Lições Fundamentais de Direito Penal

30/05/2016

Por Leonardo Schmitt de Bem e João Paulo Orsini Martinelli – 30/05/2016

A obra que apresentamos ao público é um tanto pretensiosa. Nosso objetivo é levar aos estudantes de graduação e pós-graduação lições fundamentais que permitam uma visão crítica do Direito Penal, sem se limitar às técnicas concurseiras e repetidoras de julgados de nossos tribunais. Em síntese, pretendemos levar à sala de aula as discussões relevantes do Direito Penal para uma avaliação crítica e, quiçá, a formação de uma geração mais preocupada com os reflexos da criminalização e da sanção penal na sociedade, em especial quanto aos grupos sociais mais vulneráveis. O Direito Penal é, indiscutivelmente, o ramo mais repressor do Direito e o mais violento instrumento de controle social do Estado e, com efeito, seu estudo não pode ser resumido ao exame da OAB ou aos concursos públicos. Há muito mais além de provas objetivas e discursivas.

Na primeira parte tratamos dos princípios do Direito Penal, dos processos de criminalização e da lei penal. Entendemos essencial o estudo aprofundado das diretrizes de interpretação e compreensão das normas incriminadoras e permissivas, bem como da sua aplicação aos casos concretos, pois a devida reflexão demanda o estudo conjunto da teoria com a prática. A segunda parte é dedicada à teoria do delito, com o estudo da estrutura dogmática da tipicidade, da antijuridicidade e da culpabilidade. Nessa etapa, procuramos desenvolver uma abordagem ampla das teorias que explicam cada instituto jurídico que compõe o conceito de crime, sempre com uma vasta ilustração de casos da jurisprudência, incluindo decisões sustentadas na imputação objetiva. Na terceira parte, dedicamos grande espaço à teoria da pena, com foco especial no princípio do menor dano ao condenado em substituição às teorias preventivas como referencial ao estudo da sanção criminal. Sem desmerecer as teorias tradicionais, adotamos visão diferenciada na tentativa de coibir o uso exacerbado e irracional do poder punitivo.

Partimos do pressuposto de que o Direito Penal não pode ser visto como um simples ramo do Direito que criminaliza condutas e comina penas. Criar leis é algo relativamente fácil. No Direito Penal, basta que um fato lesivo promova a repercussão social, por meio da mídia, para o parlamento criar um novo crime ou recrudescer os que já existem. E quais os motivos para o Direito Penal ser tão utilizado sem o devido cuidado? Dentre outras, as razões são a maior repercussão entre a população (bandido bom é bandido morto!), a falsa sensação de que a lei penal resolve todos os problemas – em vez de atacá-los da raiz –, a ilusão de que a ameaça da pena é suficiente para coibir a prática de atos ilícitos, o desvio da atenção dos problemas reais – afinal, a lei penal é quase sempre dirigida aos marginalizados e ignora, em grande parte, os crimes mais graves praticados pelas autoridades.

A falsa aparência de solução para todos os problemas é relativamente aceitável entre os leigos, pois a grande mídia usa e abusa dos fatos criminosos em seus noticiários e seleciona aqueles de maior audiência. Os apresentadores também não colaboram para o senso crítica da população, pois o discurso é sempre o mesmo: “tem que dar paulada em bandido”! Os protagonistas dos noticiários são os criminosos pobres – a maioria, negros – e as autoridades continuam a ter o tratamento peculiar. Ou seja, os órgãos de comunicação apresentam da pior forma possível os criminosos da coluna policial e, ao mesmo tempo, são muito lenientes com os criminosos da coluna social. Esse discurso é inevitavelmente absorvido pela grande parcela da população que não é conduzida a uma reflexão – o que inclui a falta da autocrítica, isto é, “os outros erram, mas eu sou perfeito, sou uma pessoa de bem”.

Inaceitável, em qualquer escala, é a reprodução desse discurso nas salas de aula dos cursos de Direito. O acadêmico, desde o primeiro dia de aula, deve ser levado à reflexão do papel do Direito na e para a sociedade. Especificamente na disciplina de Direito Penal, o professor tem a obrigação de insistir na sua função estigmatizante e nos perigos da criminalização desenfreada, sem o mínimo de discussão. Entrar na sala de aula e começar a ler os artigos do Código Penal, com pequenos comentários a cada um deles, não é lecionar. Pior ainda é reproduzir o discurso da grande mídia no processo de formação dos futuros operadores do Direito que, nos contatos iniciais com a matéria, têm o professor como maior referencial. O acadêmico tem que ser capaz de ler o texto da lei e compreender seu real conteúdo, seu alcance e sua eficácia. Além disso, não deve se conformar com a lei escrita apenas porque é lei. Não raro, as leis penais carecem de legitimidade e são fundadas exclusivamente em questões políticas, o que viola todos os princípios fundamentais do Direito Penal. É preciso saber ler criticamente a lei penal.

Todos os alunos de graduação e pós-graduação em Direito devem saber o que podem ou não podem o legislador e o profissional do Direito. O poder de legislar não é ilimitado, assim como as atribuições do juiz, do delegado, do promotor ou do advogado. Igualmente, as decisões dos tribunais superiores também são passíveis de indagação. Não pode um estudante de Direito engolir uma decisão pelo único argumento de que decorre das penas de um Ministro de Tribunal Superior. Essas Cortes mudam constantemente seus juízos porque alguém questiona o posicionamento corrente e obriga os julgadores a uma nova análise. Tudo isso faz parte de um processo de leitura crítica das decisões e dos argumentos que são utilizados. Se assim não fosse, a jurisprudência permaneceria inerte, apesar das mudanças sociais.

A função do Direito Penal não é servir como “justiceiro” da sociedade e dos “homens de bem”. O Direito Penal tem a finalidade de proteger os bens jurídicos mais relevantes quando não houver outros meios mais eficazes para esse desiderato. Ademais, a pena criminal deve ser analisada sob o prisma do menor dano ao condenado. Enfim, o Direito Penal tem uma função, conquistada com muito esforço pela humanidade, de limitar o poder punitivo do Estado. Cada comportamento criminalizado é uma parcela da liberdade retirada da população, por isso o Estado não pode criar tipos penais à vontade do legislador. Esses limites são essenciais para preservar a liberdade individual e as características próprias de cada pessoa. Permitir um Direito Penal autoritário e expansivo significa tolerar a imposição de certos padrões morais e condutas homogêneas, conforme a vontade de quem exerce o poder.

Esperamos alcançar o objetivo proposto. Nossa ambição é nítida – proporcionar uma discussão em torno das questões fundamentais do Direito Penal. Não queremos que nossos leitores sejam simples repetidores de julgados e macetes de concursos. Entendemos que é fundamental a aprovação no exame da OAB ou dos concursos, até mesmo para o exercício da profissão, entretanto, a visão crítica e aberta do Direito Penal é mais importante. Ao sair da individualidade, quem ganha com operadores jurídicos capazes de enxergar os problemas reais é a sociedade. Para atingir nosso objetivo, contamos com a colaboração de todos, com críticas, sugestões, pontos de vista contrários e, quem sabe, até um elogio.


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. Leonardo Schmitt de Bem é Professor Adjunto de Direito Penal na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul. Doutor em Direito Penal pela Università degli Studi di Milano, Itália. Doutor em Direitos e Liberdades Fundamentais pela Universidad de Castilla-La Mancha, Espanha. Mestre em Direito Penal pela Universidade de Coimbra, Portugal. Autor do livro (entre outros): Direito Penal de Trânsito. 3ª ed. Saraiva, 2015, 541p.


João Paulo Orsini Martinelli. João Paulo Orsini Martinelli é Professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), Mestre e Doutor em Direito Penal (Universidade de São Paulo), Pós-Doutor em Direitos Humanos (Universidade de Coimbra), Advogado Criminalista, Coordenador-adjunto no IBCCRIM no Rio de Janeiro. .


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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