Multa por Matar ao Volante! “Geldstrafe für Todesfahrt!”

01/11/2019

Essa semana me deparei com um tema interessante e um tanto polêmico que está veiculando nos meios de comunicação germânicos, na esfera penal ou “Strafrecht”.

Tema este bem popular e comum em nossas sociedades, que se trata de dirigir sob a influência de álcool. Em terra brasilis a tolerância é zero = “null”, já em solo alemão é permitido “o caba tomá uns goles”(rsrs), esse limite pode chegar até 0,5g/l no sangue, desde que o motorista não esteja com carteira de habilitação provisória, entre 0,5-1,0g/l a sanção é multa e a partir de 1,1g/l é considerado crime.

Até aí tudo bem, mas o intrigante é que um acusado de ceifar a vida de outra pessoa, na cidade de Würzburg, conduzindo um veículo sob a influência alcoólica, foi condenado à uma multa de 5.000,00 euros (sic), segundo informações do site Online Focus, que apresentava o título me alemão: “Geldstrafe für Todesfahrt!”, ou seja, multa por matar ao volante.

A minha curiosidade de advogado com atuação em Tribunais do Júri no Brasil me instigou a perquirir sobre o assunto e desvendar qual o instituto jurídico foi empregado para o desfecho do caso.

Pois bem, no caso em tela o acusado conduzia seu veículo com uma taxa de álcool de 2,89g/l no sangue, o que é tipificado como crime, todavia o Código Penal Alemão (das Strafgesetztbuch) dispõe de dispositivos para avaliar a imputabilidade ou capacidade de discernimento do agente no momento do fato, dispositivo este, mais ou menos similar ao nosso artigo 26 do Código Penal Brasileiro (CP).

Porém com uma certa discrepância,  pois enquadra em seus artigos 20, 21 e demais (StGB) o alcoólatra, para possível atenuação da pena a ser empregada ou desclassificação do tipo penal, como ocorreu neste caso e que consequentemente gerou uma repugnância na opinião pública.

O magistrado responsável pelo caso não sentenciou com base no homicídio, mas somente pela embriaguez ao volante, pelo fato de o acusado ser alcoólatra e estar em estado de alteração psíquica durante o ocorrido, alegando a defesa a perda do governo de suas faculdades, destarte se enquadrando nos artigos supramencionados do “Strafgesetztbuch”, sendo assim declarado “schuldunfähig”, ou seja, incapaz de responder pelo delito cometido, o homicídio culposo.

Ao pronunciar sua decisão o juiz se desculpou à família pela perda lamentável de uma jovem de 20 anos e se direcionou ao público dizendo o seguinte: “Das Urteil ergehe im Namen des Volkes, aber das Volk muss schon ein paar Semester Jura studieren, um das zu verstehen, was ich heute geurteilt habe.” Tradução aproximada: A sentença é em nome do Estado, porém para o povo entender as razões do meu “decisum” de hoje, terá que estudar Direito por alguns semestres.

Resumo da ópera, apesar de talvez o magistrado não estar de acordo com o teor da lei vigente, aplica-a, pois não é competência do Estado-Juiz interpretar as leis conforme suas convicções, clamor social ou conveniência, sob pena de fomentar a insegurança jurídica e trazer o caos ao sistema jurídico, ou seja, as leis devem ser respeitadas e aplicadas pelos magistrados independente do seu ponto de vista, como diz a expressão em latim “dura lex sed lex”, a lei é dura (ou não), mas é a lei, e deve ser aplicada como tal ou alterada pelo poder competente.

Quero deixar aqui bem claro que não defendo nem apoio qualquer tipo de delito ou crime, mas sim a aplicação correta das leis, pois as regras e leis são mecanismos necessários para a imposição de limites de convivência que permeiam nossas sociedades, evitando assim o caos, a barbárie e o absolutismo do Estado.

Se o Estado-Juiz for aplicar a lei conforme seu ponto de vista ou interpretação, sempre haverá decisões divergentes.

E que esta reflexão de Direito comparado sirva como alerta para a sociedade brasileira. Todas as autoridades delegados, promotores, procuradores, juízes, políticos dentre outras, que violam o texto da lei cedendo ao clamor social ou suas paixões pessoais, quando se veem compelidos a responder a algum procedimento legal não abrem mão de forma alguma da letra da lei, muito pelo contrário, exigem as garantias e direitos fundamentais expressos na forma da lei.

Este foi o caso recente do Ex-Procurador Geral da República que teve seu porte de arma suspenso pelo STF, em um inquérito totalmente duvidoso iniciado na própria Corte, com fundamento em suposta cogitação de atentar contra a vida de um ministro, o que não é punível pelo sistema pátrio,  pois esta encontra-se na fase dos pensamentos e por mais repulsiva que venha ser, não se configura em crime, por estar no campo das ideias.

Este mesmo Ex-Chefe do MPF aplaudia as irregularidades de seus subalternos em operações “justiça a qualquer preço”, agora “bebe do próprio veneno” e se passa por injustiçado.

Este é o famoso e famigerado “Direito Penal do Inimigo”, ou seja, quando o direito de outrem é tolhido em favor do “pro societat” eu sou a favor, porém quando eu sou o prejudicado, exijo a aplicação legal do texto em sua inteireza sem interpretações divergentes, em termo popular: “pimenta no olho do outro é refresco!”

Portanto caros colegas a sugestão é nos pautar pela aplicação da lei sem tergiversação, como fez o douto magistrado no caso supramencionado, pois “pau  que bate em Francisco, bate também em Chico!”

 

Notas e Referências

ALEMANHA. Strafgesetzbuch, StGB. Disponível em:< https://www.gesetze-im-internet.de/stgb/>. Acesso em: 26 out. 2019.

BRASIL. Código Penal. Disponível< em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-i/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 26 out. 2019.

CLARISSA, Bussgeldkatalog 2019, „Schuldunfähigkeit bzw. Unzurechnungsfähigkeit bei Alkohol am Steuer“,Disponívelem:<https://www.bussgeldkatalog.org/unzurechnungsfaehigkeit-schuldunfaehigkeit/>. Acesso em 26 out. 2019.

Focus Online,  „Geldstrafe für Todesfahrt.“ Disponível em: < https://www.focus.de/panorama/welt/urteil-gefallen-fuhr-betrunken-20-jaehrige-tot-gericht-verurteilt-jugendlichen-zu-geldstrafe_id_11265328.html>. Acesso em: 26 out. 2019.

OLIVEIRA, mariana, O Globo, “Moraes suspende porte de arma de Janot e o proíbe de se aproximar de ministros do STF”. Disponível em:< https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/09/27/moraes-suspende-porte-de-arma-de-janot-e-o-proibe-de-se-aproximar-de-ministros-do-tf.ghtml>Acesso em 26 out. 2019

Goettinger-Tageblatt, Foto, Quelle:dpa. Disponível em: < https://www.goettinger-tageblatt.de/Die-Region/Northeim/Mit-Alkohol-am-Steuer-trotz-Fuehrerschein-auf-Probe>. Acesso em: 26 out. 2019.

 

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