Por Cândido Furtado Maia Neto – 17/08/2016
O Chafariz das Musas – alegoria com quatro musas, representando a música, a arte, a poesia e a ciência, peça que estava no Largo da Lapa, no centro da cidade do Rio de Janeiro, e o antigo portal da Academia Brasileira de Belas Artes; ambas as obras monumentais e de arquitetura histórica, hoje no Jardim Botânico, inspira este ensaio jurídico.
Também o quadro “Guernica”, de Pablo Picasso, pitado em Paris no ano de 1937, que leva o nome da cidade espanhola nos limites do país Vasco, que retrata o terror, a brutalidade e a crueldade da guerra civil espanhola iniciada em 1936, por um golpe militar liderado pelo general Francisco Franco, traz cores escuras, negras e cinzas, significando o bombardeio dos aviões enviados por Adolf Hitler em apoio ao Gen. Franco. Quando sua pintura integrou o pavilhão espanhol da Exposição Internacional de 1937, foi indagado por Otto Abetz, embaixador de Hitler, que lhe perguntou: “esta obra é sua”?; A resposta do pintor foi imediata, exclamando: “não, claro que não, é de vocês”!. Em outras palavras, disse: vocês são os criadores, os responsáveis, os protagonistas e os atores deste infeliz episódio, deste teatro desumano, são os verdadeiros autores e coautores intelectuais desta guerra que é um verdadeiro crime hediondo de lesa a humanidade.
Poderíamos dizer e fazer, hoje, uma comparação com atual estágio da práxis jurídica ante a criação e a aplicação da lei penal, muitas vezes de maneira incorreta, onde os profissionais do direito são os verdadeiros e únicos responsáveis, por não respeitarem a principiologia - a origem das coisas -, e por não efetivarem por completo – com resistências - o sistema acusatório democrático instalado desde 1988 no Brasil.
Expressa o art. 3º do Código de Processo Penal que o sistema autoriza o uso e a aplicação dos princípios gerais de direito, e da lei de maneira extensiva, ou seja, mais favorável ao réu, bem como a analogia “in bonam partem”, visto que as garantias judiciais – individuais da cidadania - são auto aplicáveis e prevalentes. O mencionado dispositivo deve ser interpretado à luz do Estado de Direito Constitucional, estabelecido na Carta Magna de 1988, e não nos ideais da norma infraconstitucional do Estado Novo no Brasil (Dec. lei nº 3.689/41 – Código de Processo Penal, nos termos da exposição de motivos baseada no Código Penal Rocco do fascismo italiano de Mussolini).
O Código de Processo Penal estabelece que em todo território brasileiro o processo penal reger-se-á pela norma adjetiva, ressalvado os Tratados e as Convenções de direito público internacional (art. 1.º, inc. i). Já decidiu o Pretório Excelso, na hipótese de conflito entre lei (ordinária) e tratado prevalece o Tratado (leia-se documentos internacionais de Direitos Humanos - STF, HC 58.272, DJU 3.4.81, p. 2854; HC 58.731, DJU 3.4.81 p. 2854).
Uma série de trabalhos artístico-abstratos de autoria de Hermelindo Fiaminglu foi apresentada na bienal de São Paulo, no ano de 1955, para aproximação ao grupo de artistas concretistas, como Valdemar Cordeiro, Mauricio Nogueira Lima, Décio Pignatari e outros. A arte concreta ingressou no Brasil no início dos anos 50, com a visita do artista suíço Max Bill, defendendo princípios puros que visam transformar o mundo através da reeducação estética do sujeito, para a melhor práxis social, política e humana; porque não jurídica.
Nesse sentido, propomos a aproximação construtiva entre o discurso e a práxis policial-forense, para a plena realização das garantias fundamentais da cidadania, em respeito integral ao devido processo legal, como idealiza Raúl Zaffaroni, e idealizou Alessandro Baratta em seu denominado Estado de Direitos Humanos, através dos princípios intra e extra-sistemáticos.
O direito na sua concepção mais perfeita constrói com Arte e Poesia a ordem jurídico-social. A norma sendo corretamente aplicada traz enormes benefícios àqueles que mais necessitam da prestação jurisdicional – os carentes, necessitados de assistência jurídica ou os vulneráveis do sistema -, como ideais de Justiça Penal pura e verdadeiramente justa, filosoficamente conceituada.
Norberto Bobbio (in “A filosofia jurídico-politica” trad. Bueno, Roberto, ed. Mackenzie, SP, 2006, e “O Positivismo Jurídico” Lições de Filosofia do Direito; ed. Ícone, São Paulo, 1995, e ), um dos maiores pensadores do século diz que devemos trabalhar com a ciência jurídica ou com a chamada teoria do direito, e não com a ideologia do direito – política -, para a aplicar princípios gerais na tarefa de interpretar a norma acolhendo cientificamente o método correto(grifei). Não pode haver desajustes entre a letra e o espírito da lei (mens legis), entre a vontade expressa e a vontade presumida do legislador (lex minus dixit quam voluit), para a devida e auto-integração, momento ativo e criativo do direito concreto. Ativo refere-se ao momento legislativo, já o criativo é a forma artístico-jurídica segundo o método científico – direito aplicado ou judiciário -.
Assim, o direito judiciário nada mais é do que a práxis forense contemporânea que vem ganhando força dia a dia através de uma jurisprudência ideológica – interessenjurisprudenz -, muitas vezes descompromissada com as garantias fundamentais constitucionais da cidadania, em desfavor da ciência e dos princípios gerais do direito democrático. Método utilizado para valorizar a jurisprudência passiva e mecânica, onde um erro cometido – no início - é sucessivamente adotado por outros, passando a converter-se em “verdade(s)”. Para agravar a situação temos os jargões a exemplo de “entendimento de 2º grau”, “decisão dos tribunais superiores”, “jurisprudência majoritária”, “jurisprudência dominante”, etc., acabando com a autonomia funcional, e com a livre criação de 1ª instância, destruindo de vez, a lógica, a razão e por fim a ética da imparcialidade e da aplicação retroativa da norma mais benéfica.
A interpretação do Direito tornou-se questão central no debate jurídico para os seus operadores. O Prof. Sergio Luiz Souza Araújo da UFMG, lembra Carnelutti “a sentença judicial é a lei mais perfeita que existe", pois ela não é geral, mas específica, não é impessoal, mas estabelece intuito personae, não é abstrata, mas trata de um caso concreto, e também recorda Hélio Tornaghi "a lei é indústria fabril que produz em série; o juiz é artesão, que faz cada obra de arte diversa das outras. O juiz tem que realizar o sonho do matemático e a aspiração do alquimista; a quadratura do círculo e a transformação dos outros metais em ouro. Impossível? E não obstante, deve! Tem que adequar a lei inflexível à flexibilidade dos fatos: transmudar a miséria dos metais humanos no ouro das soluções perfeitas." (in “A relação processual penal”, p.155)
E mais. “O tecnicista é um profissional despojado do sentimento humano com a vida e com a preocupação social, no sentido coletivo. Julgadores desse jaez costumam ser frios, assépticos, insensíveis, e fazem a letra da lei prevalecer sobre os critérios de Justiça. A maior virtude do expositor, do cientista, do escritor, não importa quão sábio seja, é se fazer facilmente compreendido por quem o ouve ou lê. Pouca ou nenhuma valia tem o conhecimento que não são transmitidos, disseminados, quando mais não sejam porque morrem com o próprio detentor do saber. O saber tem importante função prospectiva e social, que, nesse caso, também se esvai. A melhor maneira de expor ou ensinar é se fazer compreender. A clareza, a brevidade, a singeleza de estilo, que em alguns parecem um dom, não são virtudes fáceis de adquirir. Pressupõe aprendizado, persistência, esforço intelectual; é necessário que sejam exercitadas, cultivadas e praticadas” (Calheiro Bonfim, Benedito, in Consulex”, não I, n.2, maio-2002, DF).
Torna-se oportuno destacar Jerome Frank - juiz federal norte-americano -, ao fazer um paralelo entre a interpretação judicial e musical, destaca: "quando o juiz interpreta uma norma jurídica faz um trabalho similar ao de um pianista ou de um violinista quando interpreta uma partitura musical. Não existe dúvida de que o pianista ou o violinista cria algo quando interpreta uma obra musical qualquer. O mesmo ocorre, por exemplo, quando uma orquestra toca a sinfonia de Beethoven, e na execução se aporta algo distinto à partitura musical que se interpreta. E podemos chegar a ainda a dizer, que a música não existe realmente se não quando é interpretada; o direito não vive sua vida plena e autêntica, se não quando é interpretado; o juiz, por outro lado cria o direito concreto, interpretando construtivamente o sistema, isto é, sem poder ignorar o ordenamento jurídico, o músico também não pode ignorar a partitura, porém lhe é permitido a criação de novas notas musicais”. Se a musica é ciência, o direito é arte.
Ciência é amor e música, amor é justiça, solidariedade e fraternidade. Arte e ciência andam juntas. Sem Deus não há inspiração, não há arte, não há musica, não há poesia e não existe ciência penal; existe apenas o direito dos poderosos, abusos de autoridade, corrupção e impunidade.
Dizia Sócrates, o criador da filosofia universal: "Se músico é o que sabe música, pedreiro o que sabe edificar, justo será o que sabe a justiça".
Os Direitos Humanos podem ser compreendidos e explicados em prosas e versos, mas para tal desiderato devemos repugnar e repudiar a vingança pública, o ódio e o rancor, porque não fazem parte das virtudes do ser humano, da ciência, do amor e da justiça.
A história da repressão é a própria estória do direito penal, repleta de mitos, ficções e folclores, o mais lamentável é saber que o ensino das ciências criminais em alguns centros universitários, bancos acadêmicos e instituições públicas são reproduzidos de maneira deturpada, como se fossem verdades absolutas, reais e indiscutíveis.
Alguns operadores das ciências penais, que sofrerem de mitomania, daquela tendência mórbida de encobrir certas verdades, com “jogos de palavras”, através de artimanhas defendem teses ultrapassadas e criam terminologias jurídicas com discursos e expressões exageradamente falsas, colocando a técnica de lingüística versus e a frente da técnica jurídica.
Os artistas protagonistas-juristas precisam urgentemente se mobilizar em prol da cidadania, num compromisso com a sociedade em geral, porque os olhos da Deus(a) da Esperantia estão abertos em nome da almejada justiça criminal democrática (MAIA NETO, Cândido Furtado, in www.tribunadajustiça.com.br).
O direito penal precisa ser menos demagógico e menos populista, e seus operadores mais sinceros e mais conscientes; “...se o malandro soubesse que a grande malandragem é ser honesto, o malandro seria honesto só por malandragem...” (Jorge Benjor); “não deixe o samba morrer, não deixe o samba acabar...” (Alcione); “samba agoniza mais não morre...” (Beth Carvalho); e o bom direito também, agoniza mais não morre.
E o ex-ministro da Cultura do Brasil, também canta os Direitos Humanos, “anda com fé eu vo, a fé não costuma faia...” ; (Gilberto Gil).
Aplicar os Direitos Humanos é garantir a própria independência do magistrado e dos agentes do Ministério Público, a fim de lograrmos o devido processo legal e não a cidadania. Só através dos Direitos Humanos é que poderemos efetivar o Estado Democrático da República Federativa do Brasil, que tem como fundamento a dignidade da pessoa humana, a livre manifestação de pensamento, da atividade intelectual, artística e científica, sem qualquer espécie censura, constituindo o patrimônio cultural brasileiro pelas formas de expressão, modos de criar e fazer Justiça, “com poesia se vive eternamente” (Mario Quintana), com segurança e Paz.
“Que é que há, meu país ?
O que é que há ?
Tá faltando consciência
Tá sobrando paciência
Tá faltando alguém gritar
Feito trem desgovernado
Feito mal que não tem cura
Tão levando à loucura
O país que agente ama” (Roberta Miranda)
A arte e a ciência penitenciária trazem a Justiça e o Amor como máximas de Direitos Humanos, em prol da ressocialização dos internos e eternos artistas estigmatizados pela lei, pelo sistema prisional e pela sociedade em geral, onde carregaram por toda as suas vidas o titulo de ex-presidiário, mesmo que tentem a reintegração social, tenham se arrependido pelo ato realizado e ainda compreendido a aplicação da pena.
O artesão no seu mundo de inspiração divina protagoniza o “intra murus” o direito irrestrito da expressão cultural, com beleza, fé e esperança, na alegria e na tristeza, encontra paz e liberdade espiritual, pois a arte não aprisiona, por ser impossível encarcerar a beleza ou censurar a inspiração humana.
Ser responsável é viver com arte, direitos e deveres, solidária e fraternalmente, dom da criação e da virtude humana.
Na oficina de artes da vida na prisão, a liberdade de ir e vir resta reclusa, mas os ideais de Direitos Humanos nunca serão cerceados ou enclausurados.
A música está presente em todos os momentos da vida, é a própria origem e a criação do mundo e dos seres humanos. A música está intimamente ligada à vida, a religiosidade e a fé. A música é poema, é Amor e é Justiça.
O que é arte? É boa ou ruim?
Pode alguém decidir sobre a arte?
Sobre novos e velhos conceitos, definições ou concepções?
A jurisprudência é arte de interpretar a norma no caso concreto?
A arte é concreta ou abstrata?
Arte, direito e ideologia?
O direito é arte? No tempo e no espaço?
Criação artística ou normas jurídicas?
Cândido Furtado Maia Neto é Procurador de Justiça – Ministério Público do Estado do Paraná. Pós Doutor em Direito. Mestre em Ciências Penais e Criminológicas. Especialista em Direito Penal e Criminologia. Expert em Direitos Humanos (Consultor Internacional das Nações Unidas – Missão MINUGUA 1995-96). Professor Pesquisador e de Pós-Graduação. Docente para Cursos Avançados de Direitos Humanos e Prática de Justiça Criminal no Estado Democrático. Secretário de Justiça e Segurança Pública do Ministério da Justiça (1989/90). Membro da Associação Nacional de Direitos Humanos (Andhep) e da Sociedade Europeia de Criminologia. Condecorado com Menção Honrosa na V edição do Prêmio Innovare (2008). Cidadão Benemérito do Paraná (Lei nº 15.721/2007). Autor de inúmeros trabalhos jurídicos publicados no Brasil e no exterior. www.direitoshumanos.pro.br
Imagem Ilustrativa do Post: Going to the Independence war and saying goodbye // Foto de: Pedro Ribeiro Simões // Sem alterações
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