Ir ao Fórum só de Calcinha está fora do contexto?

21/12/2015

Por Alexandre Morais da Rosa e Claudio Melim – 21/12/2015

Muitos alunos nos perguntam como poderíamos explicar que os textos jurídicos não possuem uma verdade imanente, ou seja, um sentido definitivo a ser descoberto no texto. Afinal de contas leem diversos livros em que a situação é posta como “natureza jurídica das coisas”. Tentaremos, assim, demonstrar a partir do contexto de um exemplo banal. Qual a diferença entre estar de calcinha no Fórum e na praia?

Experiências de vida influenciam nossa compreensão do mundo. Percebemos o mundo pela compreensão dos sentidos. Compreendemos os sentidos do mundo a partir daquilo que somos. São os efeitos da história que iluminam nossa percepção construtiva de um mundo possível. Legado de Gadamer.

Talvez por isso tenhamos pensado em calcinhas para ilustrar a metáfora deste texto. Quem sabe? Fato é que elas provocam o deslize do imaginário pela torrente de desejo que podem ocasionar, especialmente pelo fetiche de cada um. Surge, muitas vezes, a esperança de que algo interessante possa estar aninhado por baixo das curvas desse estimulante pedaço de tecido.

Estimulação e pulsão são as chaves. Não há apreensão de sentidos. Calcinhas são coisas. Coisas não carregam sentidos. Estimulam sentidos e desejos. Sentidos que dão vida ao ser dos entes na percepção de Heidegger. Entes que são coisas sobre as quais nos referimos em nosso mundo (como as calcinhas). Não há como encontrarmos sentido nas coisas, mas naquilo que percebemos pelo estímulo sensorial ou do desejo provocado por elas. Sentido é o particípio do verbo sentir.

Se calcinhas carregassem sentidos, bastaria impregná-las com a essência de qualquer sujeito (homem ou mulher) para ampliar a sensualidade. Não que os sujeitos deixem de ser potencialmente sensuais. Depende do contexto. Contexto é fundamental, nos ensina Teun van Dijk. Coisas que estimulam estão sempre imersas em contextos que temperam os diversos sabores dos sentidos.

Calcinha no manequim de uma loja de departamentos. Calcinha de biquíni no corpo da jovem que curte a lua de mel com sua/seu amada/o. Calcinha que surge perversa na cruzada de perna da juíza atenta aos argumentos do advogado. Ou no “descuido” da defensora para distrair o patrono da parte adversa. São contextos. Cada um deles estimulará sentidos diferentes, ainda que estejamos falando de calcinhas. Ir ao Fórum só de calcinha está, todavia, totalmente fora do contexto.

Não há Direito sem contexto. Direito é sentido. Lei, doutrina e jurisprudência são textos. Relatos fáticos são textos. Textos são coisas e não carregam sentidos. Estimulam sentidos que dependem de contextos. O Direito existe na contextualidade do caso concreto. Direito em abstrato é mito criado para viabilizar o ensino jurídico, ainda que muitos não saibam disso.

Sobre as calcinhas? Não são todas que guardarão alegrias. São igualmente calcinhas, algumas proibidas, outras venenosas ou ainda problemáticas. Lembremos delas para evitar a perigo do Direito sem contexto. De uma coisa sabemos, não há “calcinidade” da calcinha, mas sabemos que existem calcinhas fora do contexto, assim como sentidos jurídicos. O aluno compreendeu. E você?


Alexandre Morais da Rosa é Professor de Processo Penal da UFSC e do Curso de Direito da UNIVALI-SC (mestrado e doutorado). Doutor em Direito (UFPR). Membro do Núcleo de Direito e Psicanálise da UFPR. Juiz de Direito (TJSC). Email: alexandremoraisdarosa@gmail.com   Facebook aqui 


  claudio melim2 . Claudio Melim é mestre e doutorando em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. Possui graduação em Direito e Ciência da Computação pela mesma instituição. Exerce a profissão de advogado e atua como consultor empresarial na área de Direito Tributário. Autor do livro “Ensaio sobre a Cura do Direito”.


Imagem Ilustrativa do Post: Tropea beach // Foto de: Piervincenzo Madeo // Sem alterações Disponível em: https://www.flickr.com/photos/piervix/5957410296/ Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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