Por Débora Costa Ferreira – 10/05/2016
O contexto atual da política brasileira tem testado ao máximo o funcionamento e a legitimidade das instituições conforme seus papéis pré-estabelecidos na Constituição. Faz parte do processo democrático e dos desdobramentos do princípio da separação dos Poderes a existência contrapontos decisórios por parte de diferentes fontes de poder e eventuais acomodações de posições. De todo modo, o desenrolar do sistema político deve ser concomitantemente tutelado pelo sistema jurídico, uma vez que decorre da própria Constituição[1] e em face do seu papel precípuo de estabilização social.
Em um ambiente intrinsecamente marcado pela complexidade e contingência, Niklas Luhmann[2] defende a formação de uma estrutura de estabilização de expectativas para possibilitar o desenvolvimento e a continuidade da sociedade, ao se aliviar incertezas decorrentes do sistema e possibilitar a formação antecipada de reações. Nesse contexto, o Direito propicia a generalização de estruturas de expectativas coerentes nas dimensões temporal, social e prática; sendo assim capaz de estabilizar crises e garantir procedimentos e decisões expectáveis.
Diante dessas considerações, a anulação da tramitação do processo de impeachment pelo presidente interino da Câmara dos Deputados, Waldir Maranhão (PP/MA), implica em uma extrema perturbação no sistema não só político, mas também econômico[3] e social, porque toda estrutura de expectativas recíprocas fica abalada. Não há como, com segurança, prever politicamente o que será decidido e, por tal motivo, todas as decisões econômicas e sociais por parte da população como um todo restam paralisadas até que se dê uma solução ao caso. E, sob uma perspectiva mais grave, anula-se todo um procedimento político-jurídico realizado com observância às regras a ele relativas, chanceladas pela interpretação do Supremo Tribunal Federal e aceitas pelos participantes do debate político[4].
O que se demonstra com esse episódio é que o controle das decisões políticas que envolvam temas intimamente constitucionais não pode ficar ao sabor das represálias políticas[5], até porque elas são tomadas em uma democracia constitucional, na qual a conformidade jurídica é requisito de validade dos atos das autoridades públicas. Nesse passo, ressaltando-se a necessidade de controle jurídico, não se defende que todo o processo deve ser judicializado – o que, no limite, pode ser igualmente prejudicial[6] –, mas que os diálogos institucionais, sobretudo em momentos de instabilidade política, devem se pautar em questões jurídicas (por seu papel estabilizador), atreladas ao espírito de responsabilidade social quanto às consequências dos atos políticos, para não gerar tensões desnecessárias que testem constantemente os limites do Estado democrático de Direito.
Assim, é imprescindível que a condução política do processo se dê pelas raias legais, sob pena de gerar uma anomia social que pode ser responsável, em última instância, pela perda da força e credibilidade das instituições democráticas. Além de regras claras precisamos de decisões claras, legítimas[7] e em conformidade com o ordenamento jurídico-constitucional, para que interesses momentâneos não se sobreponham ao regular funcionamento da democracia constitucional brasileira, gerando a instabilidade que por ora se observa.
Notas e Referências:
[1] Segundo a Teoria dos Sistemas de Nicklas Luhmann, a Constituição é o acoplamento estrutural entre o Sistema politico e o jurídico.
[2] LUHMANN, Nicklas. Sociologia do Direito I. Tradução de Gustavo Bayer. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1983.
[3] O Mercado de câmbio e a bolsa de valores reagiram instantaneamente à notícia.
[4] Em uma democracia o consenso das decisões não significa a unanimidade decisória, mas a concordância de todos com o resultado da decisão pelo processo de convencimento ter se dado em um ambiente com regras do jogo amplamente aceitas pelos participantes.
[5] Certamente, o Deputado Waldir Maranhão não antecipou a factibilidade de uma punição política grave o suficiente de modo a faze-lo conter sua atuação.
[6] Há um limite de credibilidade e de capacidade institucional do Supremo Tribunal Federal. A cada vez que essa corte se manifesta, sua atuação fica sujeita a críticas, podendo diminuir seu apoio difuso.
[7] Garantindo que instituições não sejam aparelhadas nem tenham suas finalidades desviadas.
. Débora Costa Ferreira possui graduação em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (2014) e graduação em Ciências Econômicas pela Universidade de Brasília (2014). Tem especialização na área de Direito, com ênfase em Direito Constitucional (2015). Mestrado em Direito Constitucional em andamento. .
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