Juízes Esculpidos em Carrara -  Escrito em homenagem aos Juízes Rubens Casara e Marcos Peixoto

26/03/2017

Por André Nicolitt – 26/03/2017

“As senteças absolutórias (...). Elas honram a magistratura e reforçam a fé nas sentenças condenatórias; ... consolidam nos cidadãos a opinião da própria segurança”.

Carrara

A expressão “esculpido em Carrara”, de modo geral, busca ilustrar a expressão máxima da semelhança decorrente de uma obra elaborada em material nobre como o mármore de Carrara. Na expressão popular, o terno não teve sua fonética bem compreendida e, no vocabulário vulgar decorrente da falta de alcance, foi substituído pela expressão “cuspido e escarrado”.

A utilização proposital da expressão neste ensaio tem por escopo realçar a semelhança entre Francesco Carrara, considerado por muitos o maior penalista de todos os tempos, e os dois juízes homenageados, Rubens Casara[1] e Marcos Peixoto[2], destacando o que eles, e tantos outros com perfil semelhante, representam para o sistema de justiça criminal. Ademais, pretende também assinalar certa incompreensão, por vezes, de suas decisões, que tal qual a expressão que se transmuda para “cuspido e escarrado”, são lidas como verdadeiros escândalos.

Lauzé di Peret[3] afirma que basta ao corpo social que “os culpados sejam geralmente punidos, pois é seu maior interesse que “todos os inocentes” sejam, “sem exceção”, protegidos. Para Ferrajoli[4] este é um princípio de civilidade, fruto de uma opção democrática em favor da imunidade dos inocentes. Carrara, ao discorrer sobre esta opção em seu programa de direito criminal, afirma contra quem “grita” ao “escândalo político” de cada absolvição que deixa impune um delito que: “Escândalo verdadeiro seria ver os tribunais condenando sempre; e juízes que, absolvendo, parecessem estar cometendo um pecado”.

Assim, por vezes, são vistos nossos homenageados e tantos outros magistrados: como pecadores. Sobre os Tribunais, diz Carrara que escândalo seria se eles diante de sentenças absolutórias, “estremecessem como por febre, e suspirassem como por infortúnio ao confirmar a absolvição, sem tremer, ou suspirar ao condenar, esperando desta forma maior compreensão da Corte pelas sentenças absolutórias.

Para Carrara este cenário sim constitui:

“Escândalo verdadeiro, pois que com isso criaria profundas raízes no povo a ideia segundo a qual os juízes criminais se sentam em suas mesas para condenar e não para administrar a justiça imparcial. Isso destruiria toda a confiança na justiça humana, fazendo reconhecer como razão da condenação não o fato de ser comprovadamente culpado, mas o ser acusado. As sentenças absolutórias são a confirmação do contrário. Elas honram a magistratura e reforçam a fé nas sentenças condenatórias; ...consolidam nos cidadãos a opinião da própria segurança”[5].  

Não se destacam, os homenageados, apenas pelo dom de bem julgar, mas também por bem conduzir o processo. E nesta quadra manejam com destreza constitucional a prisão provisória, sem destoar de Carrara, para quem a prisão preventiva não é tolerável, salvo nos delitos graves, tratando por “tortura mascarada”[6] a prisão preventiva dirigida à obtenção da confissão, e por que não da delação?

Por inúmeras passagens como estas, Carrara ficou conhecido como o grande nome da chamada Escola Clássica do direito penal que sofreu os ataques das escolas positivista e técnico jurídica, dando, esta última, esteio ao sistema penal fascista da Itália no início do século XX.

De igual maneira, as ideias dos ora homenageados, são as luzes que enfrentam as trevas do autoritarismo que redescobre o Brasil nos dias atuais.

Oxalá tenhamos engrossadas as fileiras de juízes esculpidos em Carrara (ou em Casara), que tenhamos mais juristas lendo Carrara (e Casara) e se inspirando em Carrara.


Notas e Referências:

[1] RUBENS ROBERTO REBELLO CASARA. Juiz de Direito do TJRJ, titular da 43ª Vara Criminal da Capital. Ademais, o homenageado é mestre e doutor em direito, sendo autor de inúmeras obras de referência em processo penal.

[2] MARCOS AUGUSTO RAMOS PEIXOTO, Juiz de Direito do TJRJ, titular da 37ª Vara Criminal da Capital, autor de inúmeros artigos jurídicos.

[3] Trattato dela garanzia individuale, p. 39.

[4] Ferrajoli, Direito e Razão, p. 506.

[5] Carrara, Programma. Parte Generale, p. 276-277.

[6] Carrara, Programma. Parte Generale, p. 395.


André Nicolitt PNG. André Nicolitt é Juiz de Direito do TJRJ. Doutor em Direito – Universidade Católica Portuguesa – Lisboa. Professor do Mestrado em Direito da Faculdade Guanambi – BA. Professor de Processo Penal da Faculdade de Direito da UFF. Autor do Manual de Processo Penal, Revista dos Tribunais.. .


Imagem Ilustrativa do Post: Sculpted Wood // Foto de: Sonny Abesamis // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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