Por Elpídio Paiva Luz Segundo – 27/05/2016
Em 2000, ingressei no Curso de Direito da PUC-Minas. Tinha dezenove anos de idade, e, recém-chegado a Belo Horizonte, trazia muitos sonhos na bagagem.
Recordo-me, como se fosse hoje. A primeira aula do Curso foi com a Professora Maria Cristina Seixas Vilani, docente de Ciência Política e autora de uma importante obra intitulada “Origens medievais da democracia moderna”, publicada pela editora inédita, da capital mineira. Àquele tempo, tudo era novo. O campus. As aulas. Os colegas, ainda desconhecidos. A linguagem. Grande também era a expectativa.
No horário seguinte, entra em sala de aula o Professor Patrus Ananias de Sousa, docente de “Introdução ao Estudo do Direito”. Presidente do Instituto Jacques Maritain, católico, e de orientação neotomista, que seguira os passos de Edgar de Godói da Mata Machado, seu antigo mestre, regente de “Introdução ao Estudo do Direito” na Faculdade Livre de Direito da UFMG.
Patrus Ananias de Sousa é de todos (re)conhecido. Além de homem público, é um acadêmico, com várias obras publicadas, ocupante da cadeira 39 (trinta e nove) da Academia Mineira de Letras, para a qual foi escolhido em 1996, na sucessão de Edgar da Mata Machado.
Naqueles idos, adquiri duas obras que preservo como relíquias: a) “Elementos de teoria geral do direito: introdução ao estudo do direito”; b) “Contribuição ao personalismo jurídico”.
Nesses difíceis tempos em que se vive hoje, um Mata Machado faz falta. Nascido em Diamantina, Minas Gerais, formou-se em Direito, em 1939. Lecionou no Colégio Santa Maria e nas Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras da PUC-Minas e da UFMG. Foi jornalista, deputado, senador e membro da Academia Mineira de Letras. Faleceu em 1995.
Seu livro, “Elementos de teoria geral do direito”, circulou, inicialmente, em apostilas datilografadas, coligidas pelo professor em livro, organizado em três partes, quais sejam: a) “noções preliminares”; b) “fundamentos doutrinários ou, o direito ensinado”; c) “o direito como regra e como direito subjetivo”.[1]
A posição de Mata Machado pode ser compreendida a partir de duas ideias-chave: o conceito de direito e o sujeito de direitos, de feição neotomista. Ele concebia a coerção como aspecto casual, dispensável do direito e não como o cerne da ordem jurídica.
Em trecho lapidar, acerca do direito natural/positivo, Mata Machado[2] ensina:
De Grotius a Thomasius e a Kant, o direito natural, antes referido a Deus, autor da natureza, e à natureza humana, com todas as notas que entram em sua compreensão, acaba insulado no segredo interior da conduta moral, enquanto o direito positivo vai abrindo caminho em direção à completa secularização, cujo fruto é o relativismo jurídico de que o Estado totalitário contemporâneo se servirá para impor à conduta social as regras, limitações e opressões inspiradas e estimuladas pelas diferentes ideologias de que se reveste.
Aqui está. Um texto de teoria do direito, escrito há mais de quarenta anos (a primeira edição do livro é de 1972), fala do risco do relativismo jurídico, tão banalizado no debate público e pelos juristas nos dias que correm. O relativismo jurídico é um dos ovos da serpente, que, se não for controlado epistemicamente[3], pode originar o princípio do caos, ou, para empregar uma expressão arendtiana, “a banalidade do mal”.
Já a obra “Contribuição ao personalismo jurídico” foi redigida em 1953, cinco anos após a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, e tem a noção de pessoa como o pressuposto de sua reflexão com base em uma visão tomística-maritainana, que reconhece não só os direitos civis e políticos, mas também sociais, econômicos e culturais. Para o mineiro, o homem como sujeito de direitos fundamentais não é o abstrato, das formulações contratualistas, mas o homem-pessoa-concreta[4] e da dignidade como autonomia[5]. No texto, convoca os juristas a edificarem uma teoria jurídica que ultrapasse as justificativas positivistas comuns à ciência, de modo a repensar a sociedade liberal-individualista e as de tipo coletivista, para vivificar a desenvolução das potencialidades, das vocações individuais e coletivas[6]. Esse é, nas palavras de Mata Machado, o desafio do personalismo jurídico[7], que contribuiu para a elaboração de uma fundamentação ética dos direitos humanos.
Trata-se de um problema hodierno que se constitui como vórtice que liga a Ciência do Direito, a Filosofia do Direito e a Hermenêutica Jurídica. Por tudo isso, Mata Machado merece ser revisitado.
Notas e Referências:
[1] SALGADO, Joaquim Carlos. Prefácio. In: MACHADO, Edgar de Godói da Mata. Elementos de Teoria Geral do Direito: introdução ao direito. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1995.
[2] MACHADO, Edgar de Godói da Mata. Elementos de Teoria Geral do Direito: introdução ao direito. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1995, p. 88.
[3] STRECK, Lênio Luiz. Existe montinho artilheiro epistêmico na teoria da decisão jurídica? Disponível em: http://www.conjur.com.br/2016-fev-18/senso-incomum-existe-montinho-artilheiro-epistemico-teoria-decisao-juridica . Acesso em 26 mai. 2016.
[4] AFONSO, Elza Maria Miranda. Prefácio. In: MACHADO, Edgar de Godói da Mata. Contribuição ao personalismo jurídico. Belo Horizonte: Del Rey, 2000.
[5] Op. cit., p. 100.
[6] SOUSA, Patrus Ananias de. Contribuição ao personalismo jurídico. In: MACHADO, Edgar de Godói da Mata. Contribuição ao personalismo jurídico. Belo Horizonte: Del Rey, 2000.
[7] Op. cit., p. 239 – 240.
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