Na busca da efetivação do direito fundamental social do trabalho

01/10/2015

Por Rodrigo Wasem Galia - 01/10/2015

O trabalho como fundamento axiológico da República Federativa do Brasil

O trabalho é, sem dúvida, meio de sobrevivência, mas também é fonte privilegiada de identidade pessoal, na medida em que a pessoa age e atua, superando desafios e obstáculos proporcionados pelo trabalho. No Estado Democrático de Direito, o trabalho deve ser encarado como manifestação da personalidade; é atividade que se pode exercer com liberdade e dignidade, limitado pela capacidade profissional. O trabalho, nessa medida, realiza o indivíduo como pessoa, e é fundamento para o desenvolvimento humano, econômico e como base do bem estar e da justiça sociais.

A Constituição Federal de 1988 elege o valor social do trabalho ao definir a base fundamental da República, no art. 1º, III e IV, ao lado da livre iniciativa. No art. 193 da Carta Magna, o valor social do trabalho é posto em categoria superior aos demais valores que a Ordem Social procura preservar.

A tutela Constitucional ao trabalho efetiva o Estado Democrático de Direito, ao garantir, com tal proteção ao trabalho, a dignidade da pessoa e sua possibilidade de inclusão social.

Essa é a razão pela qual a nossa atual Constituição, antes de elencar o valor social do trabalho e a livre iniciativa como fundamentos da República, arrolou o fundamento que se qualifica como ratio dos direitos sociais: a dignidade da pessoa humana. 

A ordem econômica e o princípio da dignidade humana do trabalhador

A norma constitucional inserida no artigo 170, determina que a ordem econômica deve assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, devendo, pois, buscar um equilíbrio entre esses fundamentos, conquistando, assim, a dita justiça social, sem olvidar de um de seus princípios, qual seja a busca do pleno emprego.

"Art. 170. A ordem econômica, fudanda na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (…) VIII – busca do pleno emprego."

Assim sendo, da análise da norma referida alhures, resta claro que a dignidade da pessoa do trabalhador constitui uma das finalidades principais da ordem econômica, devendo tal princípio ser informador da própria organização do trabalho. Isto porque a norma contida no referido dispositivo aplica-se, sobretudo, aos trabalhadores no que tange à sua dignidade inserida nas relações de trabalho (FERREIRA, 2004, p. 93).

Dessa forma, condições de trabalho precárias e empregos sem perspectiva alguma de estabilidade atingem, indubitavelmente, a dignidade humana dos trabalhadores, devendo, porquanto, tal prática receber tutela jurídica, em face da violação do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (FERREIRA, 2004, p. 93-96).

Nesse sentido, destaca-se a seguinte lição de ALCKIMIN, (2005, p. 16.), para quem

"[…] a dignidade do trabalhador está voltada para o trabalho livre e consciente, cuja liberdade de trabalho, como bem revela sua história e evolução, somente foi conquistada após o surgimento da servidão seguida do corporativismo medieval, culminando com a Revolução Industrial no final do século XVIII e início do século XIX, que deu origem à produção industrial e organização do trabalho voltada para a máquina e especialização do trabalho humano, visando à produtividade e lucratividade."

Destaque-se, por oportuno, que incorporar um valor social ao trabalho humano já faz parte da história constitucional brasileira, e, portanto, o trabalho não pode, em hipótese alguma, ser assumido friamente como mero fator produtivo, pois, trata-se, em verdade, de fonte de realização material, moral e espiritual do trabalhador (SILVA NETO, 2005, p. 24).

Ademais disso, é inegável que o trabalho engrandece e dignifica o homem, eis que abstrai dele meios materiais, bem como produz bens econômicos indispensáveis à sua subsistência, representando, portanto, uma necessidade vital e um bem indispensável para sua realização pessoal e valorização no seio de sua família e da sociedade, salientando que o trabalho, na ideologia capitalista, é essencial para o desenvolvimento econômico, político e social de uma Nação. É que, só se atinge o progresso e as exigências do mundo globalizado através da produção, distribuição e circulação de bens e serviços, razão suficiente para uma efetiva tutela jurisdicional do pleno emprego.

A livre iniciativa, por seu turno, deve ser compatibilizada à valorização do trabalho humano, devendo o aplicador do direito buscar um equilíbrio entre os bens constitucionalmente tutelados, diante do caso concreto, aplicando a ponderação entre os ditos valores, sem, jamais, olvidar dos direitos fundamentais do trabalhador.

Destarte, a incidência dos direitos fundamentais nas relações de trabalho, e, em especial, nas relações de emprego, justifica-se pelo fato de que objeto da relação de emprego é o trabalho e não o trabalhador, porém, resta impossível se desmembrar tais figuras, razão pela qual o trabalhador detém a proteção dos direitos fundamentais como cidadão e, sobretudo, como trabalhador (GÓES, 2009, p. 96).

Nasce daí, portanto, o dever do empregador de respeitar os direitos fundamentais do empregado, tratando-o de forma digna, eis que é sujeito do contrato e também sujeito das garantias fundamentais, principalmente, no que tange à sua dignidade como pessoa (GÓES, 2009, p. 96).

Nesse sentido, é cristalina a inserção dos direitos fundamentais especialmente nas relações de emprego, uma vez que, além da natureza dessa relação jurídica ensejar tal penetração, há evidentemente uma necessidade de se propiciar autonomia às pessoas submetidas a um “poder privado” e de se assegurar um mínimo de dignidade para a parte hipossuficiente da relação, qual seja o trabalhador (GÓES, 2009, p. 90).

Conclusão 

Valorizar o trabalho é, sem dúvida, valorizar o trabalhador, o que faz com que se tenha que defender a eficácia e a efetividade dos direitos fundamentais sociais. É o que ocorre com o direito ao trabalho, direito social protegido constitucionalmente (art. 6º, caput, da Constituição Federal de 1988). O que queremos: uma efetividade dos comandos constitucionais, não apenas uma carta de falsas promessas!


Notas e Referências: 

ALCKIMIN, Maria Aparecida. Assédio moral na relação de emprego. Curitiba: Juruá, 2005.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 12ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2002.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Organização do texto: Antonio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 31. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. - (Coleção Saraiva de legislação).

Comparato, Fábio Konder. Empresa e função social. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 85, n. 732, out. 1996.

FERREIRA, Hádassa Dolores Bonilha. Assédio moral nas relações de trabalho. 1ª ed. Campinas: Russel Editores, 2004.

GOES, Mauricio de Carvalho. A equiparação salarial como instrumento garantidor da isonomina nos contratos de emprego. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2009.

GOMES, Orlando. Direito do Trabalho. vol. I, 7. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1978.

GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988: interpretação e crítica. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

KEYNES, John Maynard. Teoria geral do emprego, do juro e da moeda. São Paulo: Atlas, 1992.

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2006.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. Trad. de Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2002.

RADBRUCH, Gustav. Introdução à Ciência do Direito. Trad. de Vera Barkow. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado,1998.

SILVA NETO, Manoel Jorge. Direitos fundamentais e o contrato de trabalho. São Paulo: LTr, 2005.


Rogrigo Galia

Rodrigo Wasem Galia é Doutorando e Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Professor da graduação e Pós-graduação em Direito. Autor de diversas obras jurídicas na temática de Direito do Trabalho e Constitucional do Trabalho. Palestrante. Advogado.

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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