de natureza condenatória (razão pela qual, posicionamo-nos firmemente, porque inconstitucional, contra o Projeto de Lei nº. 402/2015 - também conhecida como "Lei Moro", atualmente em trâmite na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, que altera o Código de Processo Penal para viabilizar a decretação da prisão para crimes graves a partir do acórdão condenatório em segundo grau de jurisdição, ainda que sujeito a recurso).
O Colegiado julgou um caso levado pela 4ª. Turma que envolvia a reparação de danos de imóveis no Distrito Federal. A sentença saiu em agosto de 2007, e uma das partes apelou ao Tribunal de Justiça 15 dias depois. Acontece que, nesse período, o juízo ainda não havia analisado embargos de declaração suscitados pela outra parte. Por isso, gerou-se a dúvida se o recurso era ou não prematuro. O Ministro Luis Felipe Salomão, relator, apontou que o Tribunal vinha adotando a tese de que foge à regra apresentar apelação antes que esses embargos sejam analisados. Trata-se de uma interpretação da Súmula 418, que considera “inadmissível o recurso especial interposto antes da publicação do acórdão dos embargos de declaração, sem posterior ratificação”.
O Ministro reconheceu que as partes não podem “pular” etapas antes de esgotar outras vias recursais, mas afirma que a jurisprudência baseada na súmula é “exagerada”. Ele considera melhor afastar o “formalismo processual desmesurado” e a “despropositada exigência” para garantir o acesso das partes à Justiça e priorizar a solução do direito material em litígio. Isso porque os embargos declaratórios, lembrou, têm o papel de complementar ato judicial anterior, geralmente sem o poder de substituir a decisão questionada. “Não havendo alteração da decisão pelos embargos de declaração, penso que deve haver o processamento normal do recurso (principal), que não poderá mais ser alterado.”
O relator escreveu ainda que o novo Código de Processo Civil (artigo 1024, parágrafo 5º.) já libera a tramitação de recursos na instância superior quando ainda não foi publicado o acórdão ou a decisão de primeiro grau sobre embargos de declaração: “Diante do influxo normativo do Direito processual civil moderno, tem-se verificado uma onda renovatória de entendimentos que vêm afastando o excesso de formalismo em prol da justiça social, dando-se concretude aos princípios processuais da celeridade [e] duração razoável do processo”, afirmou.[1]
Na verdade, esta tendência segue "modelo" de informalização (no sentido positivo) já adotado pelo Supremo Tribunal Federal, a fim de facilitar o acesso aos Tribunais Superiores. Neste sentido, o Plenário do Supremo Tribunal Federal recentemente alterou a jurisprudência da Suprema Corte para afastar o conceito de intempestividade para os recursos apresentados antes da publicação do acórdão – data até então considerada marco temporal do início do prazo para a interposição de embargos declaratórios ou agravos. Esta decisão foi tomada durante o julgamento de embargos de declaração (convertidos em agravo regimental) no Agravo de Instrumento nº. 703269. Ao apresentar a questão, o relator, Ministro Luiz Fux considerou que não pode ser considerado intempestivo um recurso apresentado dentro do prazo, ainda que antes da publicação do acórdão, lembrando que jurisprudência atual considera intempestivo o recurso apresentado tanto antes, quanto após o prazo. Disse: “Revela-se uma contradição considerar-se intempestivo um recurso que é interposto antes do escoamento do prazo”, acrescentando que na Primeira Turma já houve discussão em torno da necessidade de mudança de direcionamento quanto aos recursos considerados intempestivos.
Ele ressaltou que a jurisprudência agora superada é “extremamente formalista e sacrifica a questão da justiça” e lembrou que a evolução no entendimento já está prevista no novo Código de Processo Civil.
O Ministro Marco Aurélio, que sempre afastou a intempestividade nestas circunstâncias, lembrou da característica do brasileiro de deixar as coisas para última hora e ressaltou que não se pode punir quem se antecipa: “Geralmente o brasileiro deixa para a undécima hora a prática do ato, mas há aqueles que se antecipam. Se antecipam na interposição de recurso, inclusive em relação ao prazo recursal. Chegam ao protocolo da Corte e interpõem o recurso que tem objeto, que é o acórdão, antes de detonado o prazo inicial desse prazo. Entendo que esse ato é válido”, afirmou.
Decisão acertadíssima do Superior Tribunal de Justiça, pois não faz nenhum sentido (do ponto de vista jurídico) que se puna com a sanção processual da intempestividade (e, consequentemente) do não conhecimento do recurso, a parte que, de forma diligente, antecipou-se à publicação do acórdão ou da decisão de primeiro grau sobre os embargos de declaração, devendo o Enunciado 418 ser, doravante, assim interpretado.
Notas e Referências: [1] http://www.conjur.com.br/2015-set-18/stj-muda-entendimento-recurso-antes-embargos-declaracao
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Rômulo de Andrade Moreira é Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor de Direito Processual Penal da UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela UNIFACS.
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