Impeachment e futebol: que time é teu?

03/04/2016

Por Marta de Oliveira Torres – 03/04/2016

Fui dar entrevista sobre direitos do consumidor e o entrevistador, para “quebrar o gelo” e emendar a conversa com a matéria anterior sobre o campeonato estadual, perguntou: “Qual seu time? Bahia ou Vitória?”. “CRB”, respondi. “Sou de Alagoas”. Mas é mentira, não sou CRB. Foi só para desapontar o entrevistador. Gosto de futebol, mas não dos patrocinadores dos times. Os mesmos das campanhas políticas. Afinal, trabalho com direito do consumidor. Por esse mesmo motivo, não sou nem a favor nem contra o impeachment. Muito pelo contrário.

As pessoas acordam, tomam seu café ácido cheio de agrotóxico, comem pão feito de farinha de trigo indigesta, ovo de galinha de granja cheia de antibiótico e hormônio, açúcar cancerígeno derivado dos latifúndios escravocratas em Estados miseráveis, sal para aumentar um pouquinho ainda a pressão, queijo feito de leite de vaca mal tratada, alimentada com ração de cereais transgênicos e confinada em uma indústria de extração de leite e então continuam seu dia assistindo às notícias da televisão e lendo sobre política. Depois, já envenenadas, vem querer saber a opinião umas das outras: “impeachment, qual a cor de seu time?” Meu time acha que a Constituição Federal de 1988 é uma caixa de morangos vendida em um supermercado: os objetivos, princípios, direitos e garantias fundamentais ficam convidativamente destacados por cima, todavia, por dentro está cheia de morangos contaminados por pesticidas e já podres por baixo. Essa engrenagem de poder institui uma representatividade que não me representa. Não acredito nem em urna eletrônica, basta pensar um pouquinho: onde há urna eletrônica no mundo? Como está esse povo? Rico? Próspero? Feliz? O que comem essas pessoas?

E você, tem fome de que?

Essa semana uma advogada baiana, "correspondente de um grande escritório de advocacia paulista", disse que seu escritório tem acesso a documentos do sistema interno de bancos estaduais já fechados há anos, assim os consumidores teriam como comprovar seu direito às diferenças dos planos econômicos. Disse que o escritório comprou os dados de um ex-funcionário do banco, que, demitido, fez cópia do sistema. A pergunta é: ladrão que rouba ladrão ganha cem anos de perdão? Os dados sigilosos de milhares de consumidores nas mãos de escritórios de advocacia assim, de boa? Ela ainda pediu para que eu a encaminhasse os coitados dos consumidores assistidos pela Defensoria que, sem lenço nem documento, não conseguem comprovar os valores de suas cadernetas de poupança que tinham há 20 anos. A advogada só faltou me oferecer propina, aliás, propina não, apenas uma “gratificação pela colaboração em encaminhar clientes para ela”. Isso em sala de audiência, sorridente, na frente de juiz, servidora, estudante de Direito, achando que estava me contando uma vantagem. Algo muito natural nesse país. Era como se ela trabalhasse para um escritório de advocacia "esperto". País dos que dão um jeitinho.

Confesso que, quando a advogada saiu, eu e o juiz não sabíamos o que fazer. Ela realmente achava que não era nada demais o escritório dela ter acesso aos dados dos bancos. Isso "facilitava" a defesa de direitos dos consumidores. Para ela, os fins justificavam os meios. Se não for desse jeito, não há como o consumidor comprovar seu direito. Tudo difícil de entender nesse país.

O que me assustou foi a naturalidade. Se a pessoa tem uma visão utilitarista da vida, dá até para ter inveja de não ser desse escritório que ficará milionário com essas ações, já que mais ninguém tem acesso a esses documentos. Brasil é para espertos.

Isso é direito do consumidor. É sistema bancário, financeiro. E se fosse o sistema que controla o poder econômico do país inteiro? E se fosse a organização administrativa de todo um país continental como o Brasil? Quem tem a senha desse sistema?

Live and let die. Welcome to the jungle.


Marta de Oliveira Torres2. Marta de Oliveira Torres é Defensora Pública do Estado da Bahia, atriz no Teatro Fórum Rui Barbosa, fotógrafa, poetiza, mestra em Relações Sociais e Novos Direitos pela UFBA. . .


Imagem Ilustrativa do Post: Norway-England // Foto de: John Christian Fjellestad // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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