(Ir)responsabilidade da administração pública por encargos trabalhistas não pagos por empresa terceirizada: uma análise da recente decisão do STF

03/05/2017

Por Érica Veríssimo Martins - 03/05/2017

No último dia 30 de março, quinta-feira, o Supremo tribunal Federal, julgou tema de repercussão geral envolvendo a discussão quanto a possibilidade de responsabilização da administração pública por débitos trabalhistas não pagos ao trabalhador por empresas terceirizadas contratadas por ente públicos.

A Corte Suprema decidiu, por maioria de votos, que a administração pública não pode ser responsabilizada, pelo pagamento de encargos trabalhistas inadimplidos pela empresa por ela contratada.

A ministra Rosa Weber apresentou voto no sentido de que cabe à administração pública comprovar que fiscalizou devidamente o cumprimento do contrato. Para ela, não se pode exigir dos terceirizados o ônus de provar o descumprimento desse dever legal por parte da administração pública, beneficiada diretamente pela força de trabalho. Para ela, deveria haver prova inequívoca de conduta omissiva ou comissiva na fiscalização dos contratos por parte do ente público.

Em verdade, ao que nos parece, o voto da relatora acompanharia o entendimento já sedimentado na súmula 331, V do TST:

Súmula 331 do TST

(...)

V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.

O Min. Luiz Fux apresentou voto divergente sob o fundamento de que a Lei 9.032/1995, que incluiu o parágrafo 2º ao artigo 71 da Lei de Licitações, traz em seu bojo a responsabilidade solidária do Poder Público sobre os encargos previdenciários, não tendo qualquer previsão quanto a responsabilidade por encargos trabalhistas, o que, ao seu ver, traduz a vontade do legislador de eximir a administração pública do pagamento destes encargos.

Até a última sessão do STF onde se tratou do tema, a votação estava empatada em 5 votos a favor e 5 contra. O recém chegado ministro, Alexandre Moraes, acompanhou o voto divergente apresentado pelo Min. Luiz Fux, desempatado a votação.

Moraes, destacou que o “artigo 71, parágrafo 1º da Lei de Licitações (Lei 8.666/1993) é “mais do que claro” ao exonerar o Poder Público da responsabilidade do pagamento das verbas trabalhistas por inadimplência da empresa prestadora de serviços.” Afirmou, ainda, que a  “A consolidação da responsabilidade do estado pelos débitos trabalhistas de terceiro apresentaria risco de desestímulo de colaboração da iniciativa privada com a administração pública, estratégia fundamental para a modernização do Estado”.

Em outro trecho, o Min. Alexandre Moraes afirma não ser possível verificar a culpa do ente público quanto ao inadimplemento dos encargos trabalhistas. Discordamos (com veemência)!

O art. 27, IV da Lei 8.666/93 prevê, dentre os requisitos para habilitação nas licitações, documentos relativos à regularidade fiscal e trabalhista, cuja especificação dos documentos hábeis a referida comprovação está elencada no art. 29 da mesma lei.

Não se pode crer que a exigência de cumprimento do requisito de regularidade supra mencionado seja exigido tão somente na habilitação, devendo a idoneidade da empresa ser mantida durante toda a execução do contrato, de forma que cabe a administração pública fiscalizar não só o cumprimento do objeto do contrato, mas as condições da empresa contratada de manter esta condição junto a administração pública.

Imperioso lembrar que a própria lei de licitações (8.666/93), fundamento do voto de divergência, prevê o dever de fiscalização pelo ente público em seu artigo 67, o qual determina que o administrador deve exigir da contratada a comprovação mensal dos registros dos empregados e o cumprimento das obrigações trabalhistas e previdenciárias.

Art. 67 A execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por um representante da Administração especialmente designado, permitida a contratação de terceiros para assisti-lo e subsidiá-lo de informações pertinentes a essa atribuição.

Ademais, o artigo 87, III e IV da lei de licitações, prevê expressamente que cabe à administração pública, em consequência da inexecução de contratos, aplicar sanções à contratada, como a suspensão temporária do direito de participar de licitação, o impedimento de contratar com órgãos públicos e a declaração de sua inidoneidade.

Não bastasse o texto legal já mencionado, lembramos que o texto constitucional, mormente o parágrafo 6º do artigo 37, trata da responsabilidade objetiva da Administração Pública por danos decorrentes de ato administrativo que tenha praticado, incluindo-se a responsabilidade no caso de inadimplemento das obrigações trabalhistas, estando pois a responsabilidade.

Desta forma, se a empresa contratada descumpre suas obrigações para com os empregados e a administração pública, por sua vez, falha em seu dever de fiscalizar e aplicar as devidas sanções, fica claro sua culpa pela perpetração da ilicitude que permeiam os contratos de trabalho, devendo ser responsabilizada por seu ato omissivo.

Corrobora ainda o entendimento, a teoria do risco adotada pelo código Civil de 2002, incursa no art. 933 do codex, segundo a qual responde com indenização quem tira proveito de determinada atividade, quer para otimização da atividade que desenvolve, quer no que se relaciona aos resultados pretendidos. Nesta sequer seria necessária a comprovação de culpa, sendo a que melhor se enquadraria para ser adotada ao falar em responsabilidade do Estado, tendo em vista a revisão constitucional de responsabilidade objetiva.

Ademais, a interpretação do art. 71 não pode e nem deve ser feita de forma puramente literal.

Em trecho memorável do julgamento de Embargos em Embargos de Declaração em Recurso de Revista n° TST-E-ED-RR-25200-85.2008.5.21.0012, o então ministro relator, Horácio Raymundo de Senna Pires, assim explanou com maestria:

“o artigo 71 da Lei 8.666/93 visa a exonerar a administração pública da responsabilidade principal ou primária, atribuída ao contratado, afastando a possibilidade de vinculação de emprego em desacordo com o artigo 37 da Lei Maior. Não a exime, contudo, da responsabilidade subsidiária. O referido dispositivo legal, em verdade, ao isentar a administração pública da responsabilidade pelo pagamento de encargos trabalhistas, levou em conta a situação de normalidade e regularidade de procedimento do contratado e do próprio órgão público contratante. Assim sendo, posterior inadimplemento do contratado deve conduzir à responsabilidade subsidiária da contratante, em decorrência mesmo de culpa in vigilando.”

Tanto é esta a interpretação mais razoável do texto legal que, por reiteradas vezes a decisão dos tribunais coadunou com este entendimento, até que restou totalmente pacificado, dando origem a edição da súmula 331 do TST, como a conhecemos hoje.

Deste posicionamento, o que transparece é a denotação de uma blindagem ao Estado em detrimento do direito trabalhista do empregado, parte hipossuficiente na relação de trabalho e processual, deixando este a mercê da própria sorte e da irresponsabilidade desmedida e desvigiada.


Notas e Referências:

BRASIL. Constituição Federal (1988). Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, Disponível em:  <http://www.senado.gov.br/bdtextual/const88/Con1988br.pdf> acesso em 31.03.2017

BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, com alterações resultantes da Lei 8.883, de 08 de junho de 1994 e da Lei 9.648, de 27 de maio de 1998. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 21 jun 1993. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8666compilado.htm> acesso em 31.03.2017

Brasil. Tribunal Superior do Trabalho (TST). Secretaria-Geral Judiciária. Coordenadoria de Jurisprudência. Súmulas, Orientações Jurisprudenciais (Tribunal Pleno / Órgão Especial, SBDI-I, SBDI-I Transitória, SBDI-II e SDC), Precedentes Normativos [recurso eletrônico] – Brasília: Impressão e acabamento: Coordenação de Serviços Gráficos - CSG/SEG/TJDFT, 2016 Disponível em: <www.tst.jus.br/documents/10157/63003/Livro-Internet.pdf> acesso em 31.03.2017

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Terceirização: Plenário define limites da responsabilidade da administração pública. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?id Conteudo=339613> acesso em 31.03.2017.


Érica Veríssimo Martins. Érica Veríssimo Martins é advogada, graduada em Direito (2012) pelo Centro Universitário Estácio de Sá no Ceará e Pós-graduanda em Direito e Processo do Trabalho e Direito Previdenciário pelo Centro Universitário Estácio de Sá no Ceará. Membra da Comissão de Direito Sindical da OAB/CE no triênio 2016/2018. .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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