Execução: há esperança! (NCPC, art. 139, IV)

29/08/2016

Por Quitéria Péres - 29/08/2016

Incrível pensar que tantos esforços são envidados na tarefa de prolatar uma decisão de mérito, porém idêntica ênfase nem sempre é conferida à fase subsequente, justamente aquela que se presta a alcançar a efetividade do direito então reconhecido. Refiro-me ao processo de execução, genericamente considerado, portanto tanto em relação à execução fundada em título executivo judicial (fase de cumprimento da sentença), quanto à fundada em título extrajudicial.

Receio que tenhamos nos conformado com o insucesso das propaladas promessas de satisfação e efetividade. De certo modo, é compreensível que isso tenha ocorrido, afinal temos presenciado inúmeras medidas sendo implementadas na busca de bens penhoráveis sem que se tenha, ao final, o esperado sucesso. São frustrantes histórias abrigadas em processos que, em sua avançada fase, deixam os escaninhos dos cartórios judiciais para lotarem outra sala, a dos arquivados administrativamente, onde ficam até quando, não havendo mais tempo hábil para um suspiro de esperança, resultam extintos pela prescrição intercorrente.

O legislador, por certo, não deixou de perceber este cenário, tanto que, mesmo após as impactantes reformas que promoveu no velho CPC/1973 (por meio das Leis n. 11.232/05 e 11.382/06), registrou na exposição de motivos do novo CPC, a seguinte ponderação: “Um sistema processual civil que não proporcione à sociedade o reconhecimento e a realização dos direitos, ameaçados ou violados, que têm cada um dos jurisdicionados, não se harmoniza com as garantias constitucionais de um Estado Democrático de Direito.” E, adiante, desabafou: “Sendo ineficiente o sistema processual, todo o ordenamento jurídico passa a carecer de real efetividade. De fato, as normas de direito material se transformam em pura ilusão, sem a garantia de sua correlata realização, no mundo empírico, por meio do processo. Não há fórmulas mágicas.” [1]

De notar que, enquanto a Constituição Federal dispôs, no inciso LXXVIII do art. 5º, que: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”, o NCPC fez questão de direcionar tal promessa também ao processo execucional, tanto que fez constar, em seu art. 4º que “as partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.”

Nem só de promessas vive o homem. Elas, por certo, alimentam nossa esperança, mas somente sua concretização, no mundo empírico do processo - como disse o próprio legislador na exposição de motivos antes referida - é que proporcionará a convicção de que fora atendida. Todos, operadores do direito e jurisdicionados, indistintamente, ansiamos fervorosamente por isso.

Pois bem. Neste túnel que parecia demasiadamente escuro, o legislador acendeu uma luz, a qual talvez não consiga iluminar tudo o que precisa, mas, por certo, poderá aclarar a direção de muitos processos rumo a esperada efetivação do direito. Muitos ainda não a perceberam. Outros, mesmo a vislumbrando, não a considerarão. Refiro-me às possibilidades veiculadas no inciso IV do art. 139 do NCPC. Ao enumerar os poderes-deveres do juiz (comando anteriormente previsto no art. 125 do CPC/1973), constou que incumbe ao juiz “determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”.

Como se percebe, novamente o legislador fez importante ressalva esclarecedora ao final do dispositivo quanto à sua abrangência, tendo deixado claro que tal comando também se aplica às obrigações pecuniárias não satisfeitas (âmbito no qual se insere a grande maioria dos processos execucionais).

Tem-se, com isso, importante alternativa processual conferida, inclusive como poder-dever, ao juiz para que, após observados os atos procedimentais regulares, caso resultem sem sucesso, implemente tais medidas excepcionais em prol do cumprimento da obrigação. Noutras palavras, para cada modalidade de execução, será devida a adoção das medidas previstas para a espécie, as quais deverão ser observadas à luz do princípio da tipicidade e adequação dos meios executivos. Como exemplo, na fase de cumprimento definitivo da sentença que reconhece a exigibilidade da obrigação de pagar quantia certa, será o devedor intimado para efetuar o pagamento do débito no prazo de 15 (quinze) dias (NCPC, art. 513, §2º), sob pena de multa de 10% (dez por cento) sobre o valor do débito (NCPC, art. 523, §1º), além de honorários sucumbenciais no mesmo percentual. Decorrido tal prazo sem a satisfação da obrigação, terá lugar a penhora dos seus bens como forma de resguardar a garantia do juízo. Caso não sejam encontrados bens penhoráveis, será o devedor intimado para indicá-los, advertido de que sua conduta, inclusive omissiva, poderá ser considerada atentatória à dignidade da justiça (NCPC, art. 774, inc. V). Outrossim, caso a tramitação processual alcance tal adiantado momento sem que tenham sido encontrados bens penhoráveis e, concomitantemente, haja indícios de que referido contexto não retrate a realidade patrimonial do executado, passa a ser possível a flexibilização do princípio da tipicidade dos meios executivos, antes referido. Isso ocorrerá sempre que, apesar de não serem encontrados bens penhoráveis, o devedor ostente padrão de vida incompatível com aludida escassez financeira, a exemplo da ampla veiculação em suas redes sociais de fotografias ilustrando constantes viagens ao exterior. Em tal caso, uma medida coercitiva adequada às circunstâncias do caso e potencialmente eficiente seria a apreensão do passaporte do devedor. Outra possibilidade, em tese, seria a intimação do devedor para efetuar o pagamento, sob pena de multa de 10% (dez por cento) também nos casos de execução fundada em título extrajudicial. Eis mais alguns exemplos citados pela doutrina[2]: indisponibilidade de bens móveis e imóveis, proibição de efetuar compras com uso do cartão de crédito, suspensão da habilitação para dirigir veículos. Todos retratam medidas coercitivas, por constituírem, de fato, o modo mais usualmente aplicado no cotidiano forense para tentar coagir o devedor a cumprir a obrigação, o qual se baseia na ameaça da imposição de uma sanção. Contudo, para além desta medida, há outras igualmente aventadas pelo dispositivo legal mencionado (art. 139, IV), a saber: injuntiva, por meio da qual se busca oferecer ao devedor uma vantagem, incentivando-o a cumprir a obrigação (alternativa cuja aplicabilidade se afigura mais difícil por não se poder dispor de direito alheio, como um abatimento do débito, a menos que o credor com isso consinta); mandamental, mais comumente aplicada ás obrigações de fazer ou não fazer de natureza infungível, cuja aplicabilidade se afigura excepcional porquanto baseada na advertência de que eventual descumprimento acarretará na prática de crime de desobediência; e, ainda, sub-rogatória, caso em que o poder estatal toma o lugar do obrigado de modo que sua ação o substitui no cumprimento da obrigação, como quando busca e apreende o bem e o entrega ao credor, o mesmo se podendo dizer do ato por meio do qual obtém recursos financeiros e o disponibiliza ao exequente ou que supre a anuência na transferência da propriedade. Como se percebe, em que pese a tipicidade das medidas executivas tenha sido flexibilizada, persiste vigente a exigência quanto à adequação do meio execucional empregado. A propósito, seria razoável concluir que, esgotadas as vias regulares (regidas pela tipicidade dos meios executivos), poderá o juiz, de ofício ou a requerimento da parte, adotar estas outras medidas, desde que necessárias e adequadas ao caso respectivo, para o que se considerará a perspectiva de efetividade à luz das demais circunstâncias observadas. Logo, por via oblíqua, entende-se que resultaria afastada a aplicabilidade de qualquer destas medidas se não fosse vislumbrada a possibilidade de sucesso no resultado que se pretende, por tal meio, alcançar. Exemplo disso seria a hipótese em que restasse demonstrado que o inadimplemento decorre da real inexistência de patrimônio, caso em que eventual aplicação de medida coercitiva constituiria injustificada onerosidade e, por isso, afrontaria os direitos do devedor, já que o processo não se presta a servir de instrumento de vingança. Por certo, o melhor resultado possível da aplicação desta nova previsão legislativa decorrerá da conjugação de dois fatores: de um lado, o consciente comprometimento do operador do direito em relação ao objetivo de assegurar as condições necessárias para que o processo constitua meio hábil para alcançar a efetivação do direito, representado também pelo cumprimento das decisões judiciais; e, de outro, a sensata análise das circunstâncias do caso concreto, justamente para perceber se há impossibilidade de cumprimento da obrigação ou se, diversamente, o que há é apenas a deliberada intenção do devedor em descumpri-la. Quiçá o exercício deste discernimento possa proporcionar o descortinar, ainda que discreto, de um cenário um pouco mais auspicioso ao processo de execução. Que assim seja, afinal, uma luz no final do túnel é sempre um prenúncio de esperança.


Notas e Referências:

[1] https://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf

[2] MEIRELES, Edilton. Medidas sub-rogatórias, coercitivas, mandamentais e indutivas no Código de Processo Civil de 2015. In.: DIDIER JÚNIOR, Fredie (Org. Geral). MACEDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi; FREIRE, Alexandre. Coleção Novo CPC. Doutrina Selecionada. Vol. 5/Execução. Salvador: Juspodivm, 2016, pp. 197-200.


quiteria-peresQuitéria Tamanini Vieira Péres é Graduada em Direito (FURB - Universidade Regional de Blumenau). Concluiu os Cursos de Pós-Graduação “lato sensu” em: (1) Direito Civil (UNIVALI); (2) Direito Penal e Processual Penal (FURB) e (3) Gestão e Controle no Setor Público (convênio UDESC/ESAG/TJSC). Concluiu o Curso de Mestrado, área de concentração: instituições jurídico-políticas (UFSC). Ingressou na Magistratura do Estado de Santa Catarina em 1998, tendo atuado, como titular, nas comarcas de Rio do Oeste, Jaraguá do Sul, Brusque, encontrando-se atualmente lotada em Blumenau desde julho de 2009 (na 1a Vara Cível). Atualmente, é Juíza Eleitoral, respondendo pela 3ª Zona Eleitoral de Blumenau. Lecionou na FAE, FURB, UNIFEBE e UNERJ e também na Escola da Magistratura deste Estado (Capital e extensões de Joinville, Blumenau, Rio do Sul, Itajaí, Tubarão, Lages e Bal. Camboriú), na área de Direito Processual Civil. É professora, também, da Academia Judicial (vinculada ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina). É autora do curso online sobre Sentença Cível Descomplicada, disponível no site da Livraria Concursar (livrariaconcursar.com.br)..


Imagem Ilustrativa do Post: Arquivo próprio // Foto de: Quitéria Tamanini Vieira Péres // Sem alterações
O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.
 

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