(IN)APLICAÇÃO DO CPC AOS PROCESSOS ADMINISTRATIVOS

16/09/2018

Coluna Advocacia Pública em Debate / Coordenadores Weber Luiz de Oliveira e José Henrique Mouta Araújo

O art. 15 do Código de Processo Civil inovou ao estabelecer que “Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente”.

O objeto de análise da coluna dessa semana é relativo à aplicação, ou não - por eventual inconstitucionalidade -, das disposições do CPC aos processos administrativos.

De início se constata que tal aplicação supletiva e subsidiária somente pode se dar na ausência de normas, tal como um diálogo das fontes[i] entre a lei processual civil e a lei que regule o processo administrativo para solução da questão jurídica instaurada na esfera da Administração Pública.

Importa esclarecer que supletiva é a aplicação da lei processual para complementar o que já é regulamentado pela lei administrativa; subsidiária é a aplicação do CPC quando inexistente regra no processo administrativo[ii]. Ou seja, a aplicação supletiva se dará na omissão parcial ou relativa; a subsidiária, na omissão total ou absoluta.

Nada obstante, com Zulmar Duarte deve-se advertir que “na aplicação supletiva/subsidiária não se pode transpor do Código, para os demais sistemas processuais específicos, regras que não se coadunem com o espírito da regulamentação processual em particular (trabalhista, eleitoral ou administrativo), naquelas hipóteses em que o silêncio é proposital, fruto de deliberada escolha de corte processual, e não ocasional. Deve existir compatibilidade do dispositivo transplantado com o ordenamento em que recebido, sob pena de ocorrer rejeição aquele”[iii].

Em âmbito federal vige a Lei n. 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que regula o processo administrativo da Administração Pública Federal, de modo que, em relação aos órgãos e entidades federais pode ser aplicado, supletiva e subsidiariamente, o CPC.

Situação distinta é concernente à aplicação em processos administrativos dos entes federativos estaduais.

Segundo Guilherme Sokal não se pode aplicar o CPC para tais processos administrativos em razão de ofensa ao princípio federativo. Pela lucidez da sua exposição colhe-se o seguinte excerto:

“Sob este pano de fundo, a decisão do constituinte de 1988 de adotar a forma federativa de estado, com a distribuição espacial de poder em múltiplos níveis, e atribuindo a cada um feixe próprio de competências materiais, traz em si, de forma lógica, a reserva aos ente políticos da disciplina do respectivo processo administrativo. Inexistindo regra expressa na Constituição para essa específica hipótese material de competência legislativa, tal conclusão decorre da conjugação dos arts. 18 e 25, caput, e § 1º, que compõem um sistema de afirmação do núcleo de autonomia federativa dos entes políticos, já que, como dito, legislar sobre processo administrativo é legislar sobre a forma de administrar”[iv].

O Estado do Rio de Janeiro, nesse particular, propôs ação direta de inconstitucionalidade contra o art. 15 nos termos defendidos por SOKAL, tendo sido autuada sob o n. 5492. Em 09.08.2017 o então Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, apresentou manifestação no sentido da constitucionalidade do art. 15 do CPC por inexistir afastamento de leis regionais ou locais, podendo haver aplicação da norma nacional na ausência daquelas normas.

Em consonância, contudo, com as razões aludidas na ADI colhe-se de artigo publicado em edição especial da Revista Síntese de Direito Administrativo acerca dos impactos do novo CPC no direito e processo administrativo:

“De fato, diante da importância de processo administrativo na construção democrática da atividade administrativa, privar a competência legislativa desse tema à esfera federal seria impedir o próprio funcionamento autônomo dos demais entes federativos.

Logo, em uma efetiva República Federativa, a União não poderia exigir que, em caso de omissão legislativa, a sua lei federal (leia-se, a sua forma de administrar) seja obrigatória para os demais entes. Isso porque o novel códex processual somente é uma lei nacional com relação ao processo jurisdicional (art. 22, I, da CRFB/1988). No âmbito do processo administrativo, diante da competência legislativa concorrente (art. 24, XI, c/c art. 30, II, da CRFB/1988), o CPC/2015 é uma lei federal e, em respeito à autonomia legislativa e administrativa dos demais entes federados, não pode ser imposto como norma supletiva ou subsidiária dos Estados, Municípios e Distrito Federal”[v].

Questão diversa é se o próprio ente federativo estadual ou municipal optar em dar aplicabilidade ao CPC em seus processos administrativos, como fez o Município de Porto Alegre ao estatuir na Lei Complementar n. 790, de 10.02.2016[vi], que aplicam-se subsidiariamente o Código de Processo Civil de 1973 e alterações posteriores, o Código Civil e a Lei de Acesso a Informação. Nesse sentido, o CPC será aplicado por disposição legislativa do ente que a editou, não da União, mantendo-se incólume as competências federativas.

Abstraindo destacada restrição constitucional defendida na ADI 5492, particularmente sobre a aplicação das normas fundamentais do processo civil dispostas nos arts. 1º ao 12, necessário dizer o óbvio, ou seja, que é evidente que se aplicam, não apenas porque estão descritas no CPC, mas em razão da normatividade decorrente do texto constitucional, especialmente art. 5º, caput, LIV e LV, LXXVIII, art. 37, caput, e art. 93, X

Relevante se mostra a adoção no processo administrativo da imposição de uniformidade das decisões administrativas, para que se mantenha sua jurisprudência “estável, íntegra e coerente”, nos termos do art. 926 do CPC.

Isso porque, uma vez que toda decisão é também manifestação de um poder estatal, esse deve tratar igualmente situações uniformes, vale dizer, a concessão de um beneficio fiscal a determinada empresa deve, de igual modo, ser estendida a outras empresas que preencham os mesmos requisitos; a inabilitação de empresa em processo licitatório deve ser aplicada às outras empresas em idêntica situação; as penalidades impostas a servidor público deve se basear em outras decisões anteriormente proferidas, para analisar a sua adequação e dosagem com os fatos e fundamentos então enquadrados.

Diversos institutos disciplinados na lei processual civil podem ser aplicados nos processos administrativos, podendo mencionar a título de exemplos: auxílio direto, capacidade processual e dos deveres das partes e dos procuradores, intervenção de terceiros, especialmente assistência, incidente de desconsideração da personalidade jurídica e amicus curiae, dos impedimentos e da suspeição, da comunicação dos atos processuais, da tutela provisória.

Assim, a aplicação do Código de Processo Civil aos processos administrativos é, em determinadas matérias, coerente com o ordenamento jurídico, contudo, na constatação de ofensa às competências federativas, mister que se verifique a compatibilidade do CPC em relação à eventual disciplina dos Estados, que têm competência para dispor sobra a forma de sua auto-organização, que também se dá pela forma com que procedimentaliza seus processos administrativos.

 

 

Notas e  Referências

[i] Termo utilizado no direito do consumidor, tendo sido objeto de estudo de Cláudia Lima Marques, com base na doutrina alemã de Erik Jayme, “significando a atual aplicação simultânea, coerente e coordenada das plúrimas fontes legislativas, leis especiais (como o CDC, a lei de seguro-saúde) e gerais (como o CC/2002), com campos de aplicação convergentes, mas não mais iguais” (Manual de direito do consumidor, 3ª ed., São Paulo: Editora RT, 2010, p. 108).

[ii] Nesse sentido, relacionado, contudo, ao processo trabalhista: MEIRELES, Edilton. O novo CPC e as aplicação supletiva e subsidiária no Processo do Trabalho, In, Novo CPC doutrina selecionada, v. 1: parte geral / coord. geral Fredie Didier Jr.; orgs. Lucas Buril de Macêdo, Ravi Peitoxo, Alexandre Freire, Salvador: Editora Juspodivm, 2015, pp. 585-590.

[iii] Comentários ao art. 15 do CPC, In, GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Teoria geral do processo : comentários ao CPC de 2015 : parte geral, São Paulo: Forense, 2015, p. 170.

[iv] O Novo CPC e o federalismo: perspectivas para a advocacia pública estadual, In, Fazenda Pública, coords. José Henrique Mouta Araújo, Leonardo Carneiro da Cunha e Marco Antonio Rodrigues, 2ª ed., Salvador: Editora Juspodivm, 2016, p. 197.

[v] A aplicação supletiva e subsidiária do CPC/2015 aos processos administrativos estaduais, municipais e distritais: uma análise crítica da ADI 5492/DF, In, Revista Síntese de Direito Administrativo, ano XII, n. 135, março/2017, p. 106.

[vi] Disponível em: http://www2.portoalegre.rs.gov.br/netahtml/sirel/atos/LC%20790. Acesso em 01.08.2018. A menção à referida lei foi extraída do artigo descrito na nota ‘iv’.

 

 

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