Mulher e Ação Penal: Da discriminação machista sobre a mulher pobre ao empoderamento pela Lei Maria da Penha. Uma crítica a Magalhães Noronha

22/10/2015

Por André Nicolitt - 22/10/2015

O art. 225 do CP, na redação anterior à Lei 12.015/2009, previa que a ação penal nos crimes contra os costumes, no caso de vítima pobre, diversamente da privada reservada as vítimas ricas, seria pública condicionada à representação.

Com isso, a mulher pobre vítima de crimes sexuais, não possui autonomia que lhe assegurasse se afastar de um processo de revitimização, vez que não seria possível dispor da ação pela via da perempção ou perdão.

O mais grave e aterrador desse cenário é o que historicamente se constrói para justificar tal tratamento diferenciado, muito próprio da seletividade penal que muitas vezes só é criticada sobre o aspecto da criminalização.

Sobre o tema afirmava Magalhães Noronha que a previsão legal de ação penal pública para a vítima pobre inibe a POSSIBILIDADE DE TRAFICÂNCIA E TRANSAÇÕES VERGONHOSAS. O autor presume que as mulheres pobres seriam mais suscetíveis a negócios escusos envolvendo a persecução penal. Conclui o autor que A MISÉRIA SERIA, FREQUENTEMENTE, FATOR DECISIVO NO COMÉRCIO DA HONRA OU NA PERSEGUIÇÃO PARA FINS ILÍCITOS[1]. Neste ultimo aspecto, parece temer que mulheres pobres viessem deflagrar persecuções com objetivos escusos.

Com efeito, víamos na norma, e isto já ficou registrado na primeira edição de nosso Manual de Processo Penal nos idos de 2009, uma marca de inconstitucionalidade. Mas há que se falar mais que isso, a verdadeira intenção não era proteger a mulher e sim proteger os homens das mulheres pobres que “iniciariam perseguições com fins ilícitos”.

Felizmente a norma foi revogada pela Lei 12015/2009.

Considerando que a dignidade humana pressupõe autonomia (Kant), o empoderamento é diferente de tutela e pressupõe não a transferência decisória para alguém supostamente mais forte, mas sim a formação de circunstâncias que favoreçam a livre manifestação de desejos, sonhos e pensamentos, ou seja, a tomada de decisão. Neste quadro andou bem a Lei Maria da Penha ao colocar como direito da mulher vítima de violência doméstica a assistência da Defensoria Pública como instrumento de seu empoderamento.

Com efeito, no campo da afirmação do gênero feminino, perfilho o entendimento de que é necessário criar mecanismos de empoderamento da mulher para que ela seja dona de seu próprio destino e que tenha poder decisório sobre sua vida.


Notas e Referências: [1] NORONHA, Magalhães. Crônica de junho de 1959, Diário de São PauloIn TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 1. São Paulo, Saraiva, 2000, p. 373.
 

André Nicolitt é Mestre, Doutor em Direito pela Universidade Católica Portuguesa, professor da Universidade Federal Fluminense e da EMERJ, Juiz de direito – TJRJ.      

   
Imagem Ilustrativa do Post: Dark muscle woman // Foto de: Steven Depolo // Sem alterações Disponível em: https://www.flickr.com/photos/jumfer/8538274076/ Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/2.0/legalcode

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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