Por Harthyan Bruno Schuck de Medeiros - 28/05/2017
Orientador: Henrique Gualberto Bruggemann
Leia também a Parte 1
Segunda parte
Na primeira parte do trabalho se verificou que o STF sempre entendeu possível a análise da presença dos pressupostos constitucionais das medidas provisórias, mas que tem se autocontido; ou seja: poucas foram as vezes em que afirmou inexistir relevância ou urgência numa MP.
É importante verificar os motivos disso, principalmente com o atual Código Processo Civil, que dá grande importância para as decisões do Poder Judiciário.
Argumentos no sentido da presença dos pressupostos constitucionais.
Em primeiro lugar, segue uma coletânea de argumentos proferidos no sentido da existência de pressupostos constitucionais nas medidas provisórias.
Em um caso sobre a alteração das regras do seguro DPVAT, o Ministro Relator Gilmar Mendes citou a exposição de motivos do poder executivo para consignar que não havia “evidente abuso do poder de legislar por parte do Poder Executivo” [1]. O Tribunal por maioria, vencido apenas o Ministro Marco Aurélio, entendeu constitucional a MP, inclusive quanto aos pressupostos constitucionais. O Ministro vencido entendeu que não seria urgente MP para alterar “diploma [...] em vigor há mais de trinta anos [...]”[2], dentre outros motivos.
Quando analisaram uma MP sobre o PROUNI os Ministros Luiz Fux e Gilmar Mendes afirmaram que a questão era “prioridade”[3] [4]. O Ministro Marco Aurélio, único vencido, criticou o fato de o Poder Executivo ter “substituído” um projeto de lei com pedido de urgência em andamento no Congresso Nacional por uma Medida Provisória. Além disso, mencionou aspectos formais acerca de leis tributárias, mencionou sobre delegação, entre outros argumentos[5].
Na ADI 2588 a então Ministra Ellen Gracie, relatora, consignou que, por a MP tratar de combate à evasão fiscal, não estariam ausentes os pressupostos constitucionais[6]; na mesma ADI, o Ministro Ricardo Lewandowski simplesmente “não vislumbrou na espécie” situação excepcional que pudesse afastar os pressupostos constitucionais[7]. No caso, o Ministro Marco Aurélio entendeu que a matéria já estava “sedimentada”, dentre outras razões, para julgar inconstitucional a medida[8].
As próximas ações trataram da MP 2152/2001, que tinha como pano de fundo a Crise da Energia Elétrica. Nas ADIs 2473[9] e 2468[10] o Ministro Marco Aurélio acreditou “não haver dúvida quanto à [existência de] relevância e urgência”; na ADI 2468 o então Ministro Néri da Silveira, relator, mencionou que a MP fora baseada em relatórios técnicos[11]; e na medida cautelar da ADC 9, sobre o mesmo tema, a então Ministra Ellen Gracie afirmou que havia relevância e urgência porque “nenhum governo adotaria as medidas altamente impopulares, sem que a isso fosse compelido pela inapelibilidade dos fatos” e mencionou a seca que se prolongava e a consequente necessidade de medidas para poupança de energia[12].
Por fim, na ADC 11, que aumentou o prazo para embargos à execução, o então Ministro Cezar Peluso mencionou que a insuficiência da estrutura do Estado justificava a medida[13].
Argumentos no sentido da ausência de pressupostos constitucionais.
Adverte-se que nenhum dos argumentos abaixo foi determinante para a declaração de inconstitucionalidade de medidas provisórias, e que eles não foram levados em consideração em casos futuros. Além disso, em muitos casos os demais Ministros não rebateram as posições. Em resumo, os argumentos foram feitos caso a caso e não serviram de parâmetro para casos futuros.
MP e ato normativo vigente há muito tempo ou projeto de lei em trâmite. Dois argumentos já utilizados são o de que não há urgência em modificar ato normativo vigente há muito tempo e o de que não há urgência em MP quando já há projeto de lei em andamento. Votos e manifestações nesse sentido, por exemplo: Ministro Marco Aurélio na ADI 4350 (em conjunto com ARE 704.520 e a ADI 4627), ADI 1753 (MC)[14], ADI 3289 (em conjunto com a ADI 3290)[15] e ADI 3540[16]; então Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil nas ADIs 2527[17] e 2736[18]; Partido da Social Democracia Brasileira na ADI 3090[19]; os Ministros Maurício Correa (ADI 2527)[20] e Carlos Velloso (ADI 3289)[21]; Ministro Néri da Silveira (ADI 162)[22]. Registra-se que o próprio Ministro Marco Aurélio, na ADI 4029, entendeu ser urgente MP sobre alteração das atribuições do IBAMA, as quais já estavam vigentes há mais de 18 anos. Contudo, julgou inconstitucional por outros motivos.
Em sentido contrário, pode-se argumentar que algo pode ser urgente mesmo na pendência de projeto de lei; ou que a inércia do Poder Legislativo pode evidenciar a urgência da medida; ou ainda que fatores internos da administração, composição parlamentar, situações internacionais podem influenciar nos pressupostos constitucionais das MPs: ADI 162[23], Ministro Paulo Brossard; ADI 526[24], Ministro Sepúlveda Pertence; ADIs 3289 (em conjunto com a ADI 3290)[25], Ministro Gilmar Mendes.
De fato, ao se adotar esse posicionamento, somente poderiam ser objeto de medidas provisórias questões inéditas; no entanto, é possível que seja urgente uma nova abordagem para resolver um problema antigo, já regulado em lei, ou uma abordagem imediata para quebrar a inércia do Poder Legislativo em votar um projeto, por exemplo. Assim, o argumento em análise não parece ser uma boa máxima para futuros julgamentos de medidas provisórias.
Medida provisória e ausência de efeitos imediatos e possibilidade de regulamentação.
Nas ADIs 1753[26] e 1910[27], sobre ampliação do prazo para propositura de ação rescisória pela fazenda pública, o então Ministro Sepúlveda Pertence, relator, consignou que a medida provisória não poderia gerar efeitos concretos no momento de sua adoção; por esse motivo, segundo ele, não haveria urgência na MP. O STF reconheceu a inconstitucionalidade dessas medidas por vários motivos, mas essa argumentação só foi levantada pelo Ministro em questão.
Já na Medida Cautelar na ADI 2527 (sobre “transcendência” para o recurso de revista a ser regulamentada pelo TST) foram levantados esses dois argumentos pelos então Ministros Nelson Jobim[28] e Sepúlveda Pertence[29]. Segundo o primeiro, a medida não teria eficácia desde logo, razão pela qual não seria capaz de resolver o problema para o qual foi criada. De acordo com o segundo Ministro, a medida não teria “eficácia” para resolver o problema que a originou, pois dependeria de regulamentação; em outras palavras, “o caso não se resolve [resolveria] pela medida provisória”. A Medida Cautelar foi indeferida com o principal argumento da “sobrecarga de recursos no TST”.
Na ADI 4029 (sobre MP que criou o ICMBio) o então Ministro Cezar Peluso votou que nesse sentido[30] ao alegar que, se a criação da referida entidade fosse urgente “teria o instituto de, imediatamente, exercer essas atribuições [para as quais foi criado]”. No caso concreto foi criado um Instituto com as mesmas atribuições, ou com atribuições semelhantes, ao IBAMA e, ato contínuo, essa nova entidade firmou convênio para que o IBAMA continuasse fazendo o que sempre fez. O então Ministro foi o único a votar nesse sentido; os demais se valeram de argumentos como “a urgência em cuidar do meio ambiente” para julgar constitucional a medida.
Esses argumentos não vingaram. Para contrariá-los se alega que não se pode dizer que falta urgência para toda e qualquer MP pendente de regulamentação, que a existência de vacatio legis pode evidenciar a urgência, e que algumas medidas demandam tempo e precisam ser tomadas com antecedência: ADI 2527, Ministro Moreira Alves[31]; ADI 1647 (julgamento definitivo), Ministro Sepúlveda Pertence[32]; ADI 3090 (em conjunto com a ADI 3100), Ministro Gilmar Mendes[33]. Nessa última, por exemplo, o Ministro afirma que empreendimentos no setor elétrico envolvem planejamento, custos, e que, quando o administrador percebe alguma chance de pane futura, deve agir imediatamente, ainda que não haja nada excepcional no momento em que a medida é editada.
Vale ressaltar que a própria Constituição permite a adoção de MP em matéria tributária, a qual só vale após certo tempo (artigo 62, §2º).
Parte final
Verificou-se da pesquisa que a análise dos pressupostos constitucionais pelo Poder Judiciário é extremamente subjetiva; no entanto, o STF tem se autocontido nessa apreciação. Portanto, a continuidade dessa autocontenção do Poder Judiciário é dependente da subjetividade dos seus membros em ouvir os envolvidos e respeitar a coerência e integridade do ordenamento jurídico.
Da análise dos votos proferidos pelos Ministros se verificou que a análise se dá caso a caso; por vezes os Ministros aceitam os argumentos do Poder Executivo e do Poder Legislativo acerca da existência dos pressupostos constitucionais e os citam como fundamentos das decisões judiciais; outras vezes, contudo, acabam por dizer que a conversão em Lei da Medida Provisória não impede a análise da existência dos respectivos pressupostos. Ora, ao assim decidir o STF acaba por invalidar os entendimentos dos outros poderes acerca da existência dos pressupostos constitucionais.
Outros argumentos como “definitividade” das medidas, impossibilidade de alteração de diplomas normativos vigentes há muito tempo, impossibilidade de medida provisória sobre matérias que estão sendo discutidas no Congresso Nacional, são levantados vezes sim, vezes não; e não se tem notícia de que isso tenha sido utilizado como principal fundamento de alguma decisão do Supremo Tribunal Federal.
Assim, verifica-se que a apreciação judicial dos pressupostos constitucionais das medidas provisórias fica a bel prazer do julgador, pois a cada caso os julgadores decidem sem que haja preocupação de manter um padrão decisório.
Notas e Referências:
[1] ARE 704520, 23/10/2014, p. 10.
[2] ARE 704520, 23/10/2014, p. 22.
[3] ADI 3330, 03/05/2012, p. 72.
[4] ADI 3330, 03/05/2012, p. 98-99.
[5] ADI 3330, 03/05/2012. p. 65-69
[6] ADI 2588, 10/04/2013, p. 10.
[7] ADI 2588, 10/04/2013, p. 155.
[8] ADI 2588, 10/04/2013, p. 125-128.
[9] ADI 2473 MC, 13/09/2001, p. 26.
[10] ADI 2468 MC, 29/06/2001, p. 36.
[11] ADI 2468 MC, 29/06/2001, p. 19.
[12] ADC 9 MC, 26/08/2001, p. 42-43.
[13] ADC 11 MC, 28/03/2007, p. 5.
[14] ADI 1753 MC, 16/04/1998, p. 18.
[15] ADI 3289, 05/05/2005, p. 58
[16] ADI 3540 MC, 01/09/2005, p. 59.
[17] Petição inicial da ADI 2527 MC. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=1970076>, p. 6.
[18] ADI 2736, 08/09/2010, p. 2.
[19] Petição inicial na ADI 3090 MC. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=2190442>.
[20] ADI 2527 MC, 16/08/2007, p. 46.
[21] ADI 3289, 05/05/2005, p. 74.
[22] ADI 162 MC, 14/12/1989, p. 45.
[23] ADI 162 MC, 14/12/1989, p. 36.
[24] ADI 526 MC, 12/12/1991, p. 23.
[25] ADI 3289, 05/05/2005, p. 11.
[26] ADI 1753 MC, 16/04/1998, p. 9.
[27] ADI 1910 MC, 22/04/2004, p. 11.
[28] ADI 2527 MC, 16/08/2007, p. 33.
[29] ADI 2527 MC, 16/08/2007, p. 65.
[30] ADI 4029, 08/03/2012, p. 70.
[31] ADI 2527 MC, 16/08/2007, p. 34.
[32] ADI 1647, 02/12/1998, p. 32.
[33] ADI 3090 MC, 11/10/2006, p. 10.
Os dados foram obtidos mediante consulta ao “Portal da Legislação” do governo federal e ao site do Supremo Tribunal Federal e após foi feito cálculo aritmético.
. . Harthyan Bruno Schuck de Medeiros é Pós-graduando em nível de especialização - Direito Processual civil, bacharel em Direito pela UNIVALI e servidor público. . .
Este trabalho teve a orientação de:
. . Henrique Gualberto Bruggemann é Professor da Univali e Mestre em Direito pela UFSC. . . .
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