O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL

23/01/2020

Com a promulgação da Lei nº. 13.964/19, que acrescentou ao CPP o art. 28-A, passamos a ter possibilidade de um acordo de não persecução penal, a ser realizado entre o MP e o investigado.

Este acordo só poderá ocorrer se não for o caso de arquivamento do procedimento investigatório, pois se não houver justa causa ou faltarem os pressupostos processuais ou as condições para o exercício da ação penal, deve ser promovido o arquivamento, nos termos do art. 28, CPP.[1]

A iniciativa do acordo, segundo a lei, será sempre do MP, não se admitindo nos crimes de ação penal de iniciativa privada. Além da falta de previsão legal (tal como ocorre na transação penal e na suspensão condicional do processo), ficaria sem solução a hipótese em que houvesse a recusa da vítima em fazer a proposta, pois nem o Juiz poderia fazê-lo de ofício (dispondo de uma ação penal em um processo de estrutura acusatória, o que é inadmissível), tampouco o MP, cuja legitimidade de atuação limita-se às ações penais públicas (art. 129, I, CF). Este entendimento pode ser objetado pelo fato de que haverá casos nos quais autores de crimes mais graves (de ação penal pública) poderão ser beneficiados com o acordo, ao contrário de agentes que praticaram crimes menos graves (de ação penal de iniciativa privada). Trata-se de um sólido argumento jurídico; mas, é preciso lembrar que as ações penais de iniciativa privada obedecem a outros princípios: veja-se, por exemplo, a possibilidade do perdão, da perempção, da renúncia e da decadência, incabíveis nos crimes de ação penal pública. É do sistema, portanto!

O acordo pode ser feito com qualquer investigado em um procedimento formal de natureza investigatória/criminal[2], seja instaurado na Polícia (federal, militar ou civil) ou no próprio MP; a propósito, observa-se que a palavra utilizada no texto legal é sempre “investigado”, e não “indiciado”.

Também é possível no caso de investigado com prerrogativa de função, inclusive no próprio STF (neste caso, a partir da iniciativa do PGR). A nova lei acrescentou o § 3º. ao art. 1º. da Lei nº 8.038/90: “Não sendo o caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstanciadamente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 anos, o MP poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime, nos termos do art. 28-A do CPP.” Nestas hipóteses, o relator sorteado deverá submeter o acordo ao órgão colegiado competente para o processo e julgamento; se preferir homologar monocraticamente, deverá fazê-lo ad referendum, pois, do contrário, estar-se-ia usurpando uma competência que (constitucionalmente) não é dele, mas do órgão colegiado; afinal, também a ele não cabe, monocraticamente, receber a denúncia, caso oferecida. Assim, se não lhe compete, singularmente, receber a peça acusatória, com mais razão não lhe cabe, monocraticamente, homologar um acordo de não persecução penal.

O pressuposto para a formalização do acordo é que se trate da investigação de uma infração penal (portanto, crime ou contravenção) praticada sem violência ou grave ameaça, cuja pena mínima seja inferior a 4 anos. Logo, não se admite tais acordos quando se trate de crime cuja pena mínima seja igual ou superior a 4 anos, ou, ainda que não o seja, tenha sido praticada com violência ou grave ameaça.

Segundo a lei, para aferição da pena mínima serão consideradas as causas de aumento e de diminuição aplicáveis ao caso concreto. Assim, poderá não ser possível a formalização do acordo caso a pena máxima seja de três anos, mas esteja prevista uma causa de aumento de pena de 1/3. Por outro lado, no crime com pena máxima igual ou superior a 4 anos admite-se o acordo, caso haja uma causa de diminuição de pena. Se a causa de aumento de pena é variável (de 1/3 a 2/3, por exemplo), deve-se levar em consideração o “aumento mínimo”, pois é a pena mínima o pressuposto para o acordo. Ao contrário, existindo causa de diminuição de pena variável, aplicar-se-á o maior percentual, ou seja, “a diminuição máxima”.[3] Em relação às agravantes e às atenuantes, não devem ser levadas em consideração, pois são circunstâncias genéricas, cujo quantum não vem estabelecido aprioristicamente pela norma penal.

Eis o pressuposto; vejamos os requisitos.

Como primeiro requisito, a lei exige que haja a confissão do investigado, e que esta confissão seja feita formalmente, ou seja, que esteja expressamente esclarecida nas cláusulas do acordo, que deve ser feito por escrito e na presença do Defensor e do MP. A lei condiciona a homologação do acordo à realização de uma audiência (que deverá ser, por óbvio, pública e oral) na qual o Juiz das Garantias deverá verificar a voluntariedade da aceitação do acordo, devendo, para isso, ser ouvido o investigado, na presença do seu Defensor; nesta mesma audiência, o Magistrado verificará a sua legalidade, isto é, se está presente o pressuposto, se estão preenchidos os requisitos legais e, finalmente, se as condições acordadas estão conforme a lei.

Esta confissão deve ser feita também circunstancialmente, ou seja, devem estar detalhados todos os fatos, de maneira pormenorizada e sem margem para quaisquer dúvidas, atentando-se sempre para que tenha sido feita sem coação de nenhuma natureza, conforme exige o art. 8º., 3, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica).

Se o investigado praticou, supostamente, duas ou mais infrações penais, tendo confessado apenas uma delas, o acordo somente poderá ser feito em relação ao fato admitido, devendo ser oferecida denúncia (caso haja justa causa) no que diz respeito ao outro fato.

Se o investigado confessa a autoria, mas indica fato que lhe favoreça (como, por exemplo, excludentes de ilicitude ou de culpabilidade, ou mesmo eximentes de pena), não há obstáculo legal para a formalização do acordo. Neste sentido, observa-se que o STJ já decidiu que a chamada “confissão qualificada” deve ensejar a aplicação da atenuante prevista no art. 65, III, “d”., do CP. Ora, se ela serve para atenuar a pena, porque não serviria para admitir o acordo?[4]

Uma questão que deverá ser enfrentada pela jurisprudência diz respeito à validade jurídica dessa confissão como elemento de prova para fundamentar uma sentença condenatória, caso o investigado, não tendo cumprido o que foi acordado, venha a ser denunciado e condenado. A questão não é de fácil solução, pois, nada obstante ter sido uma confissão feita fora dos autos, de toda maneira, foi ratificada perante o Juiz das Garantias, numa audiência pública, oral, na presença do Defensor (constituído, dativo ou Público) e do membro do MP. Nada obstante, entendo que, não tendo havido ainda (quando foi feita a confissão) uma acusação formal, tampouco instrução criminal, não pode aquela confissão, em nenhuma hipótese, servir de base para uma sentença condenatória.

Em outras palavras: caso o investigado tenha confessado para fins do acordo, ainda que formal e circunstancialmente (ratificando-a na audiência), mas, posteriormente, quando interrogado na audiência de instrução e julgamento, não confirmou a confissão, o Juiz não poderá utilizar aquela confissão anterior como supedâneo para uma sentença condenatória; afinal, a confissão não foi realizada no bojo de uma ação penal. Aliás, como se sabe, nem mesmo a confissão feita durante o interrogatório é prova insofismável e irrefutável da autoria do crime.[5]

Ademais, conforme já referido, quem tem competência para a homologação do acordo é o Juiz das Garantias (art. 3º.-B, XVII, CPP) e, conforme estabelece o art. 3º.-C, § 3º., os autos que compõem as matérias de competência do Juiz das Garantias não são apensados aos autos do processo enviados ao Juiz da Instrução e Julgamento, ressalvados os documentos relativos às provas não repetíveis, medidas de obtenção de provas ou de antecipação de provas, que deverão ser remetidos para apensamento em apartado. Tais autos ficarão acautelados na secretaria do Juízo das Garantias à disposição do MP e da Defesa.

Um segundo requisito exigido pela lei é que o acordo seja “necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime.” Como se vê, trata-se de uma repetição, ipsis litteris, da última parte do que contém o art. 59 do CP que estabelece os parâmetros para a determinação da sanção aplicável em caso de uma condenação (ao lado do art. 68, CP). O que seria mesmo um acordo necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime? Esta é uma matéria extremamente delicada, pois toca a questão das finalidades da pena, razão pela qual é absolutamente imprópria para constar como requisito a um acordo penal, ainda mais em uma fase em que nem sequer houve uma acusação formal contra alguém.

Neste aspecto, é importante ressaltar, com Mir Puig, “que o nosso modelo de Estado recomenda que entre a alternativa básica da retribuição ou da prevenção deve-se decidir a favor de uma ´prevenção limitada`, que permita combinar a necessidade de proteger a sociedade não só com as garantias que ofereciam a retribuição, mas também com as que oferecem outros princípios limitadores.”

Assim, ao não propor um acordo de não persecução penal, o membro do MP deverá atentar que “só uma prevenção assim limitada poderá deflagrar um efeito positivo de afirmação do Direito próprio de um Estado social e democrático de Direito, e só assim poderão ser conciliadas as exigências antitéticas de retribuição, prevenção geral e prevenção especial em um conceito superior de ´prevenção geral positiva`.”[6]

É preciso estarmos atentos, conforme adverte Baratta, que é “muito perigoso para a democracia e para o movimento operário cair na patranha, que atualmente lhe é armada, e cessar de defender o regime das garantias legais e constitucionais que regulam o exercício da função penal no Estado de direito.” Por isso, “nenhum compromisso deve ser feito sobre este ponto, com aquelas forças da burguesia que, por motivos estruturais bem precisos, estão interessadas em fazer ´concessões` ou recuar em matéria de conquistas do direito burguês e do Estado burguês de direito.[7]

Fiquemos, portanto, vigilantes para que fórmulas como esta - “necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime” – não sirvam para inviabilizar acordos de não persecução penal, propiciando denúncias ilegítimas e temerárias. Também é preciso atenção aos Juízes para que não as reproduzam em suas decisões, mesmo porque se considera nula, posto não fundamentada, qualquer decisão judicial, mesmo uma interlocutória, que se “limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida ou empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso, bem como invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão”, nos termos do art. 315, § 2º., c/c art 564, V, ambos do CPP.

Por fim, são também requisitos para o acordo de não persecução: a) não ser cabível transação penal de competência dos Juizados Especiais Criminais; b) não ser o investigado reincidente; c) não existirem elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas; d) ter sido o agente beneficiado nos 5 anos anteriores ao cometimento da infração, em acordo de não persecução penal, transação penal ou suspensão condicional do processo; e) não ter sido o crime (não contravenção) praticado no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor (não agressora).

Observa-se, então, não ser possível o acordo no âmbito dos Juizados Especiais Criminais. Na Justiça Militar sim, por força do art. 90-A da Lei nº. 9.099/95, e também na Justiça Eleitoral. Já em relação aos crimes da competência do Tribunal do Júri, a situação é diversa, em razão do disposto no art. 5º., XXXVIII, “d”, da CF.

Quanto ao requisito indicado na alínea “c”, há algumas impropriedades graves, como, por exemplo, a referência a “elementos probatórios” em uma fase ainda meramente investigatória, em que não houve produção de provas, mas atos investigatórios; ademais, falar-se em “conduta criminal habitual, reiterada ou profissional” é valer-se de termos cujos conceitos não estão definidos pela lei brasileira, violando-se o princípio da legalidade. Por exemplo: para que se caracterize a habitualidade delitiva, reiterada ou profissional seria necessária a prática de quantos delitos? Bastariam investigações em curso, denúncias oferecidas ou sentenças condenatórias (recorríveis ou não)? E o que seriam, ou não seriam, “insignificantes infrações penais”? Estar-se-ia falando do princípio da insignificância? Ora, mas se a infração penal passada foi insignificante, quem o disse? O MP, ao não oferecer uma denúncia, ou o Juiz, ao absolver o réu por atipicidade da conduta anterior, em razão da aplicação do mesmo princípio? São questões, vê-se, que devem ser enfrentadas, pois, do contrário, teremos uma enxurrada de casos em que acordos não serão propostos sob a alegação genérica de que se tratava de conduta criminal habitual, reiterada ou profissional.

Por fim, atentar que, em relação ao último requisito (alínea “e”), a lei impede o acordo apenas quando se tratar de “agressor”; logo, sendo uma “agressora” não há impedimento para o acordo.

Eis os requisitos; vejamos, então, as condições exigidas pela lei para a formalização do acordo, que devem ser “ajustadas cumulativa e alternativamente”:

a) reparação do dano ou a restituição da coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo;

b) renúncia voluntária a bens e direitos indicados pelo MP, como instrumentos, produto ou proveito do crime; neste caso, ressalvada a legislação especial, o destinatário será o Fundo Nacional de Segurança Pública (art. 3º., VI, da Lei nº. 13.756/18); aqui, a questão é que há um verdadeiro confisco de bens sem que tenha havido uma sentença penal condenatória definitiva, como exige o art. 91, II, CP;

c) prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas, por período correspondente à pena mínima cominada ao delito, diminuída de 1/3 a 2/3, em local a ser indicado pelo Juízo da Vara de Execuções Penais (art. 46 CP);

d) pagamento de prestação pecuniária a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo Juízo da Vara de Execuções Penais, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; observa-se que, ao contrário do que permite o art. 45 do CP, neste caso, a prestação pecuniária não pode ter como beneficiária a vítima ou os seus dependentes;

e) ou, alternativamente, outra condição indicada pelo MP, a ser cumprida em prazo determinado, e desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada; o caso concreto dirá qual a condição melhor para ser acertada, cuidando-se para que condições draconianas e impraticáveis não sejam propostas, inviabilizando o acordo.

Pela redação legal, deve-se considerar como obrigatórias, aplicadas “cumulativamente”, as quatro primeiras condições, salvo a impossibilidade de adimplemento como, por exemplo, a falta de recursos do investigado para reparar o dano ou para pagar a prestação pecuniária, ou a inexistência de instrumentos, produto ou proveito do crime. “Alternativamente”, poderá ser também estabelecida a quinta condição, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada.

Eis, por fim, as condições; vejamos, em seguida, os demais aspectos do novo procedimento.

Segundo a lei, “caso Juiz considere inadequadas, insuficientes ou abusivas as condições dispostas no acordo de não persecução penal, devolverá os autos ao Ministério Público para que seja reformulada a proposta de acordo, com concordância do investigado e seu defensor.”

Neste aspecto, deu-se ao Juiz uma possibilidade de “fiscalizar” os termos do acordo, algo incompatível com um processo penal de estrutura acusatória (art. 3º.-A, CPP). Imiscuir-se o Juiz nesta fase procedimental, “sugerindo” ao MP a reformulação da proposta, não está conforme um processo de modelo acusatório; assim, apresentado o acordo, das duas uma: homologa-se ou não se homologa!

O Juiz não deverá homologar o acordo no qual não foram observados os requisitos legais; recusada a homologação, o Juiz devolverá os autos ao MP para a análise da necessidade de complementação das investigações ou o oferecimento da denúncia. Da mesma maneira, se as condições estabelecidas não estejam em conformidade com a lei, o Juiz também deve recusar a homologação, consignando expressamente os motivos pelos quais a homologação foi rejeitada. Caberá ao MP, então, ajustar os termos do acordo, apresentando uma nova proposta ao investigado (que aceitará ou não).

Caso o MP entenda que a proposta atende os parâmetros legais (não sendo o caso de “ajustes”) poderá interpor um recurso em sentido estrito (art. 581, XXV, CPP). Este recurso também poderá ser utilizado pelo investigado, claramente prejudicado pela não homologação.

Em caso de interposição do recurso, sendo ele julgado procedente, e transitada em julgado a decisão, o acordo deverá ser obrigatoriamente homologado pelo Juiz; julgando-se-lhe improcedente, surge uma questão: estará o MP obrigado a oferecer denúncia, já que o Tribunal entendeu pela rejeição da proposta? A resposta é positiva, pois o princípio da obrigatoriedade da ação penal pública ainda vige no Brasil.

Este princípio, como ensina Figueiredo Dias, corresponde ao dever do Estado “de administração e realização da justiça penal, obtendo a condenação judicial de todos os culpados e dos culpados da prática de uma infração.” Continua não havendo no Brasil, ao menos nos casos de ação penal pública, “qualquer juízo de ´oportunidade` sobre a promoção e prossecução do processo penal, antes esta se apresenta como um dever para o MP, uma vez presentes os pressupostos processuais (e a inexistência de obstáculos processuais), a punibilidade do comportamento, o conhecimento da infração e existência de indícios suficientes que fundamentem a acusação.”[8]

No caso de recusa por parte do Ministério Público em propor o acordo, a lei possibilita que o investigado recorra para o órgão colegiado do MP, aquele mesmo que tem atribuições para homologar (ou não) a promoção de arquivamento, na forma do art. 28 do CPP. O prazo para este recurso administrativo será de 30 dias, contados da data da intimação (art. 28, § 1º., CPP).

Assim, sempre que, em tese, seja cabível o acordo e o MP, ao contrário, optar pelo oferecimento da denúncia, deve, em separado, expor as razões pelas quais não foi feita a proposta, intimando-se o investigado. Este pronunciamento deve ser fundamentado, conforme exige a CF (arts. 129, caput, VIII, in fine, c/c arts. 129, § 4º. e 93, IX).

Não deve ser cogitada a aplicação, por analogia, da Súmula 696 do STF, primeiro porque de analogia não se trata mesmo, e, segundo, em razão da estrutura acusatória que deve ter o nosso processo penal, por força da CF e do CPP (art. 3º.-A).

Se houver o oferecimento da peça acusatória, nada obstante ser caso de acordo, restará ao Juiz, em obediência ao art. 129, I, CF, receber a denúncia (se não for inepta, se houver justa causa e se estiverem presentes os pressupostos processuais e as condições da ação); neste caso, o réu poderá interpor um HC para trancar o processo, afinal, trata-se de exercício abusivo do dever de acusar.

Finalmente, estando o acordo em conformidade com o pressuposto legal, presentes os seus requisitos e estabelecidas as condições, o Juiz deverá homologá-lo por sentença, devolvendo-se os autos ao MP para que, junto à Vara de Execuções Penais, providencie o início da execução. Como dito acima, a recusa em homologar trata-se de uma decisão recorrível (art. 581, XXV,CPP).

Entendo, nada obstante a lei não estabelecer expressamente, que a sentença homologatória do acordo penal é apelável, nos termos do art. 593, II (segunda parte), do CPP, tal como se dá com a sentença homologatória da transação penal (art. 76, § 5º., da Lei nº. 9.099/95).

A vítima deverá ser intimada da homologação do acordo e de seu descumprimento, nada obstante não ter legitimidade para recorrer (judicial ou administrativamente) da sentença homologatória, já que se trata de uma atribuição do órgão de execução do MP. Tampouco será cabível a ação penal de iniciativa privada subsidiária da pública, pois, às escâncaras, não houve inércia do MP.[9]

A sentença homologatória deverá ser enviada ao membro do MP junto à Vara de Execuções Penais para que inicie a sua execução. A iniciativa será do MP, não do Juiz, como se dá com as sentenças condenatórias, devendo ser observadas as disposições contidas na Lei nº. 7.210/84.

Já no Juízo da Vara de Execuções Penais, descumpridas quaisquer das condições estipuladas no acordo, o MP deverá comunicar ao juízo, para fins de sua rescisão e posterior oferecimento de denúncia. Segundo a lei, o descumprimento também poderá ser utilizado pelo Ministério Público como justificativa para o eventual não oferecimento da suspensão condicional do processo; assim, temos um novo requisito negativo para a suspensão condicional do processo prevista no art. 89 da Lei nº. 9.099/95: o descumprimento do acordo anterior de não persecução penal.

A celebração e o cumprimento do acordo não constarão de certidão de antecedentes criminais, exceto para impedir um novo acordo, conforme acima referido. Cumprido integralmente, o Juízo da Vara de Execuções Penais declarará extinta a punibilidade, observando-se que o prazo prescricional fica suspenso enquanto não cumprido ou não rescindido o acordo (art. 116, IV, do CP).

Para concluir, observa-se que este novo art. 28-A não encerra no Brasil, muito pelo contrário, o princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, aliás, decorrente do princípio da legalidade. O que houve, e já o havia, foi uma sua relativização, perfeitamente possível em um processo penal de feição acusatória.[10]

 

Notas e Referências

[1] Sobre o novo procedimento para o arquivamento de peças de informação, veja-se, por todos, o artigo de Aury Lopes Jr. e Alexandre Morais da Rosa (https://www.conjur.com.br/2020-jan-10/limite-penal-procede-arquivamento-modelo, acessado em 11 de janeiro de 2020).

[2] A nova lei também passou a permitir a celebração de acordo de não persecução cível (art. 17, § 1º., da Lei nº. 8.429/92).

[3] Mutatis mutandis, veja-se a Súmula 723 do STF: trata-se da possibilidade de suspensão condicional do processo, cujo pressuposto também é a pena mínima; sendo o caso de continuidade delitiva (que implica em um aumento da pena de 1/6 a 2/3), a Suprema Corte determina a aplicação “do aumento mínimo”; é o mesmo raciocínio.

[4] AgRg no REsp 1.198.354/ES.

[5] A propósito, um levantamento feito nos EUA pelo Innocence Projectrevelou que, de todos os prisioneiros libertados nos últimos anos com base em provas de DNA, 25% foram presos porque se incriminaram, fizeram confissões por escrito ou gravadas em fita cassete à polícia ou se declararam culpados. Estudos de casos mostram que essas confissões não derivaram de conhecimento dos réus sobre o caso, mas foram motivadas por influências externas”: https://www.conjur.com.br/2012-set-08/instituicao-estuda-porque-pessoas-confessam-crimes-nao-cometeram, acessado em 19 de janeiro de 2018.

[6] PUIG, Santiago Mir, “Direito Penal – Fundamentos e Teoria do Delito”, São Paulo: Editora Revista do Tribunais, 2007, p. 81 (tradução de Cláudia Viana Garcia e José Carlos Nobre Porciúncula Neto).

[7] BARATTA, Alessandro, “Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal – Introdução à Sociologia do Direito Penal”, Rio de Janeiro: Editora Revan, 1997, p. 206 (tradução de Juarez Cirino dos Santos).

[8] DIAS, Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra: Coimbra Editora, 2004, páginas 125 e 126.

[9] MARQUES, José Frederico, Elementos de Direito Processual Penal, Volume I, Campinas: Bookseller, 1998, p. 325.

[10] Veja-se o caso da transação penal (art. 76 da Lei nº. 9.099/95), da delação premiada (art. 4º., § 4º., da Lei nº. 12.850/13) e do acordo de leniência (arts. 86 e 87 da Lei nº. 12.529/11).

 

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