II Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política. O futuro do Constitucionalismo: A construção da Democracia Constitucional

01/12/2015

Por Tiago Gagliano Pinto Alberto - 01/12/2015

Olá a todos!!!

Na semana dos dias 23 a 27 de novembro de 2015, em Belo Horizonte, realizou-se o II Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política, no Auditório da Escola Superior Dom Helder Câmara. A coordenação científica do evento ficou por conta do Professor Dr. Thomas da Rosa de Bustamante, tendo havido a participação de palestrantes brasileiros e estrangeiros, todos com o objetivo de discutir questões atuais e profundas do direito, política e, principalmente, constitucionalismo democrático.

O evento, em que pude figurar como participante, foi muito mais do que excelente. Incrível imaginar a difusão de ideias entre juristas nacionais e provenientes de vários países estrangeiros; o debate franco e aberto, por vezes acalorado; a dinâmica circulante das ideais que o evento propiciou; e, principalmente, no que toca a esta coluna, o cada vez mais evidente enquadramento das questões mais polêmicas do universo jurídico no âmbito da filosofia e teoria geral do direito. Esta foi, decerto, a tônica de diversas conferências e, ainda, de grande parte dos grupos de trabalho em que tive a ocasião de participar, apresentando resumo, ou na qualidade de ouvinte.

Assim é que nesta semana utilizarei desta coluna para trazer ao leitor um vislumbre das ideias contidas em algumas palestras, assim como seus defensores. Imagino que desta maneira poderemos todos compartilhar um pouco do que foi discutido e, claro, pensar a respeito. Evidentemente, não abordarei a temática figurante em todas as conferências e tampouco empreenderei resenha crítica acerca do que fora abordado. Ao contrário, pretendo apenas descrever um pouco do que ouvi e, com isso, viabilizar o fluxo de pensamento também entre os leitores.

A Professora Dra. Kátia Kozicki, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), em conferência com o tema “Construindo a Constituição nas trincheiras da Democracia radical”, observou que a tensão entre o constitucionalismo e democracia representa a tensão entre abertura e fechamento do sistema. A Democracia, entendida como democracia radical implica reconhecimento, inclusive no que toca ao outro e à existência de conflitos que não comportam soluções, a não ser compatibilização e alteridade. A Democracia acontece com a despersonificação do poder, sendo certo que o que caracteriza a soberania popular é o discurso público sempre sujeito a mudanças. Para a Professora, a democracia deve questionar a si mesma a todo o tempo, de modo que o direito e os direitos estão sempre sujeitos a uma abertura intrínseca. As respostas serão sempre provisórias e em menor número do que as questões que essas próprias suscitam. Nessa linha, verifica-se a contenção da democracia através do constitucionalismo, ocorrendo que o direito assume importante papel no sentido de se tornar um instrumento viabilizador da própria democracia, além de um norte para a atividade política. A democracia tem um valor moral em si mesma. Ambos, democracia e direitos liberais, encontram-se em posição de simetria. Ressalta a existência de um "paradoxo da democracia constitucional", destacando que jamais será alcançado o equilíbrio entre democracia e constitucionalismo; mas, por outro lado, a legitimidade democrática da Constituição implica reconhecer a sua abertura para transformação, mesmo porque a Constituição é texto e, como tal, também demanda interpretação.

O Professor Roberto Gargarella, da Universidad de Buenos Aires e Universidad Torcuato di Tella, em conferência intitulada “Constitucional Interpretation in a Community of Equals”, critica o fato de que, conquanto tenhamos a lei como produto da razão, a interpretação judicial diversa acerca do texto legal vem gerando uma pluralidade de sentidos que altera o padrão de razão da norma. Descreve duas visões da interpretação jurídica: 1) originalismo, que sugere olhar para o passado e, por isso, revela conservadorismo; e 2) a interpretação constitucional, em que o presente e o futuro deverão ser o foco. Assinala, contudo, que o panorama é muito mais complexo do que apenas a divisão da questão em duas correntes, mesmo porque o originalismo também pode gerar discricionariedade. Gargarella acredita que a interpretação deve ser entendida sob uma perspectiva dialógica, eis que todos somos iguais. Assim é que devemos pensar o Constitucionalismo como algo vivo, baseado em diálogo, conversa. Sustenta, assim, que o direito deve ser obedecido simplesmente porque concordamos, não por medo de eventual punição. A lei, neste prisma, está correlacionada com o ônus argumentativo; obedecemos porque isto nos abrevia tempo, não em virtude de ato de poder. Compreende que as instituições atuais não se encontram preparadas para incrementar o diálogo, mas sim para “institucionalizar” qualquer problema, o que, em sua visão, representa o maior de todos problemas que o constitucionalismo enfrenta atualmente.

O Professor Klaus Günther, da “Goethe-Universität Frankfurt am Main”, em conferência com o título “Divided Sovereignty, National Constitucion, and Legal Community”, sustentou que a soberania encontra-se atrelada, atualmente, aos direitos humanos, o que demanda uma coordenação internacional que evite ataques terroristas ou desastres nacionais. O ponto principal da palestra, contudo, é a idealização da soberania que enseje a existência do que chama de “homem europeu”, oriunda desta soberania dividida. Para o Professor, a construção de uma nacionalidade local é tão infundada quanto a construção da "nacionalidade europeias". Assim, não haveria qualquer problema em ser concebida esta noção de "homem europeu", em cujo centro está a concepção dos direitos humanos.

Em linha aproximada fora a conferência do Professor Jorge Luís Fabra Zamora, da McMaster University, sustentando a constitucionalização internacional do direito. Partindo da premissa da constitucionalização como uma prática social, postula a legitimidade de uma Constituição global, pautada na prática, ou, diria eu, na razão prática. A tese é discutida sob o ponto de vista da legitimidade, da democracia e, ainda, dos ângulos fáticos e normativos, tendo seu proponente apresentado, ao cabo do trabalho, as seguintes conclusões: i) é possível sustentar um constitucionalismo global como forma de prática constitucional global; ii) a falta de validação democrática não proscreve, de imediato, a falta de legitimidade da Constituição global, eis que existem outros critérios a fornecer, prima facie, razões para obedecer a um arranjo constitucional. Ressalta, por fim, que a Constituição global que propõe não é um conjunto de normas, mas uma prática social complexa que busca a estabilidade. Esta prática estaria legitimada por critérios diversos dos usuais para a Constituição “doméstica”, nacional, de cada país.

Outros conferencistas apresentaram valiosas contribuições, entre eles figurando: José Rodrigo Rodríguez, Marcelo Neves, Horário Spector, Kenneth Einar Himma, Andityas Soares de Moura Costa Matos, Antônio Gomes Moreira Maués, Thomas da Rosa de Bustamente, Dimitrios Kyritisis, Richard Bellamy, Juliano Zaiden Benvindo, entre outros.

Obviamente, neste espaço não seria possível apresentar sequer fragmentos, ou excertos, do rico conteúdo verberado por cada palestrante. Dessa forma, optei por eleger alguns e trazer ao leitor pequena parte do que sustentaram. É uma espécie de “água na boca”.

Sugiro fortemente, a quem não participou do II Congresso Internacional de Direito Constitucional e Filosofia Política neste ano de 2015, que o faça em 2016. Falar que o evento foi extraordinário seria bem pouco comparado ao que pude verificar nos dias em que estive presente na Escola Superior Dom Helder Câmara, em Belo Horizonte.

Palmas aos organizadores!

Um grande abraço a todos. Compartilhe a paz!


thiago galiano

Tiago Gagliano é Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Professor da Escola da Magistratura do Estado do Paraná (EMAP). Professor da Escola da Magistratura Federal em Curitiba (ESMAFE). Coordenador da Pós-graduação em teoria da decisão judicial na Escola da Magistratura do Estado de Tocantins (ESMAT). Membro fundador do Instituto Latino-Americano de Argumentação Jurídica (ILAJJ). Juiz de Direito Titular da 2ª Vara de Fazenda Pública da Comarca de Curitiba.


Imagem Ilustrativa do Post: Chelsea Modern // Foto de: Lauren Manning // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/laurenmanning/3838282226/

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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