Novo Código de Processo Civil e Constituição: Apresentação de Algumas Questões

12/11/2015

Por Ilton Norberto Robl Filho e Luis Henrique Braga Madalena - 12/11/2015

Esta é nossa coluna de estreia no Empório do Direito, o que muito nos honra, especialmente pela possibilidade de contribuirmos com a reflexão e a problematização do Direito.

Metodologicamente, a ideia da coluna é trabalhar por bloco de questões e temas jurídicos correlatos, mas sempre discutindo os novos dilemas da efetividade constitucional em contexto de radical compromisso com a democracia. Assim, em diversas colunas semanais, um conjunto de temático será abordado a partir de inúmeras perspectivas. Findo um bloco de discussão, outro grupo temático será debatido.

Neste momento, diante da cada vez mais próxima entrada em vigência do Novo Código de Processo Civil (NCPC), que inquieta a todos de forma quase que unânime, elegemos a relação entre Constituição, Processo e Jurisprudência estabelecida na nova legislação processual como o primeiro grupo temático. Especialmente, a precedentalização/jurisprudencialização impõe uma análise detida, a qual iniciará nesta primeira coluna e será objeto de aprofundamento ao longo das próximas semanas.

Em outras palavras, refletiremos especialmente sobre o conteúdo dos célebres artigos 489, 926 e 927 do NCPC e seus efeitos sobre diversos institutos processuais como o Cumprimento de Sentença e a Violação da Coisa Julgada, sempre buscando o equilíbrio com novas visões sobre a doutrina da efetividade.

A discussão sobre a ampliação da fonte da jurisprudência no Estado Constitucional brasileiro encontra-se imersa no fenômeno da judicialização da política e da vida cotidiana, afinal estamos diante de uma prevalência cada vez maior do Judiciário frente aos demais Poderes. Entende-se por judicialização da política e da vida cotidiana a expansão dos temas apreciados pelos magistrados, decidindo questões tidas como políticas por excelência e intervindo em questões da vida cotidiana (família e consumo, por exemplo).

Nesse caminho do reconhecimento da relevância das decisões judiciais como fonte jurídica, o NCPC assevera que é considerada nula a decisão, nos termos do art. 489, § 1º, VI: que “deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento”.

A partir desse dispositivo legal, como se comportarão o STF e o STJ frente a essa prescrição normativa? Consolidarão o entendimento jurídico pátrio ou haverá divergências entre seus órgãos internos? De que forma as esferas judiciais hierarquicamente inferiores lidarão com a questão?

Por sua vez, a compreensão dos precedentes no NCPC pressupõe uma adequada hermenêutica do art. 926, NCPC, verbis: “Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente” e “editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante”.

Em simples leitura desse texto legal, saltam aos olhos as tradicionais discussões de Ronald Dworkin[1] acerca da necessidade de levar os direitos a sério por meio de uma teoria constitucional garantista e promotora dos direitos, a qual pressupõe uma prática jurídica comprometida com a manutenção das conquistas jurídicas e a ampliação das dimensões dos direitos. Na leitura de Dworkin, os precedentes judiciais são fontes importantes de reconhecimento de direitos e de concessão de segurança jurídica, sendo íntegra e coerente uma prática jurídica que, a partir de direitos já declarados, não apenas os preserva, mas os amplia.

Assim, uma importante questão surge, nesse contexto: será levado em conta o legado do autor estadunidense ou interpretaremos a tal integridade da forma que melhor nos aprouver? Trataremos a jurisprudência e os precedentes que a sustentam de maneira a formar o que Dworkin chama de chain novel, identificando-os em decorrência da recorrente postura das decisões judiciais? Esta talvez seja a discussão mais inquietante: a dúvida se o artigo 926 terá o efeito que muitos esperam – que é o de prover a tão esperada segurança, ou melhor, a tão necessária estabilidade ao direito brasileiro.

A ampliação da fonte jurisprudencial trazida pelo NCPC é promovida com a busca de uma gestão correta, constitucional e em tempo razoável do processo pela autoridade judicial, nos termos do art. 1º e 4º, NCPC. Por sua vez, as atitudes leais e de boa-fé das partes e dos sujeitos processuais são essenciais, conforme o art. 5º do novo diploma processual, na conformação da decisão judicial. Essas são importantes previsões do NCPC.

De outro lado, há necessidade de revermos uma visão estigmatizadora e irreal das decisões políticas/legislativas e judiciais. No senso comum jurídico, observa-se a concepção de que decisões legislativas sobre direitos são pautadas necessariamente em lobbies ilegítimos e em composição de interesses espúrios, sendo os processos judiciais, por sua vez, o locus mais adequado do reconhecimento do direito. Desse modo, a jurisprudencialização do direito não é apenas uma tendência, porém algo bom em si e em qualquer contexto.

As garantias de acesso ao Poder Judiciário e às tutelas tempestivas e adequadas são centrais no Estado Democrático de Direito, conforme fixado no art. 5º, XXXV, CF. Ainda assim, não é possível esquecer que os processos judiciais, muitas vezes, também possuem uma lógica brutal. Dworkin, um grande defensor da função constitucional dos Tribunais, assevera que:

"Os litígios judiciais são de meter medo: podem ser perdidos mesmo com bons argumentos e, tanto no folclore quanto de fato, constituem uma situação perigosa na qual uma palavra descuidada ou um fato apresentando na hora errada podem ser implacavelmente aproveitados pelos advogados adversários para parecer muito mais prejudiciais ou incriminadores do que de fato são. O processo litigioso também é, num nível mais baixo e dramático, profunda e inevitavelmente belicoso: o réu não se vê confrontando por um companheiro que junto com ele busca chegar à verdade, mas com um inimigo cujo objetivo declarado é o de esmaga-lo[2]."

A questão da “precedentalização” do direito brasileiro é central no debate jurídico contemporâneo, sendo inescapável uma análise detida do fenômeno, sob pena de adoção de práticas processuais constitucionalmente inadequadas e ilegítimas.


Notas e Referências:

[1] DWORKIN, Ronald. O Império do direito. Tradução: Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2007; DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

[2] DWORKIN, Ronald. O direito da liberdade: a leitura moral da Constituição norte-americana. Tradução: Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 273.


Ilton Norberto Robl Filho

Ilton Norberto Robl Filho é Doutor e Mestre em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Pesquisador Visitante na Faculdade de Direito da Universidade de Toronto – Canadá e do Max Planck em Heidelberg – Alemanha. Professor Adjunto da Faculdade de Direito da UFPR e do Programa de Mestrado em Direito da UPF. Seus temas de pesquisa e produção são: i) Metodologia Jurídica e Teoria do Direito e ii) Instituições Políticas e Teorias do Estado e da Constituição. . 


Luis Henrique Braga MadalenaLuis Henrique Braga Madalena é Diretor Geral da Academia Brasileira de Direito Constitucional – ABDConst. Mestre em Direito Público pela UNISINOS-RS. Especialista em Direito Constitucional e Teoria Geral do Direito pela Academia Brasileira de Direito Constitucional. Membro do grupo DASEIN – Núcleo de Estudos Hermenêuticos. Coordenador do Curso de Especialização em Direito Constitucional da Academia Brasileira de Direito Constitucional. Advogado. .


Imagem Ilustrativa do Post: Like a book // Foto de: serzhile // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/serzhile/8103594052

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura