O constitucionalismo e a sã doutrina

01/04/2018

Constitucionalismo é a teoria (ou ideologia) que ergue o princípio do governo limitado indispensável à garantia de direitos em dimensão estruturante da organização político-social de uma comunidade. Neste sentido, o constitucionalismo moderno representará uma técnica específica de limitação do poder com fins garantísticos. O conceito de constitucionalismo transporta, assim, um claro juízo de valor. É, no fundo, uma teoria normativa da política, tal como a teoria da democracia ou a teoria do liberalismo” (José Joaquim Gomes Canotilho. Direito constitucional e teoria da constituição. 7 ed. Coimbra: Almedina, p. 51). Canotilho afirma, ainda, que o constitucionalismo moderno tem origem no século XVIII, em contraposição ao constitucionalismo antigo, o qual se sedimentou a partir do fim da idade média, e que seus temais centrais são “a fundação e legitimação do poder político e a constitucionalização das liberdades” (Idem, p. 55).

Como se pode ver, a questão constitucional está inserida em um contexto mais amplo, em uma cosmovisão, ou filosofia de mundo, um juízo de valor, destacando-se no ponto em discussão os temas do poder político e das limitações normativas do governo humano. Também pode-se dizer que o assunto se liga à distinção entre governo de leis e governo de homens.

Certo é que o conteúdo ou significado da constituição depende da filosofia, racionalidade ou teoria de mundo mais ampla do cientista, político ou intérprete, porque a formação histórica e a função da organização social em torno de leis pode ter fundamentos diversos, que, em momentos de tensão, definirão a última palavra sobre a semântica constitucional. Atualmente, temos exemplos claros sobre essas controvérsias, como o da prisão em segunda instância, do aborto, do “casamento” homossexual, do transexualismo, dos estrangeiros, das prestações sociais do Estado, das normas trabalhistas, dentre outros.

O pano de fundo em que realmente a divergência existe, assim, é filosófico, ligado à doutrina científica mais ampla que rege a comunidade, à norma fundamental ou à regra de reconhecimento, incluídas as subcomunidades dos cientistas e dos juristas. O antigo regime, referente ao constitucionalismo antigo, era pautado por uma visão religiosa de mundo, enquanto o novo constitucionalismo procura uma teoria da ordenação sistemática e racional da sociedade, e esses pontos de partida distintos marcam as diferenças fundamentais nas soluções constitucionais.

Assim, se, de um lado, temos uma falha na visão religiosa de mundo que dominou o ocidente até a revolução francesa, e ainda perdura nos dias atuais, não é menos verdade que também a nova ciência, que avançou desde a revolução copernicana, padece de graves inconsistências teóricas e falhas racionais.

A visão de mundo de Galileu e Newton, que indubitavelmente influenciou os movimentos sociais e o chamado iluminismo, com inegáveis reflexos no constitucionalismo e no Direito, chocou-se com os absurdos lógicos dos estudos da física no século XX, como a relatividade do espaço-tempo e a não localidade física das coisas. E um dos pontos fundamentais da filosofia que amparava essa ciência, que marcou uma ruptura com o pensamento de mundo medieval, a dualidade cartesiana das duas substâncias, a pensante e a extensa, vem sendo seriamente posto em dúvida.

O mundo atual vive o espetáculo da incompletude, de Gödel, do princípio da incerteza, da evolução aleatória, dos saltos quânticos, não existindo uma doutrina que  contemple a integralidade dos fenômenos em um todo ordenado, apesar da sintonia fina que existe nas leis da natureza, motivada, segundo a falha ciência, pela suposta existência, não comprovada, de bilhões de outros universos. As explicações mais aceitas para complexidade da realidade, segundo o materialismo, são bisonhas: ou as coisas só existem quando olhamos para elas – interpretação de Copenhague; ou existem bilhões de universos, sendo mera coincidência o nosso funcionar tão bem – teoria do multiverso ou muitos mundos.

Como venho salientando, portanto, a sã doutrina se perdeu, está no deserto, como narrado no livro do Apocalipse, a ciência da substância cósmica, do Logos, está diluída entre as diversas teorias, porque a proposta de que há uma substância do mundo, o Logos, que o ordena, foi abandonada há séculos.

A sã doutrina é o Cristianismo, em sua versão anterior aos concílios, nunca praticada em termos políticos, por mais que a dignidade humana dele derive e esteja no fundamento do Direito e do Estado contemporâneo. A sã doutrina considera relevantes inclusive os pensamentos das pessoas, que integram a ordem natural física do mundo. Outrossim, superando e rejeitando a dicotomia cartesiana, e recuperando a ideia de ordem natural de mundo, que inclui até mesmo os pensamentos humanos, a sã doutrina é o autêntico constitucionalismo, porque trata da fundação e da legitimação do poder político e do exercício da liberdade individual na comunidade, segundo a ordem física e social justa.

Este artigo, assim, continua aquele com o título “Deus é o Direito: Jesus Cristo e o controle de constitucionalidade” (http://emporiododireito.com.br/leitura/deus-e-o-direito-jesus-cristo-e-o-controle-de-constitucionalidade-por-thiago-brega-de-assis), que remonta a ideia de constitucionalidade à Torá, pela qual o poder político se funda na autoridade de Deus, e somente é legítimo na medida em que exercido segundo Sua Vontade, conforme a Lei, e não pela vontade humana egoísta.

Outrossim, a Torá pode ser vista como o princípio do governo das leis, a Lei de Deus, o Logos, uma constituição em termos modernos, em comparação com o governo dos homens que regia e ainda rege as comunidades políticas, pois os interesses políticos são vinculados a grupos políticos que se beneficiam do poder do Estado, em detrimento da vida social.

Uma doutrina ou teoria científica é julgada segundo sua coerência lógica e pela capacidade de prever adequadamente resultados experimentais, de antecipar acontecimentos, pelo que se suas previsões se confirmam ela é considerada uma boa teoria e continua a ser estudada e aplicada. De outro lado, o erro em prever fenômenos, ou comportamentos de pessoas ou partículas, pela chamada falseação, leva uma doutrina a ser descartada como falha ou falsa.

O Cristianismo é chamado de sã doutrina porque é a teoria do Logos em sua encarnação, da descrição, da vivência e plenificação da Constituição do Cosmos, em sua integralidade corporal e espiritual, segundo dois mandamentos básicos: “Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Esse é o maior e o primeiro mandamento. O segundo é semelhante a esse: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Desses dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas” (Mt 22, 34-40).

Portanto, Deus, o da Bíblia e do Alcorão, o Criador de todas as coias, o Altíssimo, funda e legitima o mundo, inclusive em seus aspectos jurídicos, devendo as pessoas pautarem sua vida pela união com Deus, pelo amor pleno, integral e inteligente e Ele, porque Deus é um Espírito inteligente, é o Logos, a razão segundo a qual tudo existe, tudo constitui, e que define um comportamento como são, ou santo, justo e integral.

Como provar a verdade dessa doutrina? Da mesma forma como são provadas a coerência e racionalidade das teorias científicas, pela experimentação e pela verificação dos resultados, ou seja, se eles estão ou não em conformidade com as previsões, ou profecias.

A veracidade da profecia é comprovada pelo seu cumprimento: “Talvez perguntes em teu coração: 'Como vamos saber se tal palavra não é uma palavra de Iahweh?' Se o profeta fala em nome de Iahweh, mas a palavra não se cumpre, não se realiza, trata-se então de uma palavra que Iahweh não disse. Tal profeta falou com presunção. Não o temas” (Dt 18, 21-22).

Como a sã doutrina já havia previsto os acontecimentos atuais e futuros, e porque “a profecia é um sinal para os que crêem” (1 Cor 14, 22), ela dá esperança durante a tribulação, em que o mundo está pautado pelo avesso, até que chegue o conforto.

A ciência também exige crença ou fé em sua racionalidade, que é seu deus, e é dentro dessa racionalidade que os experimentos científicos são praticados. A ciência atual, com seu materialismo, não pode ser considerada uma sã doutrina, inicialmente porque tem como fundamentos a impossibilidade de conhecimento preciso da realidade, pela incerteza, e a origem aleatória dos fenômenos e da vida, que teria surgido por puro acaso, que, portanto, também condiciona o futuro, sem falar no fato de que dela está excluída a explicação de 95% (noventa e cinco por cento) dos fenômenos da natureza, ligados à energia escura e à matéria escura, cujos fundamentos e modo de ação são ignorados por essa ciência, que tem uma racionalidade precária, ou um deus falso e limitado.

A crença atual é baseada na matéria e nas sensações corporais, o reducionismo materialista, que não esgota a realidade. Dessa ideia materialista e falha decorre a interpretação constitucional que assume cada vez mais um caráter majoritário na doutrina e prática jurídicas, e que vem deturpando a essência de nossa Constituição, promulgada sob a proteção de Deus, tendo como fundamento a dignidade humana Cristã, que busca uma sociedade fraterna e solidária. Por isso, algumas posições jurídicas hoje de “vanguarda”, quando restabelecida a ordem constitucional, deverão ser revistas, para readequação à sã doutrina, na correta hermenêutica constitucional, para estabelecimento da constitucionalidade substancial, que inclui forma e conteúdo corretos, de Vida santa.

A crença em uma ordem é fundamental, e por isso a racionalidade materialista é o deus do momento. Nesse sentido, é curioso o fato de os Cristãos terem sido chamados de ateus durante o império romano, porque crêem apenas em um Deus, tendo sido elaborada por Atenágoras de Atenas a “Petição em favor dos cristãos”, dirigida aos imperadores Marco Aurélio Antonino e Lúcio Aurélio Cômodo, em defesa da religião Cristã, dentro de um mundo essencialmente religioso, dizendo: “Vós e vossas leis tolerais tudo isso, pois considerais ímpio e sacrílego não crer de modo algum em Deus. É necessário que cada um tenha os deuses que quiser a fim de que, por temor à divindade, se abstenha de cometer impiedades” (Padres apologistas. Trad. Ivo Storniolo e Euclides M. Balancin. São Paulo: Paulus, 1995, p. 121).

O Cristianismo é também uma prática social e política: “Nossa religião não se mede pelos discursos cuidadosos, mas pela demonstração e ensinamento de obras” (Idem, p. 161). Nesse ponto, a ideia Cristã que se incorporou ao império posteriormente não foi a autêntica, porque o exemplo de Cristo não foi o modelo de conduta. “Para nós não basta ser justos – a justiça consiste em dar o mesmo aos iguais – mas nos é proposto que sejamos bons e pacientes” (Idem, p. 162).

Ligado à Razão, ao Logos, ao Espírito e à proteção da Vida, o constitucionalismo Cristão, desde o segundo século, defende a preservação mental e psíquica, em impressionante antecipação da neurociência, e não aceita o aborto: “Nós, porém, que consideramos que ver matar está próximo do próprio matar, nos abstemos de tais espetáculos (de gladiadores). Portanto, como podemos matar os que não queremos sequer ver para não contrair mancha ou impureza em nós? Afirmamos que as mulheres que tentam o aborto cometem homicídio e terão que dar contas a Deus por ele” (Idem, p. 163).

Destarte, a mesma doutrina que desenvolveu o conceito de dignidade humana insculpido em nossa constituição, essa mesma doutrina considera o aborto um homicídio, independentemente do tempo de gestação. Por isso a desordem materialista que domina a política mundial, inclusive o Direito constitucional, chegará a um limite, como dizem as profecias, porque que o Cristianismo é uma religião científica e política, além de espiritual.

“Sucederá naquele dia, em que Gog vier contra a terra de Israel, — oráculo do Senhor Iahweh — que a minha cólera transbordará” (Ez 38, 18).

“Vi então a Besta reunida com os reis da terra e seus exércitos para guerrear contra o Cavaleiro e seu exército. A Besta, porém, foi capturada juntamente com o falso profeta, o qual, em presença da Besta, tinha realizado sinais com que seduzira os que haviam recebido a marca da Besta e adorado a sua imagem: ambos foram lançados vivos no lago de fogo, que arde com enxofre” (Ap 19, 19-20).

Quando essas previsões científicas da sã doutrina, quando as profecias bíblicas se confirmarem, a Besta, o poder político mundial atual, e o falso profeta, a ciência materialista que ampara esse poder, serão aprisionados em sua irracionalidade, porque a glória de Deus se tornará manifesta, assim como o seu governo oculto do universo, porque mudará o curso da História.

Nesse dia, o constitucionalismo se renderá à sã doutrina, ao Cristianismo, que governará a humanidade como uma teoria normativa da política, durante a era messiânica, o milênio, até que a mentira surja novamente, tentando desviar o mundo do caminho da Vida...

 

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