Licença Parental: Contribuições para o Mercado de Trabalho Feminino

01/07/2016

Por Juliana de Alano Scheffer e Luana Renostro Heinen - 01/07/2016

Para o homem, uma escada rolante para o sucesso profissional. Para a mulher, a ascensão se dá mediante escalada por uma escada simples, a qual ela deve conquistar com o peso do bebê que carrega nas costas e com as cargas que leva nas mãos. A imagem criada por Agata Hop, da Polônia, para o concurso sobre igualdade de gênero promovido pela ONU[1], não poderia ser mais adequada.

Consideradas como as principais responsáveis pelo cuidado com os filhos e pelas atividades domésticas, as mulheres pagam o preço não somente com o exercício da dupla jornada, mas também com diferenças salariais[2]e com menores chances de contratação quando concorrem com os homens no mercado de trabalho. Pode-se chegar a essa conclusão a partir de alguns dados sobre a situação das mulheres no mercado de trabalho, no Brasil.

As mulheres são maioria entre as pessoas desempregadas no Brasil. Segundo dados da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), entre as mulheres o índice de desemprego em 2014 foi de 22%, enquanto entre os homens esse índice estava em 15,4%[3]. Em 2015, elas continuaram sendo maioria entre as pessoas sem ocupação. Dados do IBGE apontam para uma taxa de desemprego de 9,6% entre as mulheres, no primeiro trimestre de 2015, já entre os homens, no mesmo período, o índice foi de 6,6%[4].

Um exemplo da preferência pela contratação de mão de obra masculina foi compartilhado recentemente pelas redes sociais. Em nota publicada no Jornal A Notícia, do ano de 2013, divulgava-se a existência de vagas de trabalho na cidade de Joinville[5]. O perfil ideal, segundo a nota, seriam “homens”.

Quando se agregam esses dados à distribuição desigual das atribuições domésticas e familiares, pode-se inferir que um dos pressupostos que embasa a preferência pelos homens no mercado de trabalho. Trata-se da premissa de que as mulheres são responsáveis pela casa e pelos filhos e, por isso, podem ter que faltar mais vezes ao trabalho ou, ainda, assumir menos compromissos no emprego em nome de mais tempo para se dedicar à família. Essa situação revela como a desigualdade nas relações domésticas afeta as mulheres no mercado de trabalho.

Neste contexto, juridicamente, como é possível aumentar a contribuição paterna e colaborar para a igualdade no mercado de trabalho?

A igualdade é um direito fundamental consagrado na Constituição. Por isso, o ordenamento infraconstitucional deve assegurar a igualdade perante a lei, além de fomentar a igualdade material. Propomos que a adoção da licença parental pode ser um mecanismo para forjar na sociedade brasileira a compreensão da necessária responsabilidade coletiva entre pais e mães e contribuir para a igualdade de gênero. Uma alteração na maneira de se organizar as relações de trabalho poderia conduzir também a uma mudança nas famílias brasileiras, com maior participação masculina e responsabilização do pai na atenção aos filhos. Como consequência de mais igualdade nas relações domésticas e familiares, por sua vez, poderíamos fomentar maior igualdade de gênero também no mercado de trabalho[6].

O que é a licença parental?

A Recomendação nº 165 da OIT, sobre trabalhadores e trabalhadoras com responsabilidades familiares de 1981, conceitua licença parental nos seguintes termos: “durante um período imediatamente posterior à licença maternidade, a mãe ou pai devem ter a possibilidade de obter uma licença (licença parental) sem perder seu emprego e conservando os direitos que dele derivam”.

Assim, o que a caracteriza é que sua concessão é posterior ao período da licença maternidade - essa conferida para a mãe logo após o nascimento do filho. A sua concessão tanto ao pai quanto à mãe possibilita que a licença parental se torne um instrumento para o compartilhamento de responsabilidades entre os casais – permitindo uma visão mais paritária de gênero.

A recomendação da OIT se coaduna com o entendimento de que a maternidade e a paternidade devem ser experiências vividas em cooperação e colaboração[7]. Percebe-se tal entendimento também na Convenção das Nações Unidas Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher, de 1979. De acordo com a convenção, para se alcançar uma completa igualdade entre homens e mulheres é necessária uma mudança nos papéis tradicionais de ambos na sociedade e na família. O Brasil ratificou esta convenção em 1984 (Decreto nº 89.460/1984), e seu protocolo facultativo em 2002 (Decreto nº 4.316/2002), normas vinculantes para nosso país, portanto.

As licenças maternidade e paternidade na legislação brasileira

As licenças maternidade e paternidade que existem na legislação brasileira ainda estão longe de consagrar a igualdade de gênero.

Os prazos são exíguos para o pai. Para a mãe são fornecidos 120 dias de licença (ou 180, dentro do Programa Empresa Cidadã, Lei 11.770/2008). Para o pai, são cinco os dias previstos constitucionalmente de licença, que, desde março de 2016, podem se estender a 20 dias, para empresas que adotam o já referido programa da Lei 11.770/2008.[8] Os pais  adotantes também possuem este direito.[9]

No entanto, a licença paternidade de 20 dias tem algumas peculiaridades que dificultam sua implementação de maneira ampla: o número de empresas efetivamente participantes do Programa Empresa Cidadã ainda é muito reduzido. De acordo com a Receita Federal, até agosto de 2015, das 175 mil empresas brasileiras que pagavam impostos com base no lucro real, menos de 19 mil estavam inscritas no Programa Empresa Cidadã[10]. Assim, atinge-se somente 11% do universo de empresas brasileiras que poderiam participar da iniciativa. Nesse sentido, o aumento de tempo para a licença-paternidade é um avanço, mas de aplicação prática ainda bastante limitada.

Diferentemente da licença parental, estas licenças não tem característica cooperativa: aplicam-se somente a mãe ou somente ao pai. O caráter cooperativo da licença parental pode torná-la um instrumento para fomentar a igualdade de gênero, na medida em que pai e mãe decidem conjuntamente e conforme as circunstâncias - que podem envolver desde questões financeiras a especificidades do trabalho de cada genitor - quem irá gozar da licença para se dedicar ao filho.

A licença parental em outros países

Diferentemente do Brasil, outros países já adotam a licença parental, sem distinguir pais ou mães pelo gênero.

A Suécia, de modo pioneiro, adota modelo de licença remunerada para ambos os pais, desde 1974, com o objetivo de induzir os pais a assumirem papel mais ativo na criação e educação dos filhos, bem como partilhar de forma mais equânime as tarefas domésticas[11].

Não por acaso, a Suécia está localizada em 4º lugar no Índice Global de Desigualdade de Gênero de 2015 do Fórum Econômico Mundial[12], enquanto o Brasil estava em 85º - posição pode ter sido afetada pela ausência de mulheres no atual governo interino do país[13]. Todos países que compõe o G-4 do Índice Global de Desigualdade, ou seja, os quatro países menos desiguais para homens e mulheres no mundo adotam a licença parental, além da Suécia (4º lugar), também a Islândia (1º lugar - o país menos desigual), a Noruega (2º lugar) e a Finlândia (3º lugar). Esses últimos países juntamente com a Dinamarca, adotaram a licença parental alguns anos após a Suécia.

Na década de 1990, legislações similares foram implantadas em países como a Áustria, Holanda, Japão e Austrália[14].

Portugal adota medidas neste sentido, desde 2009[15]. Pais e mães podem partilhar o tempo de licença após o nascimento do filho[16], sendo a duração inicial da licença de 120, 150 ou 180 dias consecutivos.

Na busca por igualdade de gênero, a licença parental pode ser um mecanismo para fomentar mudanças na situação marcadamente desigual entre homens e mulheres no Brasil. Enfatizar a cooperação e a responsabilização conjunta de pai e mãe pela educação dos filhos é fundamental para reduzir discriminações que ocorrem no mercado de trabalho em função do gênero. Assim, a licença parental é ferramenta para construção de uma única escada para o sucesso no mercado de trabalho, independente de gênero.


Notas e Referências:

[1] Concurso para promoção da igualdade de gênero realizado em 2015 em âmbito europeu, promovido pela ONU. A ilustração de Agata Hop ficou entre as semifinalistas. Disponível em: <http://beijing20.unwomen.org/en/get-involved/comic-competition/winners#semi>. Acesso em: 26 jun. 2016.

[2] Segundo dados do Relatório de Desenvolvimento Humano 2015 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), as mulheres ganham em média 24% menos do que os homens. Na América Latina e Caribe ganham 19% a menos do que os homens e não ocupam posições de chefia e direção. Cf. AQUINO, Yara. Mulheres ganham em média 24% menos que os homens, mostra relatório. Agência Brasil, Internacional, 14 dez. 2015. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/node/989820>. Acesso em 25 jun. 2016.

[3] ONU. No Brasil, desemprego afeta jovens, mulheres e profissionais com menos escolaridade, aponta CEPAL. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/no-brasil-desemprego-afeta-jovens-mulheres-e-profissionais-com-menos-escolaridade-aponta-cepal/. Acesso em 25 jun. 2016.

[4] UOL. Desemprego entre as mulheres é de 9,6%, diz IBGE; para os homens, é de 6,6%. São Paulo, 17 mai. 2015. Disponível em: <http://economia.uol.com.br/empregos-e-carreiras/noticias/redacao/2015/05/07/desemprego-entre-as-mulheres-e-de-96-maior-do-que-o-dos-homens-diz-ibge.htm>. Acesso em 25 jun. 2016.

[5] A matéria ainda acrescenta: “brancos, entre 35 e 45 anos de idade”, em clara discriminação racial. Cf. LOETZ, Cláudio. Empresas de Joinville têm 7 mil vagas em aberto, 17 out. 2013. Disponível em: <http://wp.clicrbs.com.br/loetz/2013/10/17/empresas-de-joinville-tem-7-mil-vagas-em-aberto/?topo=84,2,18,,,84>. Acesso em 25 jun. 2016.

[6] Defendemos no artigo a licença parental como um mecanismo para fomentar a igualdade de gênero, sem deixar de reconhecer sua importância para o desenvolvimento da criança e sua convivência com o pai e com a mãe, de maneira a forjar laços tão importantes para o desenvolvimento da personalidade. Enfatizamos, ainda, que a licença parental é um meio para reduzir as desigualdades que desfavorecem as mulheres no mercado de trabalho, no entanto, também entendemos que cabe lutar para que a licença parental que possa ser gozada pelos pais, homens, seja reconhecida não somente como um dever do pai para participar ativamente no desenvolvimento do filho, mas um direito de exercer a paternidade.

[7] GALVÃO. Dhuanne Sampaio. Licença Parental: Instrumento de Efetivação da Igualdade de Gênero no Âmbito Familiar e Trabalhista. [Trabalho de Conclusão de Curso, Universidade Federal de Santa Catarina, 2011], p. 21.

[8] Recentemente, a Lei 11.770/2008 sofreu alterações, através da Lei 13.257, de março de 2016. Há a previsão de ampliação da licença paternidade, de cinco para vinte dias – dentro do âmbito do Programa Empresa Cidadã. A lei se estende aos pais adotivos. Os servidores públicos federais regidos pela Lei 8.112/1990 também já estão contemplados (Decreto nº 8.737, de maio de 2016).

[9] De acordo com a redação da lei 12.010/2009 e pela alteração de março de 2016 na Lei 11.770, os adotantes também possuem os mesmos direitos de licenças paternidade e maternidade.

[10] TV JUSTIÇA. Programa Revista TST destaca regras sobre lei que amplia a licença-paternidade. Disponível em: < http://www.tst.jus.br/noticias/-/asset_publisher/89Dk/content/programa-revista-tst-destaca-regras-sobre-lei-que-amplia-a-licenca-paternidade> Acesso em: 29 mai. 2016

[11] FARIA, Carlos Aurélio Pimenta de. Entre marido e mulher, o estado mete a colher: reconfigurando a divisão do trabalho doméstico na Suécia. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 17, n. 48, Fevereiro/2002. ISSN 0102-6909. Disponível em: 41 http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69092002000100011&lng =en&nrm=iso. Acesso em: 25 jun. 2016

[12] BBC Brasil. Calculadora revela desigualdade de gênero no mundo; faça teste, 8 mar. 2016. Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/videos_e_fotos/2015/11/151118_100w_calculator_vj_2015>. Acesso em: 05 jun. 2016.

[13] A BBC Brasil solicitou ao Fórum Econômico Mundial que fosse recalculada a posição do Brasil após o Governo do Presidente Interino Michel Temer anunciar um governo sem mulheres, com isso caímos da 85º posição no ranking global para o 107º lugar, em um ranking com 145 países. A ausência de mulheres no governo incide sobre categoria “Empoderamento Político”. Cf. WENTZEL, Marina. Sem ministras, Brasil perde 22 posições em ranking de igualdade de gênero, BBC Brasil, 25 mai. 2016. Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/brasil-36355724>. Acesso em 25 jun. 2016.

[14] FARIA, Carlos Aurélio Pimenta de. op. cit.

[15] ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Nota 6 sobre Trabalho e Família- Licenças e Responsabilidades Familiares. Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic/gender/pub/br_nota_6_700_726.pdf>. Acesso em: 10 mai. 2016.

[16] COMISSÃO PARA IGUALDADE DO TRABALHO E EMPREGO. Perguntas Frequentes. Disponível em: <http://www.cite.gov.pt/pt/acite/perguntasfreqs.html>. Acesso em: 25 jun. 2016.


As autoras desse texto e as pesquisadoras do Grupo de "Direitos das Mulheres" agradecem a ilustradora Agata Hop que gentilmente nos permitiu ilustrar nossas ideias com sua arte. Os trabalhos de Agata Hop podem ser acessados em sua página: https://www.facebook.com/NoToHopHop


Juliana de Alano Scheffer. Juliana de Alano Scheffer é Graduanda em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina. Servidora Pública na UFSC. Pesquisadora do GT Direito do Trabalho do Projeto de Pesquisa e Extensão “Direito das Mulheres” - UFSC. . .


Luana Renostro Heinen. Luana Renostro Heinen é Doutora e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina, com doutorado sanduíche na Université Paris Ouest La Defense. Atualmente é professora no Curso de Especialização em Direito do Trabalho da Associação dos Magistrados do Trabalho da 12ª Região. Pesquisadora do GT Direito do Trabalho do Projeto de Pesquisa e Extensão “Direito das Mulheres” - UFSC.


Imagem Ilustrativa do Post de Agata Hop // Sem alterações

Disponível em: https://www.facebook.com/NoToHopHop


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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