Liberdade como fonte conceptiva liberal

09/06/2017

Por Maurício Fontana Filho e Felipe Halfen Noll - 09/06/2017

Se os fins em meio aos entraves notórios ao tempo da criação do liberalismo eram a defesa da liberdade religiosa e de um governo constitucional, com o avanço do tempo, o termo sofreu mutação constante, isso em razão, principalmente, da divergência conceitual de liberdade (MERQUIOR, 2014).

Desta maneira, o conceito de o que é ser livre dita as regras doutrinárias, assim como o fez em John Locke (2012), ao demandar de si feroz argumentação visando combater o absolutismo, e sobre Friedrich August Von Hayek (1994), o qual teve de se adaptar às questões de mercado. Tempos, circunstâncias e fatores distintos motivam a evolução do conceito do político.

Se para os antigos a liberdade remetia ao usufruto do exercício político, para os modernos significa independência do indivíduo ao governo. O primeiro primava com afinco à liberdade política, enquanto que o segundo deseja liberdade civil, isso se deu porque com o crescimento das sociedades o poder dos eleitores se restringiu, enquanto que a faculdade sobre suas próprias vidas individuais se elevou, o que promoveu um culto ao eu ao invés de um culto ao nós. Formar seu eu, seja o formal ou o material, tornou-se um símbolo de existência, enquanto que o fomento ao nós tornou-se dispensável (CONSTANT, 2007).

Frank Karsten e Karel Beckman (2013), assim como Ken Schoolland e Janette Eldridge (2004) expõem um conceito de liberdade como sendo a ausência de necessidade de se agir de determinada maneira, isto é, se sou coagido objetiva ou subjetivamente, terei minha liberdade restringida pela necessidade que me impele e me evoca ação. Liberdade significa o poder de agir como nos aprouver; significa poder decidir por si mesmo. As pessoas são livres apenas na medida em que podem fazer suas próprias escolhas até mesmo quando 99% das restantes discordam.

São Bernardo de Claraval (2013) e Arthur Schopenhauer (2012) tomam a liberdade como uma ausência de necessidade, de maneira a que o homem só será realmente livre quando detiver escolhas materiais circundantes a si. O conceito de liberdade se encontra atrelado ao de necessidade, portanto, para se determinar o que é liberdade, devemos determinar, primeiramente, tudo aquilo que podemos viver sem. A liberdade pode ser considerada a ausência de necessidade, isso porque se sou refém de meus desejos, serei, como corolário, escravo deles.

Karl Jaspers (2013) propõe que da liberdade derivam duas concepções: material e imaterial. A primeira possui conceito similar à proposta de Benjamin Constant (2007), isto é, a liberdade material remete à liberdade não ser algo externo, mas inerente a todo homem, assim, somos homens apenas na medida em que desfrutamos de nossa liberdade natural, do contrário seremos escravos.

A liberdade imaterial, por outro lado, se refere à transcendência, o que significa dizer que o homem só terá consciência de ser livre quando se informar, refletir e, como resultado a isso, superar os liames que o prendem aos ditames de seu meio e de seu tempo (JASPERS, 2013).

Tanto Roger Scruton (2015) quanto Philippe Kourilsky (2013) associam a liberdade à responsabilidade, portanto, na medida em que somos livres, teremos, em decorrência, que prestar contas de nossas parcelas de liberdade utilizadas. Isso porque a liberdade tem seu exercício no eu, mas se materializa realmente no nós, afinal, uma vida em sociedade não é uma vida em isolamento.

A liberdade é um direito inexoravelmente atrelado ao dever de altruidade, ou seja, para ser livre devo prestar contas subjetivamente àqueles com os quais convivo no mesmo meio. A liberdade remete à responsabilidade individual, enquanto que o dever de altruidade remete a uma concepção de justiça social facultativa (KOURILSKY, 2013).

Segundo Luigi Ferrajoli (2014) nós somos livres apenas na medida em que sua concepção de direitos fundamentais - vida, liberdade e sobrevivência - é respeitada. Somos escravos, pelo contrário, na medida em que sua concepção de poder, isto é, o mercado, a família, as maiorias e o Estado são capazes de se sobrepor às normas fundamentais. Quando a esfera do decidível é transcendida, isto é, quando o Estado decide legislar sobre aquilo que não lhe cabe, haverá servidão.

Para Locke (2012) nós somos livres na medida em que sua concepção de direitos fundamentais – vida, liberdade e bens – é respeitada. No momento em que o Estado transcende essas limitações, não há liberdade, mas tirania. A liberdade consiste em não estar submetido a nenhum outro poder senão aquele que for estabelecido pelo consentimento e sob as formas da lei natural.

A liberdade não compreende que cada um faça o que quiser, mas sim dispor e ordenar como quiser a sua pessoa, as suas posses e a sua vida dentro dos limites impostos pela lei à qual está sujeito, e desse modo não estar submetido à vontade arbitrária de outrem, mas poder seguir livremente a sua própria vontade. Sem a lei subjetiva dos direitos naturais e a lei objetiva da autoridade, que complementa os direitos naturais, não há liberdade (LOCKE, 2012).

Para Thomas Hobbes (2014) a liberdade é a ausência de empecilhos externos que subtraiam o poder de cada um agir como bem entender, o que significa dizer que liberdade é mobilidade; trata-se de mover-se com autonomia. A liberdade deriva da lei, afinal, através do império de violência o soberano traz segurança aos seus cidadãos, permitindo que não se sobreponha a eles mortes cruéis e violentas.

Jean-Jacques Rousseau (2014) conceitua a liberdade como sendo a emanação da vontade geral, o que significa dizer que na adesão ao contrato social - as regras do jogo - acerca da vida em sociedade, se aceita, de igual maneira, à sobreposição do bem comum ao particular. Em outras palavras, àquele que optar por um caminho divergente do preestabelecido pela vontade geral, deverá ser forçado a aderi-la, ou seja, será coagido a ser livre segundo a concepção de liberdade estipulada como benéfica ao bem comum. Liberdade é submissão às regras do jogo e ao poderio que se encontra na abstração conceitual de vontade geral.

De acordo com Constant (2007, p.51) o homem é tão livre quanto é seu usufruto de seus direitos individuais, sendo a liberdade política uma garantia a essa liberdade. “Ela [a liberdade] consiste tão-somente naquilo que os indivíduos têm o direito de fazer e a sociedade não tem o direito de impedir.” Não há outra opção a não ser desejar a liberdade, isso porque do contrário seria o mesmo que amar a humilhação, o sofrimento, a privação e a pobreza.

Norberto Bobbio (2011, p.131) diferencia liberdade potencial de liberdade efetiva dizendo que “[...] uma coisa é usufruir em abstrato todas as liberdade usufruídas pelos demais, outra coisa é usufruir cada liberdade de modo igual a todos os demais.” Isto é, a primeira comporta a possibilidade de ação, dadas as circunstâncias propícias para o ato, enquanto que a segunda circunda a ideia não teórica, como a primeira, mas prática: se o homem possuir meios poderá executar a ação.

Em outras palavras, a primeira liberdade pode tomar a forma da ideia de que todas as pessoas podem sobreviver a um inverno rigoroso, enquanto que a segunda remete a que apenas aquelas que possuírem agasalhos, moradias e recursos financeiros poderão de fato sobreviver. Todos nós podemos comprar carros milionários, mas quantos de nós possuímos os recursos para tanto? (BOBBIO, 2011).

A liberdade potencial é oferecida pelas doutrinas Libertárias, enquanto que a liberdade efetiva, a qual age em detrimento da primeira quando imposta através de intervenção do Estado, é defendida por doutrinas liberal-socialistas. No libertarianismo, todos os homens são livres em potencial, mas alguns homens são mais livres efetivamente do que outros por possuírem meios ávidos a tornarem suas liberdades abstratas materializadas (BOBBIO, 2011).

O conceito de liberdade, assim como os fatores que circundam o meio político motivam a mutação do liberalismo, concedendo variações de importância para tudo aquilo tido no tempo como viável, necessário, aprazível ou desgostoso. São os conflitos, e não a inventividade individual advinda espontaneamente, que evocam mudanças no político.


Notas e Referências:

BOBBIO, Norberto. Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política. 3.ed. São Paulo: Unesp, 2011.

CLARAVAL. São Bernardo de. Opúsculo sobre o livre-arbítrio. São Paulo: Ecclesiae, 2013.

CONSTANT, Benjamin. Princípios de política aplicáveis a todos os governos. Rio de Janeiro: Liberty Fund e Top Books, 2007.

FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do Garantismo penal. Quinta Parte. 4.ed. São Paulo: Revista dos tribunais, 2014, p.785-872.

HAYEK, Friedrich August Von. O caminho da servidão. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército e Instituto Liberal, 1994.

HOBBES, Thomas. Leviatã ou a matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil. 3.ed. São Paulo: Ícone, 2014.

JASPERS, Karl. Introdução ao pensamento filosófico. São Paulo: Cultrix, 2013.

KARSTEN, Frank; BECKMAN, Karel. Além da democracia. São Paulo: Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 2013.

KOURILSKY, Philippe. O manifesto do altruísmo: questionamentos políticos, sociais e filosóficos sobre o individualismo e a necessidade do coletivo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013

LOCKE, John. Dois tratados do Governo Civil. Lisboa: Edições 70, 2012.

MERQUIOR, José Guilherme. O liberalismo: antigo e moderno. 3.ed. São Paulo: É Realizações, 2014.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. São Paulo: Hunter, 2014.

SCHOOLLAND, Ken; ELDRIDGE, Janette. The adventures of Jonathan Gullible: a free Market odyssey. South Africa: Cape Town, 2004.

SCHOPENHAUER, Arthur. O livre-arbítrio. Rio de Janeiro: Saraiva de bolso e Nova Fronteira, 2012.

SCRUTON, Roger. As vantagens do pessimismo: e o perigo da falsa esperança. São Paulo: É Realizações, 2015.


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Maurício Fontana Filho. Maurício Fontana Filho é acadêmico do Curso de Direito da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, RS e bolsista Fapergs no projeto de pesquisa “Direito e Economia às Vestes do Constitucionalismo Garantista”, coordenado pelo Prof. Dr. Alfredo Copetti Neto. .


Felipe Halfen Noll. Felipe Halfen Noll é acadêmico do Curso de Direito da UNIJUÍ-RS e bolsista voluntário no projeto de pesquisa “Direito e Economia às Vestes do Constitucionalismo Garantista”, coordenado pelo Prof. Dr. Alfredo Copetti Neto. . .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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