Indenização por danos morais decorrentes de assédio moral por ameaça de despedimento de empregada em face de apresentação de atestados médicos. Análise de jurisprudência do Colendo Tribunal Superior do Trabalho

03/02/2017

Por Felipe Pruinelli - 03/02/2017

Ressalte-se, para não esgotar a matéria, que o assédio moral no ambiente laboral vem se propagando como um dos mais sérios problemas encontrados na sociedade atual, visto que se constata que provém de um conjunto de fatores, tais como a globalização econômica, a qual visa, única e exclusivamente, a produção e o lucro, bem como a atual conjectura do sistema empresarial, caracterizada pela perene competição e pela humilhação moral – principal quesito da prática do assédio moral caracterizado pelo abuso do poder diretivo no ambiente da empregadora.

Necessário se faz mencionar o entendimento da ilustre Maria Aparecida Alckmin[1] que opina que o assédio moral ou agressão psicológica na relação de emprego tem como pressuposto um fato social que ocorre no meio social, familiar, estudantil e, mais intensamente, no ambiente de trabalho, abrangendo tanto o setor privado como a administração pública, e, embora na atualidade tenha atraído estudos no campo da Psicologia, Sociologia, Medicina do Trabalho e do Direito, tem origem histórica na organização do trabalho, tendo em vista a relação domínio-submissão entre o capital e a força de trabalho.

Bauman afirma[2]:

O capital é dependente, para sua competividade, efetividade e rentabilidade, dos consumidores – e seus itinerários são guiados pela presença ou ausência de consumidores ou pelas chances de “produzir consumidores” – de gerar e alimentar a demanda com ideias em oferta. A planejar as voagens de capital e impulsionar seus deslocamentos, a presença da força de trabalho é, na melhor das hipóteses, uma consideração secundária. 

Assim, conforme sustenta Sílvio de Salvo Venosa, os atos ilícitos são os que advindos direta ou indiretamente da vontade e ocasionam efeitos jurídicos, mas contrários ao ordenamento. O ato voluntário é, portanto, o primeiro pressuposto da responsabilidade civil.

Esse conceito prende-se ao de imputabilidade, porque a voluntariedade desaparece ou torna-se ineficaz quando o agente é juridicamente irresponsável[3].

Também, por este prisma é o entendimento do respeitável Fábio Ulhoa Coelho[4], que dita que se tratam atos ilícitos o exercício de direito sem a observância dos “limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes” (CC, art. 187). Tal exercício não pode, por isso, implicar a responsabilidade aquiliana do sujeito que o titulariza. Ao contrário, o titular de um direito deve ver assegurada pelo Estado a oportunidade de exercê-lo plenamente. Faltando esta segurança, falta o próprio direito, já que o seu titular não poderá opor-se aos que eventualmente o impedem de praticar os atos em que a faculdade ou a prerrogativa jurídica se manifestam. Para merecer a tutela do Estado, contudo, o direito subjetivo deve ser exercido regularmente. Quem exerce direito extravasando os limites da regularidade — ditados pelo fim econômico ou social deste, pela boa-fé e bons costumes — não pode buscar amparo aos seus atos. Ademais, se causar danos será responsável por indenizá-los.

Sergio Cavalieri Filho[5] entende os danos morais como Os direitos da personalidade, entretanto, que englobam outros aspectos da pessoa humana que não estão diretamente vinculados à sua dignidade da pessoa humana. Nessa categoria incluem-se também os chamados novos direitos da personalidade: a imagem, o bom nome, a reputação, sentimentos, relações afetivas, aspirações, hábitos, gostos, convicções políticas, religiosas, filosóficas, direitos autorais. Em suma, os direitos da personalidade, abrangem todas as ofensas à pessoa, considerada esta em suas dimensões individual e social, ainda que sua dignidade não seja arranhada. Como se vê, hoje o dano moral não mais se restringe à dor, tristeza e sofrimento, estendendo a sua tutela a todos os bens personalíssimos, os complexos de ordem ética, razão pela qual se revela mais apropriado chamá-lo de dano imaterial ou não patrimonial, como ocorre no Direito português. Em razão dessa natureza imaterial, o dano moral é insuscetível de avaliação pecuniária, podendo apenas ser compensado com a obrigação pecuniária imposta ao causador do dano, sendo esta mais uma satisfação do que uma indenização.

Ademais, merece ser trazido a lume o magistério dos renomados catedráticos Gilmar Mendes, Inocêncio Martires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco[6]:

[...] a tormentosa questão de saber se o respeito à dignidade humana é um princípio absoluto — metajurídico, pré-constituinte ou préconstitucional —, como sustentam aqueles que lhe atribuem o status de valor fundante da experiência ética e da própria soberania popular, ou se, apesar da sua importância no Estado Constitucional, é um princípio tão relativo como outro qualquer, sujeitando-se, por isso, a ponderação ou pesagem em face de outras normas da mesma natureza, no âmbito do jogo concertado de restrições e complementações recíprocas que caracteriza a aplicação dessas espécies normativas em cada situação hermenêutica. Por isso, acreditamos que diante desse "instigante e tormentoso problema" — é assim que ele o qualifica — saiu-se melhor o arguto Ingo Satlet, ao dizer que sendo todas as pessoas iguais em dignidade (embora não se portem de modo igualmente digno) e existindo, portanto, um dever de respeito recíproco (de cada pessoa) da dignidade alheia (para além do dever de respeito e proteção do Poder Público e da sociedade), poder-se-á imaginar a hipótese de um conflito diteto entre as dignidades de pessoas diversas, impondo — também nestes casos— o estabelecimento de uma concordância prática (ou harmonização), que necessariamente implica a hierarquização ou a ponderação dos bens em rota conflitiva, neste caso, do mesmo bem (dignidade) conctetamente atribuído a dois ou mais titulares11. Numa palavra, se bem entendemos, a dignidade da pessoa humana, porque sobreposta a todos os bens, valores ou princípios constitucionais, em nenhuma hipótese é suscetível de confrontar-se com eles, mas tão-somente consigo mesma, naqueles casos-limite em que dois ou mais indivíduos — ontologicamente dotados de igual dignidade — entrem em conflitos capazes de causar lesões mútuas a esse valor supremo.

Diante disso, o valor ou princípio da dignidade da pessoa humana deve ter sentido de normatividade e cogência e não de meras cláusulas retóricas, de estilo ou de manifestação de bons propósitos. Para tanto, é necessário dar tratamento adequado aos instrumentos de efetivação dos direitos que poderão realmente garantir a dignidade do trabalhador e o valor verdadeiramente social do trabalho, como dita a Constituição Federal de 1988.

Ilustrando melhor o tema apresentado, Bezerra Leite citando Sidnei Machado[7], afirma:

[...] Chega-se ao conceito de meio ambiente de trabalho, que passa a ser o “conjunto das condições internas e externas do local de trabalho e sua relação com a saúde dos trabalhadores” *...+ Para o mundo do trabalho, prossegue o citado autor: “essa aproximação do meio ambiente com a saúde do trabalhador, numa perspectiva antropocêntrica, coloca a ecologia dentro da política. O produtivismo é a lógica do modo de produção capitalista, cuja irracionalidade dilapida a natureza para sua reprodução. Essa é a verdadeira fonte da crise que ecológica, que também gera a exploração desenfreada da força de trabalho que coloca em perigo a vida, a saúde ou o equilíbrio psíquico dos trabalhadores. 

Assim sendo, de acordo com os artigos 5º, X e V, 7º, XXVII, 200, VIII, 225, Parágrafo 3º, todos da CF/88, assim como, artigo 927, parágrafo único do CC/2002, a configuração do assédio moral, é decorrente de danos no meio ambiente laboral, vindo a caracterizar a responsabilidade de forma objetiva – inexistência de prova culpa, bastando apenas à lesão e no nexo causal entre esta e o meio ambiente laboral.

Observa que o empregador é responsável pelos atos de seus prepostos nos termos do 932, inciso III, do Código Civil.

No Agravo de Instrumento no Recurso de Revista 679-68.2015.5.20.00099, oriundo do Tribunal Superior do Trabalho, negou-se seguimento, entendendo pela manutenção da reclamada a indenização por danos morais por assédio moral, sob o fundamento de que restara provado o constrangimento sofrido pela reclamante, uma vez que estaria sujeita a pressões desmedidas de metas, além de cobranças quanto a dias que necessitou faltar por problemas de saúde, inclusive apresentando atestados médicos, sofrendo ameaças de demissão por tal.

Dessa forma, o Tribunal reduziu o valor arbitrado em sentença (R$ 10.000,00), para R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a fim de reparar os danos causados à reclamante.

Dessa feita, percebe-se, cada vez mais, lides como a do presente caso, tenta-se estabelecer um valor, à vista dos elementos de prova dos autos, que permita alcançar à vítima uma compensação razoável, satisfatória, sempre com observância tanto ao princípio que veda o enriquecimento ilícito quanto ao risco de inocuidade da indenização.


Notas e Referências:

[1] ALCKIMIN, Maria Aparecida. Assédio Moral na relação de emprego. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2006, p. 35.

[2] BAUMANN, Zygmund. A sociedade individualizada: vidas contadas e histórias vividas. Rio de janeiro: Zahar, 2008, p. 40.

[3] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 13.ed. São Paulo: Atlas, 2013, p.24.

[4] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil, v.2. São Paulo: Saraiva, 2012. Livro eletrônico.

[5] FILHO, Sérgio Cavalieri, Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Malheiros, 2006. p.102.

[6] MENDES, Gilmar; COELHO, Inocêncio Martires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 4. ed. rev e atual. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 174.

[7] LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito do Trabalho. 7.ed.São Paulo: Saraiva, 2016, p. 590/1.

ALCKIMIN, Maria Aparecida. Assédio Moral na relação de emprego. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2006.

BAUMANN, Zygmund. A sociedade individualizada: vidas contadas e histórias vividas. Rio de janeiro: Zahar, 2008.

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil, v.2. São Paulo: Saraiva, 2012. Livro eletrônico.

FILHO, Sérgio Cavalieri, Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Malheiros, 2006.

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito do Trabalho. 7.ed.São Paulo: Saraiva, 2016.

MENDES, Gilmar; COELHO, Inocêncio Martires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 4. ed. rev e atual. São Paulo: Saraiva, 2009.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 13.ed. São Paulo: Atlas, 2013.


felipe-pruinelli. Felipe Pruinelli é Advogado, atuante nas áreas de Direito do Trabalho e Direito Civil, no escritório RP PRUINELLI ADVOGADOS. É pós-graduado em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS/RS), com atuação nas cidades de Bento Gonçalves/RS, Caxias do Sul/RS, entre outras..


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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