Coluna: Constituição e Democracia / Coordenadores: Alexandre Gustavo Melo Franco de Moraes Bahia, Diogo Bacha e Silva, Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira
“O processo não é um jogo de esperteza, mas instrumento ético da jurisdição para efetivação dos direitos de cidadania”. Infelizmente, essa famosa máxima, afirmada pelo Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira no REsp. 65.906/DF, parece valer só para a Advocacia, ao menos segundo julgamentos evidentemente corporativistas do Poder Judiciário. Isso se verifica em verdadeiros privilégios hermenêuticos que o Judiciário concede a si próprio, como a suposta inexistência de preclusão pro judicato com uma consequente eterna possibilidade de reconsideração de decisões, em flagrante violação do princípio da segurança jurídica, em seu subprincípio da proteção da confiança legítima.
Gostaríamos de iniciar dizendo que somos amici curiae (“amigos da Corte”) do STF, como sempre destaca o Professor Lenio Streck, no sentido de que fazemos, aqui, críticas hermenêuticas, em termos de constrangimentos epistemológicos (cf. Streck), mas sempre com máximo respeito à instituição de nossa Suprema Corte e sua autoridade. Repudiamos por completo os nefastos ataques que têm sido feitos ao Supremo Tribunal Federal e a seus e suas integrantes, ataques estes os quais repudiamos com veemência. Respeito à autoridade da Suprema Corte é bom e o Estado Democrático de Direito gosta – e impõe. Assim, as críticas trazidas no presente artigo são hermenêuticas e se dão, permitindo-nos absoluta franqueza, por termos ficado verdadeiramente assustados com o princípio decorrente da decisão do Supremo Tribunal Federal de 14.04.2021, sobre uma suposta discricionariedade absoluta (fortíssima), que entendemos configurar verdadeira arbitrariedade, na concretização de determinada regra regimental. Nossa preocupação não é voltada àquele caso em especial, mas nas consequências da aplicação da “ratio decidendi” (dos fundamentos determinantes) da referida decisão a julgamentos futuros, como notoriamente se dá à luz da teoria da vinculação a precedentes, positivada em nosso Direito Processual nos artigos 315, §2º, V, do Código de Processo Penal e no artigo 489, §3º, III, do Código de Processo Civil, como concretizações legislativas da imposição constitucional do artigo 93, IX, da Constituição Federal.
Nesse sentido, com todo o respeito, a jurisprudência brasileira ganhou mais um deprimente capítulo (em termos de teoria da decisão judicial constitucionalmente adequada a um Estado Democrático de Direito) na triste história de privilégios hermenêuticos a si autoatribuídos pelo Judiciário em suas decisões no julgamento de 14.04.2021 do Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao apreciar um dos agravos regimentais no HC 193.726. Isso porque nossa Corte Suprema afirmou, com base nos artigos 6º, 21 e 22 de seu Regimento Interno (recepcionado com força de lei pela Constituição Federal segundo jurisprudência do próprio STF), e pelo assustador placar de 9x2, que a decisão do Ministro Relator ou da Ministra Relatora de afetação do julgamento de qualquer processo ao colegiado da respectiva Turma ou ao Plenário da Corte seria uma decisão discricionária, sem necessidade de fundamentação alguma, mesmo com a alternância de entendimento da Relatoria em ora querer que o julgamento seja feito na Turma e ora querer que seja feito no Plenário, como apontado pelo Ministro Gilmar Mendes, em veementes protestos contra isso, também feitos pelo Ministro Lewandowski. O Ministro Gilmar, todavia, em atenção ao princípio da colegialidade, acompanhou a maioria, mas conclamando o Tribunal a rever essa forma de agir, para preservar a respeitabilidade social do Tribunal.
Apenas para colocar o debate, o RISTF prevê, nos artigos 5º e 6º, as causas de competência do plenário. Dispõe, assim, o art. 6º, II, alínea “c” que é competência do Plenário o julgamento de habeas corpus quando remetidos ao órgão pelo(a) Relator(a). Além do referido dispositivo, o art. 21 do RISTF dispõe acerca das atribuições da Relatoria, dentre as quais, os incisos III, IV e V que estatuem, respetivamente, a possibilidade de submeter ao Plenário, à Turmas e aos Presidentes, conforme as competências, questão de ordem e submeter ao Plenário ou à Turma, nos processos de competência respectiva, medidas cautelares necessárias à proteção de direito ou, então, determinar as medidas cautelares, ad referendum do Plenário ou da Turma. De outro lado, o art. 21, inc. XI do RISTF prevê que caberá ao(à) Relator(a) remeter habeas corpus ou recurso de habeas corpus ao julgamento do Plenário. A interpretação conferida pelo STF, portanto, é a de que o(a) Ministro(a) Relator(a) poderá, discricionariamente, remeter o julgamento de qualquer habeas corpus ao Plenário. Assim, as posições favoráveis entendem que a competência constitucional atribuída ao STF quer significar que o Plenário é o “juiz natural”, e não as Turmas, que agora foram afirmadas como meras “divisões internas” do Tribunal. A rigor, portanto, embora o próprio Regimento Interno tenha realizado uma divisão de competência acerca das matérias que seriam afetas ao Plenário (arts. 5º, 6º, 7º e 8º) e às Turmas (arts. 9º, 10 e 11), qualquer matéria de competência do STF é da competência do Plenário, desde que assim o(a) Relator(a) assim decida.
Quanto ao tema levado a julgamento, o pleno, por 8 votos favoráveis e 3 contrários, manteve a decisão monocrática do Min. Edson Fachin que corretamente declarou a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba para julgar o ex-Presidente Lula, anulando as condenações que pesavam sobre o paciente.
Sobre o tema que aqui debatemos, ou seja, a decisão de que cabe ao relator livremente decidir quando submeter o julgamento a plenário, não é incomum ver-se decisões judiciais afirmando que algumas espécies de decisão seriam discricionárias (sic), especialmente aquelas que concedem medidas liminares ou tutelas de urgência. Não concordamos com essa posição, ratificando a doutrina que afirma que, presentes os requisitos legais, a medida liminar ou de tutela de urgência deve ser concedida (e, ausentes, não o pode), sem que haja “discricionariedade” sobre o tema.[1] De qualquer forma, ao que parece, o Judiciário nunca explica exatamente o que entende por discricionariedade, como também não o fez o Supremo Tribunal Federal no citado julgamento.
Na doutrina de Ronald Dworkin, existem três formas de discricionariedade. Em um primeiro sentido fraco, significa que um funcionário público deve usar seu discernimento na aplicação dos padrões que foram estabelecidos para ele pela autoridade quando, por alguma razão, os padrões que uma autoridade pública deve aplicar não podem ser aplicados mecanicamente, mas exigem o uso da capacidade de julgar, conceito usado quando o contexto não é por si só esclarecedor, quando os pressupostos de nosso público não incluem esse fragmento de informação (ou seja, padrões que pessoas razoáveis podem interpretar de maneiras diferentes) – como quando um se diz que “as ordens de um sargento deixaram-lhe uma grande margem de poder discricionário” a todos aqueles que desconhecem tais ordens ou algo que tornou-as vagas ou difíceis de serem executadas, como quando se ordena que sejam levados os “cinco homens mais experientes”, dada a dificuldade de determinar quais eram os “mais experientes”. Em um segundo sentido fraco, ter “poder discricionário” significa que algum funcionário tem autoridade para tomar uma decisão em última instância e que esta não pode ser revista e cancelada por nenhum outro funcionário – como quando um árbitro de beisebol tem a autoridade para definir soberanamente se foi a bola ou o corredor que chegou primeiro à segunda base. Em um sentido mais forte, ter “poder discricionário” significa que, em certos assuntos, o funcionário público não está limitado pelos padrões da autoridade em questão (ou seja, quando algum conjunto de padrões que lhe impõe deveres não visa, na verdade, impor um dever de tomar uma decisão específica) – como quando se estabelece que um sargento pode escolher quaisquer cinco homens para uma patrulha, sentido forte este que não se aplica se a ordem é para escolha dos cinco homens “mais experientes”, pois a ordem pretende dirigir a sua decisão.[2]
Contudo, continua Dworkin, o sentido forte do poder discricionário não é equivalente à licenciosidade e não exclui a crítica, pois mesmo nestas situações são relevantes certos padrões de racionalidade, equidade e eficácia. O poder discricionário em sentido forte de um funcionário não significa que ele esteja livre para decidir sem recorrer a padrões de bom-senso e equidade, mas apenas que sua decisão não é controlada por um padrão formulado por uma autoridade particular. Assim, alguém que possua poder discricionário nesse sentido forte pode ser criticado, não por ser desobediente; pode-se dizer que ele cometeu um erro, embora não que tenha privado alguém de uma decisão que lhe era devida por direito.[3]
Como se vê, a decisão do Supremo Tribunal Federal reconheceu um conceito de “discricionariedade” fortíssima, verdadeiro sinônimo de arbitrariedade (por absoluta), porque mais ampla até mesmo do que a discricionariedade forte de que fala Dworkin, em sua crítica à discricionariedade, já que o célebre autor notoriamente combate a noção de Direito enquanto “modelo de regras”, defendendo-o enquanto um conceito interpretativo, que deve buscar por uma resposta correta, entendida como aquela que melhor se coaduna com as regras e os princípios vigentes e em vigor na sociedade. A saber, aquela que melhor explica o Direito estabelecido, em uma ordem aproximada de plausibilidade.[4]
Vê-se que esse assustador julgamento do Supremo Tribunal Federal consagra uma visão arbitrária que já seria rechaçada pelo positivismo jurídico, na melhor versão de Herbert Hart, já que o célebre autor, contra o qual Ronald Dworkin destinou suas críticas, embora fale em “zonas de penumbra” na interpretação do Direito que supostamente demandariam uma decisão discricionária (sic), afirma que mesmo sobre elas há decisões que são claramente erradas, bem como que mesmo a zona de penumbra “não significa que possamos fazer o que quisermos e não estejamos obrigados a cumprir promessas”, numa analogia entre o cumprimento de regras de direito e promessas pessoais, bem como que, na interpretação do Direito, há “exemplos claros” que demandam silogismo.[5] Para Hart, a maior ou menor discricionariedade dizem respeito a uma maior ou menor controvérsia. Ou inversamente, menor ou maior consenso. De todo modo, ela se justifica em razão de uma controvérsia! Sem controvérsia, mesmo para Hart, não há discricionariedade! Afinal, para Hart, não há um “grau zero de sentido”, a discricionariedade só se dá sob o pano de fundo das tradições interpretativas e em razão de controvérsias concretas e genuínas que justifiquem a maior ou menor divergência interpretativa em face do caso concreto.[6]
Reforce-se que positivismos contemporâneos, mesmo admitindo o uso da discricionariedade nas decisões judiciais, afirmam que a decisão discricionária não se confunde com uma decisão arbitrária. Com efeito, nos termos da doutrina de Bruno Torrano, “Nenhum tipo de discricionariedade significa uma carta aberta à arbitrariedade do magistrado”, o que faz para defender que, para ele, “não faz sentido” a divisão de Alexy entre “discricionariedade decisionista” e “discricionariedade fundamentada”, já que (Torrano) entende que nenhuma discricionariedade dispensa fundamentação da conclusão defendida na decisão judicial. Daí que a perspectiva positivista, segundo Torrano, afirma que “o problema não é a descrição analítica de que existem casos não regulados pelo direito, e sim o uso dessa questão de fato como artifício retórico para violar, ao bem de uma noção pessoal de justiça, normas jurídicas que passam pelo teste de constitucionalidade”, na medida em que, “se a natureza do direito é pretensamente autoritativa, parece lícito afirmar que, em contextos políticos dirigidos por Constituições genuinamente boas, a função do magistrado, nos casos difíceis, é a de perquirir os princípios morais que melhor colaboraram para a realização do planejamento jurídico como um todo”, por estarem (juízes e juízas) “atados[as] a um plano normativo com alto grau de densidade”, de sorte que, “onde inexiste essa densidade normativa, a função jurídica e a responsabilidade política de um magistrado não é a de ‘fazer justiça’, mas sim a de dar sequência ao planejamento constitucional a partir de interpretações juridicamente razoáveis”.[7]
Anote-se, na segunda edição de sua obra, profundamente ampliada, Torrano aponta que, mesmo sem aceitar que haja uma única resposta correta a todos os casos (daí nossa divergência, à luz de Dworkin), afirma que deve-se “reconhecer que o direito, fenômeno complexo que é, pode, a depender de circunstância e história, tanto levar a uma única resposta correta em determinados casos”,[8] não obstante ache que, em outros, não haveria resposta “correta”, mas apenas respostas igualmente defensáveis, do que discordamos, à luz de uma interpretação principiológica do Direito, que veja a procura da resposta correta como uma obrigação de meio, não de resultado, na síntese que Torrano chegou,[9] após debates doutrinários com Lenio Streck, algo que é referendado na doutrina de outro positivista brasileiro, Dimitri Dimoulis, o qual, embora também aceitando a discricionariedade interpretativa (afinal, é um positivista), afirma que “a aceitação da solução verdadeira ou correta é uma ‘ideia reguladora’ e necessariamente presente na aplicação do direito”. Dimoulis lembra, com MacCormick, há “casos reais [que] são de fácil solução”, porque “Pertencem ao núcleo conceitual da norma (hard core), permitindo uma resposta certa e clara e podendo ser vistos como fáceis (easy cases”, os quais MacCormick afirma como casos integrantes do núcleo de certeza da norma jurídica em questão, com Dimoulis afirmando que uma norma jurídica de densidade normativa suficiente para tanto pode guiar a decisão final de maneira concreta, se sua textura for densa o bastante para isso (sic), citando casos de normas de densidade normativa 100(%), nas quais há “uma única interpretação sem espaço para dúvidas e/ou propostas alternativas”.[10] Nesse sentido, como a vedação do arbítrio está na essência da densidade normativa do núcleo de certeza do princípio do Estado de Direito, evidentemente não se pode concordar com a posição do STF que permite decisões de afetação e desafetação sem uma fundamentação racional (e normativa) que lhes sustente, sob pena de arbitrariedade. Isso ao menos para quem adota uma interpretação principiológica do Direito, que considera normas com hierarquia axiológica sobre as regras, no sentido de determinarem a interpretação delas, como explica em doutrina o Ministro Luís Roberto Barroso e é a posição do Supremo Tribunal Federal em sua jurisprudência principiológica em geral:
“Em sua filosofia do direito, Ronald Dworkin introduz a figura mitológica do juiz Hércules para especificar quais seriam, em seu juízo, as atitudes interpretativas devidas pelos juízes reais, apesar de suas falhas e imperfeições. [...] Hércules foi introduzido por Dworkin com o propósito de funcionar como uma ideia regulativa. Uma ideia desse tipo se apresenta como um modelo para juízes que não possuem as habilidades e superpoderes de Hércules; o propósito de qualquer teoria ideal é fornecer um protótipo a ser imitado no mundo não-ideal. Se Hércules puder fazer algum trabalho para nós, será o de facilitar o acesso aos nossos próprios erros. Uma das conclusões mais importantes, mas nem sempre levada a sério, na teoria do direito de Ronald Dworkin é a ideia de que o direito só consegue exercer domínio sobre uma comunidade na medida em que os membros dessa comunidade, sejam eles juízes, legisladores, ou cidadãos, assumam certas responsabilidades. Uma dessas responsabilidades é manter-se fiel ao direito. [...] Outra responsabilidade, igualmente importante, é interpretar o direito corretamente. É nesse ponto que a integridade entre em cena. [...] Integridade exige colocar a justiça e a igualdade acima do instrumentalismo. A ideia mais abstrata da teoria de Dworkin é a de que a juridicidade exige uma atitude, como expõe o autor no último capítulo de sua obra mais importante [Law’s Empire’]: ‘O império do direito é definido por uma atitude, não pelo território, ou pelo poder, ou pelo processo’. Uma lei fracassa em satisfazer as demandas da integridade quando ela se compromete com princípios inconsistentes[11]”
Reiterando, sempre, que não adotamos perspectivas positivistas, mesmo tão refinadas após as críticas dworkianas: nosso ponto é mostrar que a decisão do Supremo Tribunal Federal não se justifica nem mesmo por perspectivas positivistas, de interpretação do Direito enquanto conjunto de regras (não obstante essa noção, bem representada por Torrano, tenha incluído os princípios entre os padrões normativos de conduta, que é a forma que Herbert Hart conceituava as regras jurídicas, não obstante não nos pareça acertada a posição de que Hart “desde sempre” pensou nos princípios como imediatamente aplicáveis aos casos concretos, embora, em um momento de sua obra, ele fale dos princípios como integrantes dos padrões de conduta impostos pelo Direito, embora como conceito autônomo, separado, do conceito de “normas gerais”, o que denota sua visão inicial em prol de uma não-normatividade imediata dos princípios, que foi notoriamente o objeto das críticas de Dworkin[12]).
A diferença, então, de Dworkin para Hart não é, por óbvio, a inexistência de controvérsia. Mas sim que mesmo quando há uma controvérsia genuína, essa controvérsia não se reduz a regras, mas a princípios cuja aplicação exige concretização à luz dos elementos do caso. O que Dworkin chama senso de adequabilidade: uma decisão imparcial é justamente aquela que leva a sério os elementos do caso concreto, ou seja, a própria controvérsia que o constituiu como tal.
Se não há controvérsia concreta e genuína, mesmo em Hart não haveria de se falar em “discricionariedade” em sentido forte ou genuíno. Seria arbítrio e não discricionariedade. Mas alguém poderia dizer: “ah, então daí a parte cria a controvérsia”. Bem, se a controvérsia não for genuína, o que há é litigância de má-fé. “Ah, mas o juiz pode criar a controvérsia”. Bem, no caso do Estado-juiz, que não deve agir como se parte fosse, ele terá de fundamentar de modo coerente com o Direito, enquanto conjunto de regras e princípios, estes informando a interpretação das regras, porque se está diante de uma controvérsia – se o Estado-juiz, a modo de resolver um caso, traz outras questões e problemas que não fazem parte do objeto litigioso, criando na verdade um falso-problema que lhe autorize decidir como quer, essa figura tem nome e é ativismo judicial que deve ser combatido.[13] Em outras palavras, o Estado-juiz só pode reconstruir e não criar propriamente uma controvérsia com base no caso concreto. Para além da crítica que se possa fazer a toda postura do realismo jurídico – que usa o Direito meramente como estratégia retórica – um juiz ou uma juíza, que cria controvérsia ao invés de a reconstruir, age como se fosse parte, ou seja, não respeita o princípio da imparcialidade do Judiciário. Não atua como juiz ou juíza, portanto.
Veja-se o retrocesso hermenêutico deste precedente do Supremo Tribunal Federal!
Destaque-se, ainda, que, mesmo quem admite a decisão judicial mediante um “prudente arbítrio do juiz” (sic) – o que, reiteramos, não é o nosso caso – afirma que não é válida uma lisa e cega confiança no juiz, pois nenhuma confiança pode repousar nem na ingenuidade nem no azar, sob pena de se gerar anarquia judicial sobre o tema analisado, em lição que ratifica a compreensão de que “prudente arbítrio” (sic) não pode ser sinônimo de arbitrariedade, de sorte a se propugnar o aditamento de outros fatores, de outras pautas – tanto objetivas, como subjetivas – para minorar o uso do critério prudencial pelo Judiciário.[14] Cite-se, ainda, que positivistas jurídicos responderam às críticas de Dworkin contra a discricionariedade de um “modelo de regras”, afirmando que os princípios podem se enquadrar no conceito de padrão (normativo) de conduta,[15] que era a forma que Hart identificava o conceito de regra jurídica, para dizer que a decisão com discricionariedade não significa arbitrariedade.[16] Essa é a (principal) questão deste julgamento: nem mesmo o paradigma da discricionariedade, em sua acepção técnico-jurídica, sustenta o que foi decidido pelo STF.
Para sermos justos, Ministros e Ministras da maioria afirmaram estar seguindo decisão tomada pelo Tribunal em precedente anterior, a saber, o HC. 143.333, onde se afirmou essa suposta competência discricionária da Relatoria na afetação de julgamentos no Plenário da Turma ou do STF como um todo, em decisão irrecorrível (sic). Vamos abstrair aqui a plena concordância com a afirmação do voto vencido do Ministro Lewandowski, pela qual, em um Estado Democrático de Direito, não podem haver decisões “irrecorríveis”. A questão é que, como bem pontuou o Ministro Gilmar Mendes, há uma distinção que devia ter sido levada em consideração neste julgamento, a saber, que a jurisprudência do STF nunca disse que o Relator pode “afetar e desafetar, afetar e desafetar, o mesmo processo quatro vezes”, como feito pelo Ministro Fachin (Relator) neste caso concreto. O que, acrescentamos, dá margem a que a sociedade possa pensar que “afetação e desafetação” reiteradas no mesmo caso seria uma forma de uso estratégico da regra de afetação e desafetação, e não conforme os limites do Direito: ou se pode afetar ou não se pode, tertium non datur. Pior ainda quando, o mesmo Ministro, em um mesmo caso, faz uma e outra coisa seguidamente, sem fundamentação a partir de razões públicas (e, neste caso, nem fundamentação, qualquer que seja, houve!). Não há teoria da decisão judicial que possa sustentar algo assim.
Dworkin ensinou que o intérprete deve analisar o Direito como um romance em cadeia, com integridade e coerência,[17] de modo a decidir o novo caso diante de si, como parte de um complexo empreendimento no qual os capítulos passados (julgados passados e entendimentos doutrinários) devem ser tomados em consideração para que se escreva um novo capítulo, em continuidade, que o respeite (ainda que seja para superá-lo), com coerência. É dizer, a interpretação do Direito é construtiva: a decisão, ao mesmo tempo em que foi uma resposta aos postulantes elaborada por um grupo num certo período, é também produto de várias mãos e dá continuidade (sem ruptura) àquela construção referida.[18]
No mesmo sentido, embora discordemos da validade de decisões judiciais por “discricionariedade” mesmo em “casos difíceis” (sic), quem for adotar o paradigma da discricionariedade não pode desrespeitar a lição basilar da doutrina administrativista bem lembrada pelo Ministro Gilmar Mendes, segundo a qual a expressão discricionariedade em sentido jurídico, não se confunde com arbitrariedade. Isso porque, continuou o Ministro Gilmar, admitir arbitrariedades tais no processo judicial geraria um processo sem regras, e um processo sem regras não é processo, não é legal, pois desemboca em um julgamento ad hoc, que não pode ser admitido em hipótese nenhuma. O mínimo que se espera do Direito é segurança e previsibilidade, o inverso, pois, de um “processo” kafkaniano.[19]
Ainda, note-se que, mesmo quem aceita a “discricionariedade” (sic) quando do juízo de “ponderação de valores” (sic), o que não é o nosso caso, precisa estar fundamentando sua posição em termos tanto de adequação, enquanto aptidão para promover algum direito de índole constitucional (ou, ampliando, legal), além da necessidade, enquanto inexistência de meio menos gravoso para restringir o direito que cederá na fase da “proporcionalidade em sentido estrito” (sic). Não desconhecemos que alguns votos deste julgamento afirmaram que não se poderia falar em “prejuízo à defesa” pelo fato do caso de ser julgado pelo Plenário do Tribunal ao invés da Turma, contudo, se a decisão do Plenário acabar sendo distinta daquela que seria tomada na Turma, que é o juiz natural regimentalmente definido para seu julgamento, então evidente que a parte teve um “prejuízo” – e isso não obstante considerarmos ter constitucionalidade muito duvidosa a norma legal que afirma que, no processo penal, “não há nulidade sem prejuízo”, pois, como é notório, o respeito às formas processuais é uma garantia da defesa em termos de devido processo legal, de sorte que, em um processo que lida com a liberdade da pessoa, como o processo penal, o respeito às formas processuais constitui parte inerente do direito fundamental à ampla defesa e ao contraditório, formal e substantivo. E, seja como for, não houve explicação de adequação dessa postura de “afetar e desafetar, quatro vezes no mesmo processo”, em termos de aptidão a promover qualquer norma legal ou constitucional, precisamente pelo pressuposto da suposta “discricionariedade” (sic), verdadeira arbitrariedade, que o STF reconheceu à Relatoria sobre o tema.
Além do mais, há uma equivocada percepção da maioria do STF quanto à própria institucionalidade da Suprema Corte. Pensar que o Supremo Tribunal Federal apenas se apresenta enquanto Plenário é desconsiderar que as Turmas, assim como a Presidência, têm atribuições institucionais que decorrem da própria lógica (do princípio) da colegialidade. As Turmas, assim como sua Presidência, não são apenas “desconcentração administrativa” ou “repartição de competências”, mas, em substância, ligam-se à própria dinâmica (do princípio) da colegialidade. A colegialidade com todas as suas consequências é, então, o princípio normativo que deve orientar a dimensão institucional do Supremo Tribunal Federal.
O que mais assusta é o silêncio do Relator do caso em questão, o Ministro Edson Fachin, a quem nutrimos profundo respeito e admiração, inclusive por importantes votos que tem proferido (cf. infra), mesmo após tão duras, embora (a nosso ver, com todo o respeito) pertinentes, críticas dos Ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, os quais, mesmo da maneira mais formal possível, afirmaram que a decisão do Excelentíssimo Colega teria sido estratégica, para tirar da Turma um julgamento em razão da provável derrota de seu posicionamento. Não afirmaram isso literalmente, mas, em bom português, esse era o contexto, tanto que Suas Excelências fizeram questão de dizer que estavam tecendo considerações para que historiadores possam, no futuro, estudar o que está acontecendo em nosso país, pelo fato de, novamente, um habeas corpus relacionado ao ex-Presidente Lula estar recebendo um tratamento muito inusitado dentro da lógica processual. Nesse contexto, o Ministro Edson Fachin sequer tentou justificar sua decisão e, principalmente, a sua postura de “afetar e desafetar, afetar e desafetar, o mesmo processo quatro vezes”, como ressaltado pelo Ministro Gilmar Mendes. O Ministro Fachin se limitou, em seu voto inicial, a afirmar sua suposta competência “discricionária” para tanto, nada dizendo, em réplica, que sua decisão não teria sido “arbitrária”, sendo depois criticado da forma citada, quedando-se em silêncio sobre tais críticas. Embora seja uma prática comum, de ausência de genuíno diálogo para se chegar a um meio comum, com cada Ministro(a) (e Desembargador/a em Tribunais inferiores) apenas defendendo sua posição sem tentar mostrar porque o(a) outro(a) estaria errado(a) em seu voto divergente, no presente caso consideramos que teria sido importantíssimo o Ministro Fachin ter defendido a racionalidade de sua posição. Como não o fez, parece-nos que, de forma tácita, concordou que não há fundamentação racional, por critérios de razão pública que justifique essa sua postura (razão pública no sentido de argumentação passível de aceitação por todas e todos, nos termos da doutrina de John Rawls[20]), restando apenas puro e inaceitável subjetivismo, por mais bem intencionado que seja – ou pelo menos é a impressão que passou (e, em se tratando do Professor e Ministro Luiz Edson Fachin, temos certeza que suas intenções foram as melhores).
Reitere-se e entenda-se, temos profundo respeito e admiração pelo Ministro Luiz Edson Fachin, renomado Professor de Direito que tem uma importantíssima produção em termos de uma Teoria Crítica do Direito Civil (e um Direito Civil-Constitucional) e um Ministro que tem sido importante em julgamentos sobre temas fundamentais de uma sociedade democrática, já que, notoriamente, democracia não é sinônimo de tirania da maioria, mas regime jurídico de respeito aos direitos humanos básicos de todas e todos, tradicionalmente previstos na Constituição e tratados internacionais de direitos humanos, mesmo minorias e grupos vulneráveis, que fazem parte do povo e, portanto, merecem igual respeito e consideração por isso, nos quais as maiorias definem os rumos jurídicos da Nação a partir de razões públicas, por passíveis de aceitação por todas e todos, sem poder, contudo, oprimir minorias, como sempre lembra o Ministro Barroso em sede doutrinária[21] e mesmo em seus votos perante o Supremo Tribunal Federal (também muito importantes na proteção constitucional de minorias e grupos vulneráveis). A saber, importantes posições, do Ministro Fachin, Relator deste caso, relativas à proteção constitucional contra discriminações de quaisquer naturezas de minorias e grupos vulneráveis (onde também louvamos a importância do Ministro Luís Roberto Barroso) e mesmo sobre direitos sociais, proferindo importantes votos, embora vencidos (o Ministro Fachin), contra a deforma trabalhista que o Congresso Nacional lamentavelmente aprovou. Não é séria uma postura progressista que lute por direitos sociais em geral, mas relegue a segundo plano os direitos de cidadania plena, à não-discriminação, de minorias e grupos vulneráveis, daí a importância de posicionamentos como os do Ministro Fachin. Contudo, não podemos concordar com sua postura neste caso concreto, pois é preciso respeitar o princípio da imparcialidade objetiva, não meramente subjetiva. Que fique explícito, não estamos acusando o Ministro Fachin de promover alguma espécie de “perseguição” ao ex-Presidente Lula, o Paciente do habeas corpus analisado no julgamento em questão. O que apontamos é que sua postura é violadora do princípio da boa-fé objetiva, enquanto proibitiva de comportamentos contraditórios, como ele mesmo apontou que a defesa alegra no agravo regimental em julgamento, embora ele e a maioria do STF tenham rejeitado tal argumento, a pretexto da suposta discricionariedade fortíssima, que na prática permite a arbitrariedade, que o STF lamentavelmente criou e/ou admitiu neste caso. Afinal, uma postura de “afetar e desafetar, afetar e desafetar, o mesmo processo quatro vezes”, sem nenhuma fundamentação jurídica que demonstre a estrita necessidade ou, ao menos, a defensabilidade racional deste proceder em um mesmo processo, algo notoriamente imposto legalmente (art. 315, §2º, do CPP e art. 489, §1º, do CPC), em concretização a imposição constitucional (art. 93, IX, da CF), é uma postura simplesmente incompreensível, caracterizadora de verdadeira arbitrariedade, com o que não podemos concordar.
Ressalte-se que os julgamentos que mencionamos, sobre defesa de direitos de minorias e grupos vulneráveis, frequentes vítimas de acusações equivocadas de “ativismo judicial” (sic, enquanto decisões que supostamente “usurpariam” a competência do Poder Legislativo), são pautados em uma interpretação construtiva do Direito, sem discricionariedade (e, portanto, não são “ativistas” no sentido pejorativo citado). Com efeito, entre outras decisões que também poderíamos citar e defender dogmaticamente: (i) reconhecer as uniões homoafetivas como famílias conjugais constitucionalmente protegidas pelo regime jurídico da união estável (STF, ADPF 132/ADI 4277 e ADI 5971) e do casamento civil (STJ, REsp 1.183.378/RS; CNJ, Resolução 175/2013; Corte IDH, OC 24/17) implica reconhecer a ausência de proibição constitucional à união entre pessoas do mesmo gênero (ausência de proibição esta sempre afirmada mesmo pela própria doutrina familiarista que nega sua proteção sem alteração da lei e/ou da Constituição) e aplicar a elas o conceito de família, o qual nunca esteve, em termos laicos, vinculado à procriação[22] – afinal, nas palavras do Ministro Gilmar Mendes naquele julgamento, o fato de a Constituição proteger a união estável entre o homem e a mulher não significa negativa de proteção à união civil ou estável entre pessoas do mesmo sexo (mas lacuna normativa, na tradicional lógica de lacuna ser uma situação não-regulamentada por regra aplicável por silogismo, mas também não proibida por nenhum texto normativo); (ii) reconhecer a óbvia constitucionalidade da Lei Maria da Penha (ADC 19)[23] e das cotas sociais e raciais, estas em favor de pessoas negras e grupos étnicos (ADPF 186 e ADC 41), implica no respeito ao princípio da igualdade material, que admite tratamento desigual a situações desiguais na medida de sua desigualdade (para superação de violências e discriminações históricas, estruturais e institucionais contra determinados grupos vulneráveis, que os grupos hegemônicos não sofrem); (iii) fundamento este que também justifica o reconhecimento do direito de pessoas transgênero alterarem seu prenome e sexo no registro civil independente de cirurgia, laudos e ação judicial, à luz do seu direito humano ao livre-desenvolvimento da personalidade, notoriamente incluído no núcleo de certeza positiva do princípio da dignidade da pessoa humana (STF, ADI 4275 e RE 670.422/RS; Corte IDH, OC 24/17, primeira parte)[24]; (iv) reconhecer a homotransfobia como espécie de racismo e integrante da interpretação literal dos crimes “por raça” (ADO 26 e MI 4733) implica respeitar o conceito constitucional de racismo social já reconhecido pelo STF em precedente anterior (HC 82.424/RS), que tem base na literatura antirracismo, que fala que o racismo não é um conceito social;[25] (v) reconhecer a inconstitucionalidade da proibição à doação de sangue por “homens que fazem sexo com outros homens”, respectivas parceiras e pessoas transgênero (STF, ADI 5543) significa apenas aplicar o princípio da não-discriminação e, assim, proibir um arbítrio discriminatório que adote o superado, por anacrônico, conceito social de “grupo de risco”; (vi) vedação do arbítrio à luz do princípio da não-discriminação que também justifica a proibição da discriminação das uniões homoafetivas na Previdência Social (Corte IDH, caso Flor Duque vs. Colômbia, 2016; STJ, REsp 238.715/RS e REsp 395.904/RS, ambos de 2006) e nas Forças Armadas (Corte IDH, caso Flor Freyre vs. Equador, 2016); (vii) fundamento este que também justifica as decisões pela inconstitucionalidade material da proibição do debate sobre gênero nas escolas, aliada à proibição de censura e ao direito fundamental de liberdade de expressão, de cátedra e de pluralidade de concepções pedagógicas de professoras e professores (STF, ADPF 457, 526, 460, 461, 465, 467 e 600 e ADI 5537, 5580 e 6038).
Como se vê, não defendemos essas decisões a luz de alguma espécie de “bom ativismo” (sic), por “discricionariedade” (sic), não queremos que relevantes julgamentos de princípio dependam de posicionamentos de política de juízes e juízas país afora. É preciso que haja fundamentação jurídico-constitucional que justifique as decisões judiciais, sempre.
Anote-se que não se pode concordar com a afirmação de Ministros e Ministras de que a Constituição não fala em Turmas do STF, mas no “STF”, para defenderem que o juiz natural é o STF e não suas Turmas. Ora, como destacado pelos Ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, a definição da competência das Turmas pelo Regimento Interno integra o conteúdo do princípio do juiz natural, sendo que não cabe ao Plenário rever decisões de suas Turmas, porque o STF é representado tanto pelo Plenário, quanto pelas Turmas, dentro de suas respectivas competências, regimentalmente definidas. E o Regimento Interno do STF foi recepcionado como lei pela Constituição Federal de 1988, como reconhece a jurisprudência do STF. Então, desrespeitar o Regimento Interno do STF implica em ilegalidade, e como ato com força de lei, a definição da competência das Turmas e do Plenário do STF integra o paradigma do princípio do juiz natural, como forma de se evitar julgamentos ad hoc, ora por Turma, ora pelo Plenário, conforme alguma conveniência de momento. O Regimento Interno do STF não pode ter força de lei apenas quando convier ao STF: ou é lei, ou não é.
Sem falar que, com todo o respeito, é teratológico permitir que da decisão do Plenário de uma Turma, haja qualquer submissão do tema a “referendo” do Plenário! Isso viola toda nossa história institucional e qualquer compreensão de razoabilidade, enquanto vedação de arbitrariedade. Fora que gerará algo que é muito sensível à magistratura em geral e, portanto, também ao STF: a postura estratégica da Advocacia de sempre fazer pedidos para que o(a) Relator(a) submeta decisão ao Plenário, quando entender que tem nele maiores chances de vencer o processo do que na Turma. À luz das regras da experiência ordinária que devem pautar os julgamentos em geral, especialmente à luz de fatos notórios (arts. 374, I, e 375 do CPC), é mais do que evidente que isso ocorrerá, gerando pelo menos mais uma petição e mais uma decisão da já insana quantidade de pedidos carentes de decisão que assolam o STF. Então, admitir “por princípio” (sic) que a Relatoria teria uma discricionariedade fortíssima, por implicar em arbitrariedade (ao menos no caso decidido), trará prejuízos institucionais ao próprio STF.
Nesse sentido, não faz sentido a afirmação dos Ministros Alexandre de Moraes e Roberto Barroso, ao afirmarem que se deve prestigiar a transferência da competência para o Plenário do STF sempre que possível. Não discordamos que o ideal é que o Plenário do STF se manifeste sobre temas relevantes da Nação e que o Tribunal deve ter uma postura institucional una, pois realmente não há “três STFs” (cada Turma e o Plenário). Contudo, se o Regimento Interno, com força de lei, define a competência das Turmas e as hipóteses em que são admissíveis afetações ao Plenário, essas regras legais devem ser respeitadas.
Aliás, não podemos concordar com a afirmação do Ministro Alexandre de Moraes segundo a qual as normas regimentais trariam restrições à deliberação do Plenário das Turmas em hipóteses taxativas, mas dariam uma liberdade maior ao(à) Ministro(a) Relator(a), que teria uma maior discricionariedade que o Plenário de sua Turma. Com todo o respeito, isso só pode ser considerado “defensável” à luz de uma espécie de “aguilhão semântico”, como diria (criticamente) Dworkin, uma espécie de formalismo cego avalorativo que fizesse interpretação isolada (“em tiras”, como diria criticamente o ex-Ministro Eros Grau), e não uma interpretação sistemática do Regimento Interno do STF (para ficarmos somente nele). Ora, se a Turma, que é “o mais”, está limitada por regras regimentais, afigura-se de todo arbitrário e, assim, descabido que o(a) Ministro(a) Relator(a), que é “o menos”, não esteja limitado(a) pela mesma lógica. Entendimento em sentido contrário merece a dura crítica da famosa frase de Carlos Maximiliano: o Direito deve ser interpretado de forma inteligente, a fim de que a lei não resulte em absurdo. Com todo o respeito, é teratológica, por absolutamente arbitrária, essa “exegese” puramente literal e assistemática defendida pelo Ministro Alexandre de Moraes neste tema.
Em suma, o paradigma de uma discricionariedade fortíssima, verdadeiro sinônimo de arbitrariedade, não é admissível em termos de teoria da decisão judicial em um Estado Democrático de Direito. Para todas as versões do que seria a forma correta de decidir, a partir do paradigma constitucional de processo, a postura do que julga tem de ser a de imparcialidade face às partes, mais afastamento do que “dizem as ruas” e, por fim, comprometimento apenas com o que é (re)construído pelas partes em juízo, seja quanto às particularidades do caso concreto seja quanto às pretensões a direito e ao que o Direito efetivamente estabelece. Não há espaço para surpresas, pois que estas violam o contraditório,[26] menos ainda espaço para “reviravoltas” movidas por razões que não se dão a conhecer e/ou que não se coadunam com a regularidade do procedimento. Uma boa teoria da decisão judicial se preocupa, assim, fundamentalmente, com a regularidade do procedimento, pois que é daí que a decisão retira sua força argumentativa – muito mais do que sobre o resultado. E este procedimento precisa ser certo, pré-definido e constitucionalmente adequado, conferindo às partes e ao julgador a confiabilidade de saber o que podem/não fazer e o que podem/não esperar uns dos outros – o que, por todo o exposto, não aconteceu no caso.
“O que garante a legitimidade das decisões são antes garantias processuais atribuídas às partes e que são, principalmente, a do contraditório e a da ampla defesa, além da necessidade de fundamentação das decisões. A construção participada da decisão judicial, garantida num nível institucional, e o direito de saber sobre quais bases foram tomadas as decisões dependem não somente da atuação do juiz, mas também do Ministério Público e fundamentalmente das partes e dos seus advogados”[27].
Até para teorias positivistas, não-exegéticas, a “discricionariedade” só deve ser admitida em “casos difíceis” (sic), aqueles nos quais não há uma regra – entendida enquanto texto normativo aplicável por silogismo –, que traga uma solução predefinida para a situação, bem como nas situações caracterizadas como “zonas de penumbra” (sic) de um texto normativo. O capítulo VII do livro O Conceito de Direito, de Herbert Hart, demonstra isso. Se já é assim para o positivismo jurídico, com muito mais razão deve sê-lo para perspectivas pós-positivistas, que busquem uma resposta correta, à luz do entendimento do Direito como um conceito interpretativo, que deve buscar nossa história institucional em sua melhor luz, em um romance em cadeia que, embora tenha que dar continuidade, com coerência, aos capítulos passados (dos precedentes), deve inovar nesta história institucional sempre que isso seja exigido pela integridade do Direito,[28] o que, neste caso, é a rejeição dessa discricionariedade fortíssima assustadoramente permitida pelo STF. É o que nos diria Dworkin, que indubitavelmente criticaria essa decisão do STF.
Entendemos, com Dworkin,[29] que a interpretação de direitos e garantias fundamentais consagrados em uma “linguagem extremamente ampla e abstrata” deve identificar os “princípios de moralidade política” que inspiraram a criação do dispositivo constitucional ou legal, para fins de definição de sua correta interpretação. Daí a famosa lição do autor, sobre interpretar o Direito na sua melhor luz, em uma leitura que insere a moralidade política no próprio âmago do Direito Constitucional e do Direito em geral. A história é um elemento essencial para esse projeto porque, para saber o que uma pessoa quis dizer quando disse alguma coisa, temos de saber algo acerca das circunstâncias em que ela se encontrava quando disse aquilo; para equalizar esse problema existe a coerência e a integridade. Contudo, como ensina o autor, a coerência pode perder o peso da verdade com o decorrer do tempo, quando deve ceder à integridade, para se aplicar corretamente o Direito vigente e em vigor na sociedade.
É o que entendemos ser necessário a uma interpretação constitucionalmente adequada das decisões judiciais em um Estado Democrático de Direito: abandonar-se a noção de “discricionariedade” na interpretação do Direito, especialmente uma discricionariedade fortíssima, que se confunde com arbitrariedade (mas mesmo uma discricionariedade forte), pela interpretação do Direito, enquanto governo de leis, não dever ter como decisiva a valoração pessoal do juiz ou da juíza, mesmo em casos em que não há regra que resolva de forma explícita e prévia determinado problema. Deve-se adotar o paradigma da interpretação construtiva do Direito (no sentido de Dworkin), em sua melhor luz, considerando-nos governadas e governados não só por regras que definem antecipadamente soluções apriorísticas (abstratas) a quaisquer casos concretos, mas também por regras que decorrem dos princípios que vigoram em determinado tempo e espaço, como demonstra Dworkin em Império do Direito.
“O direito, como sendo esse empreendimento coletivo de toda a sociedade, deve ser lido como um sistema único e coerente de princípios. Dworkin, então, defenderá o que denominou de leitura moral da Constituição, que de modo algum aponta para uma moralização do Direito ou para qualquer confusão entre Moral e Direito. Com isso, a interpretação do direito levanta exigências normativas de que todos no interior da sociedade sejam tratados com igual respeito e consideração”.[30]
“Afirmar que o juiz não está obrigado a manifestar-se sobre todos os pontos alegados pelas partes, mas somente sobre aqueles que entender necessários para o julgamento, não estaria em total desacordo com o próprio direito de defesa? De que adiantaria o esforço das partes para bem fundamentar suas alegações se o juiz, ao decidir, poderá escolher por se manifestar somente sobre aquelas que, segundo o seu entendimento, serão necessárias para o julgamento? Mas qual fundamento o juiz vai utilizar para justificar sua escolha em analisar determinadas alegações, enquanto outras deixará sem resposta? [...] Insiste-se na adoção da concepção do direito como integridade por uma questão de necessidade democrática, onde o dever do juiz de fundamentar suas decisões é simplesmente inegociável, especialmente quando se trata de normas tidas como imprecisas. O cumprimento desse dever é condição de possibilidade para a efetivação dos direitos fundamentais. Há que se lutar contra atitudes positivistas norteadas pelo paradigma da subjetividade e amparadas por standards jurídicos tais como o ‘livre convencimento do juiz’ ou a ‘livre apreciação da prova’, por vezes postos na lei e à disposição do juiz, para deles fazer uso conforme sua consciência. Diante dsesse contexto, destacam-se as inquietações suscitadas por Streck e Oliveira: ‘Disso, entretanto, decorre a seguinte pergunta: por que, depois de uma intensa luta pela democracia e pelos direitos fundamentais, enfim, pela inclusão nos textos legais-constitucionais das conquistas civilizatórias, continuamos a delegar ao juiz a apreciação discricionária nos casos de regras (textos legais) que contenham vaguezas e ambiguidades e nas hipóteses dos assim nominados ‘hard cases’? Por que o juiz tem ‘livre convencimento’? Volta-se, sempre, ao lugar do começo: o problema da democracia e da (necessária) limitação do poder. Discricionariedades, arbitrariedades, inquisitorialidades, positivismo jurídico: tudo está entrelaçado’. A ideia é que, a partir de todos os elementos que subsidiam o desenvolvimento de uma interpretação construtiva baseada na moralidade política, chegue o intérprete à melhor prática jurídica, sem mais deixar-se sucumbir à praticidade da adoção de atraentes normas como a do art. 155 do CPP. Há que se buscar os princípios que realmente dão substância ao sistema jurídico vigente e que são compartilhados em uma determinada comunidade, tudo através do melhor argumento que se possa oferecer para o caso. No então, não é isso que se tem visto na prática jurídica. [...] No julgamento do Agravo Regimental no Recurso Especial 2010/0145023-0, realizado em 01/12/2015, sob a relatoria do Ministro Nefi Cordeiro, a Sexta Turma do STJ decidiu pela ausência de violação ao art. 155 do CPP ‘uma vez que observado o princípio do livre convencimento motivado, em que o magistrado pode formar sua convicção ponderando as provas que desejar’. [...] Ao lançar um entendimento, supostamente decorrente do princípio do livre convencimento motivado, que confere ao juiz a liberdade de ponderar as provas que desejar para formar a sua convicção em um processo penal, o STF, na qualidade de sistematizador da jurisprudência, abre mais espaço para decisionismos. [...] A ausência de uma teoria da decisão permite que na prática jurídica nos deparemos com decisões desprovidas de fundamentação ou em que o juiz escolhe a alegação que será considerada no julgamento ou , ainda em que elege as provas que deseja ponderar para formar sua convicção, tudo isso com ‘fundamento’ no livre convencimento. É inegável que esse nefasto contexto abre amplo espaço para posturas de julgadores que primeiro decidem e, só depois, buscam (escolhem) as razões da decisão. [...] Por essa e outras razões, reiteramos nossa preocupação, com o problema da decisão penal com uma exigência democrática, dadas as consequências que pode trazer para o corpo e a alma das pessoas”.[31]
Portanto, se uma teoria constitucionalmente adequada ao texto e ao contexto de uma Constituição Dirigente em um Estado Democrático de Direito já não pode aceitar decisões judiciais “discricionárias”,[32] ainda que adotada a noção de discricionariedade como distinta de arbitrariedade (como entendemos ser o caso), sob pena de violação do princípio do devido processo legal substantivo e do princípio do contraditório substantivo, que consagra uma teoria constitucional do processo pela qual a decisão judicial não pode ser formada senão a partir de fundamentos expressamente debatidos pelas partes, com muito mais razão não se pode aceitar um conceito de “discricionariedade fortíssima”, por absoluta e que aceite decisões não-fundamentadas racionalmente à luz de razões públicas, como a infelizmente aceita pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento de agravo regimental no HC 193.726, ao aceitar como decisão “discricionária juridicamente válida” uma decisão de afetação e/ou desafetação ao Plenário do Tribunal ou da Turma sem a devida fundamentação para tanto. Afinal, a “exigência de uma resposta correta para proposições jurídicas é uma exigência de responsabilidade institucional”, pois “Nenhuma decisão judicial pode se pretender legítima se ela nem aos olhos do julgador nem diante do sistema de princípios ela pode ser justificada como a resposta adequada ao caso concreto”, razão pela qual Dworkin “exige coerência e integridade no exercício da função jurisdicional”,[33] algo positivado, no Brasil, pelo artigo 926 do Código de Processo Civil.
Assim, a interpretação construtiva do Direito é aquela que considera as especificidades do caso concreto analisado, já que não existe interpretação jurídica puramente “abstrata”, mas sempre vinculada às especificidades de casos concretos (ou das hipóteses concretamente analisadas), para as devidas distinções e mesmo superações de entendimentos anteriores. Por isso, não se pode concordar com a decisão do STF no caso em análise, porque aplicou um suposto padrão normativo, estandardizado, de “discricionariedade”, como supostamente permitido em qualquer caso concreto, independentemente das circunstâncias fáticas concretamente existentes, como a de “afetar e desafetar, afetar e desafetar, por quatro vezes”, como ocorrido neste caso, certamente não é o que foi previamente decidido pelo STF em sua jurisprudência, que nunca confundiu discriocionaridade com arbitrariedade. A vedação ao arbítrio é um princípio inerente ao Estado Democrático de Direito em geral e ao nosso Estado Democrático de Direito, consagrado pela Constituição Federal de 1988, de sorte que ele precisa ser considerado como padrão normativo de conduta nas decisões judiciais. Como isso não foi feito no presente caso, constatamos com tristeza que esse julgamento do STF não consagrou sequer uma visão de um “modelo de regras”, e (para piorar) interpretadas de formas isoladas (assistemática), sem serem influenciadas pelo mais basilar dos princípios de qualquer Estado Democrático de Direito, que é a vedação do arbítrio e mesmo a fundamentação adequada das decisões judiciais, sem a devida explicação de como essa postura de “afetar e desafetar, afetar e desafetar” seria passível de aceitabilidade racional por toda a sociedade, ou seja, qual seria a justificativa disso a partir de um parâmetro de razão pública, no sentido de John Rawls.
Notas e Referências
[1] Lenio Streck é um dos que mais tem bradado contra a possibilidade de discricionariedade no Judiciário – discricionariedade que aparece na forma de máximas nefastas como “julgou conforme a minha consciência”. Cf., e.g., STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência? 6ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2017.
[2] DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Nelson Boeira, São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2007, p. 51-53 e 109.
[3] DWORKIN, Op. Cit., p. 53-54.
[4] DWORKIN, Op. Cit., p. 435.
[5] HART, H. L. A. O Conceito de Direito. Tradução: Antônio de Oliveira Sette-Câmara. Revisão de tradução: Marcelo Brandão Cipolla. Revisão técnica: Luiz Vergílio Dalla-Rosa. SP: Martins Fontes, 2009, p. 167, 181 e 187.
[6] HART, Op. Cit., p 167, 181 e 187.
[7] TORRANO, Bruno. Democracia e Respeito à Lei. Entre Positivismo Jurídico e Pós-Positivismo, Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2015, p. 176-177.
[8] TORRANO, Bruno. Democracia e Respeito à Lei. Entre Positivismo Jurídico e Pós-Positivismo, 2ª Ed., Belo Horizonte: Ed. Lumen Juris, 2019, p. 211.
[9] TORRANO, Op. Cit. (2ª Ed.), p. 54, 56 e 380.
[10] DIMOULIS, Dimitri. Positivismo Jurídico. Teoria da Validade e da Interpretação do Direito, 2ª Ed., Porto Alegre: Ed. Livraria do Advogado, 2018, p. 158-159. Cite-se que discordamos, veementemente, da posição do autor, ao falar dos princípios jurídicos enquanto normas de “indeterminação proposital” (Ibidem, p. 163), bem como na sua tese de que “a interpretação só se realiza quando for possível identificar uma manifestação do autor da norma” (Ibidem, p. 163), em prol de um “interpretativismo moderado, realizado apenas nos espaços em que a densidade normativa é suficiente para permitir concretização volitiva” (Ibidem, p. 165). Certamente, não é a melhor forma de descrever os princípios, cuja impossibilidade de aplicação por silogismo sem prévia concretização interpretativa não pode permitir classificá-los desta forma. A forma como concebemos a interpretação do Direito é a exposta no final do artigo, à luz da interpretação construtiva do Direito, de Ronald Dworkin, sendo que o intuito da citação de autores positivistas é mostrar que a decisão do Supremo Tribunal Federal aqui analisada não se coaduna nem mesmo com um “modelo de regras”, sem princípios, propugnado por teorias sérias do positivismo jurídico.
[11] BUSTAMANTE, Thomas. A triste história do juiz que acreditava ser Hércules. In: OMMATI, José Emílio Medauar. Ronald Dworkin e o direito brasileiro. Coleção Teoria Crítica do Direito, Vol. 2, 2ª Ed., Belo Horizonte: Ed. Conhecimento, 2021, p. 387-388.
[12] HART, Op. Cit., p. 161: “Em qualquer grupo numeroso, as normas gerais, os padrões de conduta e os princípios – não orientações específicas transmitidas separadamente a cada indivíduo – constituem necessariamente o principal instrumento de controle social. Se não fosse possível transmitir, sem nenhuma orientação adicional, padrões gerais de conduta compreensivos para multidões de indivíduos – padrões que exigem deles certos comportamentos em determinadas circunstâncias –, não existiria nada do que hoje entendemos por direitos. Em consequência, o direito deve referir-se preferencialmente, embora não exclusivamente, a classes de pessoas e a classes de condutas, coisas e circunstâncias; e o êxito de sua atuação sobre vastas áreas da vida social depende de uma capacidade amplamente difusa de reconhecer certos atos, coisas e circunstâncias como manifestações das classificações feitas pelas leis”.
[13] Uma tal decisão viola o devido processo legal, o contraditório e o dever de fundamentação tais como expostos na Constituição, no CPC (arts. 9º a 11 e 489, §1º) bem como no CPP (art. 315, §2º).
[14] SANTOS, Antonio Jeová. Dano Moral Indenizável, 7ª Ed., Salvador: Ed. JusPodvim, 2019, p. 161-162.
[15] HART, Op. Cit., p. 161. O autor cita Zavala de Gonzáles, quando fala em não se poder ter uma confiança lisa e cega no juiz.
[16] “É recorrente à teoria positivista defender a ideia segundo a qual Hart, ao referir-se a regras jurídicas, não pretendia designar unicamente standards de ‘tudo ou nada’ que não podem entrar em conflito entre si e que carecem da dimensão de peso. Regras, para o seu pensamento, designam standards que são vinculantes em um sistema jurídico e que têm como função característica a orientação da conduta. Segundo os positivistas, Hart nunca apresentou um modelo exclusivo de regras taxativas ou aplicadas a lógica do tudo ou nada, nem expressa, nem implicitamente, especialmente porque fala de regras como normas generalíssimas, normas de escopo geral, com textura aberta. E nesse sentido, os princípios, em verdade, não seriam incompatíveis com o positivismo jurídico”. VERBICARO, Loiane Prado. Aspectos da Teoria do Direito de Wilfrid Waluchow. In: TORRANO, Bruno; OMMATI, José Emílio Medauar (coord.). O Positivismo Jurídico no Século XXI. Coleção Teoria Crítica do Direito, Vol. 5, Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2018, p. 240. Neste trecho, a autora relatou a tese de Wilfrid Waluchow, em prol de um positivismo inclusivo, em resposta à célebre crítica de Dworkin, na obra “Inclusive Legal Positivism”, sua Tese de Doutorado, publicada na forma de livro em 1994 e orientada por Herbert Hart.
[17] DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 287 et seq.
[18] BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco. BACHA E SILVA, Diogo. VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. STF viola igualdade com decisões diferentes sobre renúncia. Consultor Jurídico, 13.05.2014. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2014-mai-13/stf-viola-igualdade-decisoes-diferentes-renuncia-mandato. Acesso: 14.04.2021.
[19] O que resta do Direito quando um mesmo caso é afetado e desafetado várias vezes pelo mesmo julgador, de forma discricionária senão esperar o mesmo resultado fatídico que teve Josef K?
[20] RAWLS, John. O Liberalismo Político. Tradução: Álvaro de Vita, São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2016, p. XL-XLVII, 250-302 e 519-583.
[21] BARROSO, Luís Roberto. Ano do STF: Judicialização, ativismo e legitimidade democrática. In: Revista Consultor Jurídico, 22.12.2018. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2008-dez-22/judicializacao_ativismo_legitimidade_democratica>. Acesso: 12.04.2021. No mesmo sentido: BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo, 9ª Ed., São Paulo: Ed. Saraiva, 2020, p. 472-473: “A maior parte dos países do mundo confere ao Judiciário e, mais particularmente à sua Suprema Corte ou Corte Constitucional, o status de sentinela contra o risco da tirania das maiorias. Há razoável consenso, nos dias atuais, de que o conceito de democracia transcende a ideia de governo da maioria, exigindo a incorporação de outros valores fundamentais. [...] Um desses valores fundamentais é o direito de cada indivíduo a igual respeito e consideração, isto é, a ser tratado com a mesma dignidade dos demais – o que inclui ter os seus interesses e opiniões levados em conta. A democracia, portanto, para além da dimensão procedimental de ser o governo da maioria, possui igualmente uma dimensão substantiva, que inclui igualdade, liberdade e justiça. É isso que a transforma, verdadeiramente, em um projeto coletivo de autogoverno, em que ninguém é deliberadamente deixado para trás. Mais do que o direito de participação igualitária, democracia significa que os vencidos no processo político, assim como os segmentos minoritários em geral, não estão desamparados e entregues à própria sorte. Justamente ao contrário, conservam a sua condição de membros igualmente dignos da comunidade política. Em quase todo o mundo, o guardião dessas promessas é a Suprema Corte ou o Tribunal Constitucional, por sua capacidade de ser um fórum de princípios – isto é, de valores constitucionais, e não de política – e de razão pública – ou seja, de argumentos que possam ser aceitos por todos os envolvidos no debate. Seus membros não dependem do processo eleitoral e suas decisões têm de fornecer argumentos normativos e racionais que a suportem”. Grifos parcialmente nossos.
[22] VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. O STJ e a união homoafetiva. Da “sociedade de fato” à família conjugal. In: Revista de Direito da Faculdade Guanambi, 11.07.2020. Disponível em: <http://revistas.faculdadeguanambi.edu.br/index.php/Revistadedireito/article/view/294>. Acesso: 15.04.2021. VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Manual da Homoafetividade. Da Possibilidade Jurídica do Casamento Civil, da União Estável e da Adoção por Casais Homoafetivos, 4ª Ed., Bauru: Ed. Spessoto, 2021, cap. 12 (STJ) e 13 (STF) (4ª Edição no prelo).
[23] VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Da Constitucionalidade e da Conveniência da Lei Maria da Penha. In: Revista Jusnavegandi, março/2008. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/11030/da-constitucionalidade-e-da-conveniencia-da-lei-maria-da-penha>. Acesso: 15.04.2021.
[24] VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. O arco-íris cobriu as Américas! In: Justificando, 12.01.2018. Disponível em: <https://www.justificando.com/2018/01/12/o-arco-iris-coloriu-as-americas/>. Acesso: 15.04.2021.
VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. STF e TSE fazem História ao afirmar Cidadania de Transexuais e Travestis. In: Justificando, 02.03.2018. Disponível em: <http://www.justificando.com/2018/03/02/stf-e-tse-fazem-historia-ao-afirmar-cidadania-de-transexuais-e-travestis/>.
[25] VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. STF não legislou nem fez analogia ao reconhecer homofobia como racismo. In: Revista Consultor Jurídico, 19.08.2019. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2019-ago-19/paulo-iotti-stf-nao-legislou-equipararhomofobia-racismo>. Acesso: 15.04.2021. Desenvolvendo amplamente o tema: IOTTI, Paulo. O STF, a Homotransfobia e seu Reconhecimento como Crime de Racismo. Análise e defesa da decisão, Bauru: Ed. Spessoto, 2019 (livro físico e e-book; 2ª edição no prelo).
[26] NUNES, Dierle; THEODORO JR, Humberto. Uma dimensão que urge reconhecer ao contraditório no direito brasileiro: sua aplicação como garantia de influência, de não surpresa e de aproveitamento da atividade processual. Repro, v. 34, n. 168, fev. 2009, p. 107-142.
[27] CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo A. Direito Constitucional. BH: Mandamentos, 2002, p. 78-79. Como já dissemos noutro lugar, a decisão judicial “não pode ser produto de pura decisão (que o modifica aleatoriamente), deve reclamar para si a pretensão de racionalidade. Já que o Direito pretende legitimidade, não basta o factum da decisão judicial, é necessário que esta seja consistente, isto é, conforme o Direito Positivo (justificação interna) e racionalmente aceitável, isto é, fundamentada (justificação externa). (...) as normas procedimentais assumem, ao lado dos pressupostos pragmático-discursivos, um lugar central na teoria da argumentação habermasiana. Àquelas cabe, pois, não garantir a argumentação como tal, mas criar o ambiente que a possibilite ocorrer de forma livre (...). A resposta ‘correta’ não se relaciona diretamente com o conteúdo da decisão, mas com a observância da regularidade procedimental que levou à mesma (...). Habermas acredita que uma decisão judicial, além de ter de cuidar da qualidade dos argumentos, deve se preocupar com a estrutura do processo de argumentação. Pela própria condição em que se encontram os processos judiciais, há que estabelecer um procedimento tal que crie oportunidades iguais para o fomento de argumentos, livre de qualquer forma de coerção, a despeito de limitado procedimentalmente no tempo (...)” (BAHIA, Alexandre. A Interpretação Jurídica no Estado Democrático de Direito: contribuição a partir da Teoria do Discurso de J. Habermas. In: CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo A. (coord.). Jurisdição e Hermenêutica Constitucional. BH: Mandamentos, 2004, p. 301-357. Disponível em: http://abre.ai/bnsG).
[28] DWORKIN, Ronald. O direito de liberdade. A leitura moral da Constituição Norte-Americana. Tradução de Marcelo Brandão Cipolla, São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2007, p. pp. 02-05, 09-11, 14-16 e 26-27.
[29] DWORKIN, Ronald. O direito de liberdade. A leitura moral da Constituição Norte-Americana. Tradução de Marcelo Brandão Cipolla, São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2007, p. pp. 02-05, 09-11, 14-16 e 26-27.
[30] PEDRON, Flávio Quinaud. OMMATI, José Emílio Medauar. De que maneira a Administração Pública se vincula ao princípio da dignidade da pessoa humana? A resposta de um ‘ouriço’ sob os pressupostos do pensamento de Ronald Dworkin. In: OMMATI, José Emílio Medauar. Ronald Dworkin e o direito brasileiro. Coleção Teoria Crítica do Direito, Vol. 2, 2ª Ed., Belo Horizonte: Ed. Conhecimento, 2021, p. 207.
[31] PINHO, Ana Cláudia Bastos de. BRITO, Michelle Barbosa de. É possível controlar o livre convencimento motivado? Quando a falta de uma teoria da decisão transforma a discricionariedade em ‘princípio’. In: OMMATI, José Emílio Medauar. Ronald Dworkin e o direito brasileiro. Coleção Teoria Crítica do Direito, Vol. 2, 2ª Ed., Belo Horizonte: Ed. Conhecimento, 2021, p. 80-84.
[32] MOTTA. Francisco José Borges. Dworkin e a Decisão Jurídica Democrática: a leitura moral da Constituição e o novo Código de Processo Civil. In: OMMATI, José Emílio Medauar. Ronald Dworkin e o direito brasileiro. Coleção Teoria Crítica do Direito, Vol. 2, 2ª Ed., Belo Horizonte: Ed. Conhecimento, 2021, p. 237: “Nesses termos, da leitura moral das cláusulas constitucionais que conformam o devido processo legal (contraditório, dever de fundamentação das decisões judiciais etc) decorre que a legitimidade da imposição das decisões do Estado sobre as pessoas sob seu cuidado não pode conviver com escolhas discricionárias, infundadas e incoerentes. Para que a coerção estatal possa conviver com a democracia, as consequências de cada decisão vinculativa sobre a vida do seu destinatário devem ser consideradas tão importantes quanto as consequências dessa mesma decisão para a vida de todos os demais membros da coletividade. Mais: é preciso que se recolham, previamente a esta mesma decisão, os argumentos de princípio formulados pelos sujeitos que nela são imediatamente interessados. É necessário que se garanta a sua participação moral, que se respeitem as condições democráticas”. Lembre-se que se fala em leitura moral no sentido de princípios de moralidade política, de Dworkin, que notoriamente não abarca a chamada “moralidade convencional”, de moralismos sociais opressores.
[33] MEYER, Emílio Peluso Neder. Os direitos que temos: a tese da única resposta correta em Dworkin. In: OMMATI, José Emílio Medauar. Ronald Dworkin e o direito brasileiro. Coleção Teoria Crítica do Direito, Vol. 2, 2ª Ed., Belo Horizonte: Ed. Conhecimento, 2021, p. 172-173.
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