Ética no exercício da advocacia e da consultoria jurídica empresarial ambiental

28/12/2016

Por Marcelo Buzaglo Dantas e Fernanda de Oliveira Crippa - 28/12/2016

O termo “ética” advém do grego “etos”, ou “ethikos”, e significa “costume”, “propriedade do caráter”, estando diametralmente atrelado a direitos, mas, também e especialmente, a deveres.

Especificamente quanto ao exercício do Direito, através da advocacia, a ética está interligada a uma conduta profissional (deontológica, pragmática), um agir dentro dos “padrões convencionais”, socialmente aceitos; é um dos meios pelo qual o “múnus” atinente à profissão deve ser prestado, de modo a velar pela moral, prestígio, perfeito desempenho técnico da função, etc.

Fala-se em um “múnus público”, muito embora o exercício da advocacia seja exercido, não raro, de modo a zelar pelo interesse particular (cliente), tendo enraizado em sua essência um cunho social, de Justiça social.

A história do Direito sempre esteve ligada à solução de controvérsias em uma sociedade em progresso/desenvolvimento, eclodindo a figura do advogado como aquele cuja função seria a de resolução dos novos conflitos e/ou conciliação, em busca da Paz e da Justiça.

E de fato assim o é.

Gisela Gondin Ramos, comentando o estatuto da advocacia, explica que, muito embora “(...) se diga sempre que a advocacia é uma profissão liberal o termo não significa que seja ela exercida no interesse privado, exclusivamente, porque acima dele está o serviço da Justiça” (Estatuto da Advocacia: comentários e jurisprudência selecionada – Florianópolis, OAB/SC Editora, 2003, fl. 60). E continua:

O advogado é um profissional liberal, no sentido de que “ele trabalha com a sua palavra – oral ou escrita – com seus dons de exposição e de persuasão, com seus conhecimentos jurídicos”, e, neste aspecto, sua independência é absoluta.

Assim, a atuação do advogado, para o seu cliente, se dá com relação a um interesse privado. Mas esta mesma atuação tem por escopo a realização da Justiça, que é um interesse social. Ou seja, quando exerce suas atividades, o advogado atende a um interesse da própria sociedade, posto que a sua participação é fundamental para que se faça a Justiça por todos buscada. Daí dizer-se que o advogado exerce um ‘munus público’ (idem).

E é a fim de alcançar esse “ideal de Justiça”, essa “democracia social”, que o advogado do século XXI deve, cada vez mais, reafirmar suas concepções éticas, sobretudo em uma sociedade que evolui rapidamente, modifica-se constantemente, e, vez ou outra, corrompe-se, caminhando na contra-mão das boas condutas.

Essa ética está atrelada em saber, o profissional do direito, adequar-se às novas realidades, saber guardar pelo aperfeiçoamento da ordem jurídica de modo a garantir estabilidade à sociedade futura; é aplicar e difundir um “novo direito” sem se distanciar de velhos preceitos de moral e Justiça.

A transformação da sociedade ao longo dos tempos trouxe e traz constantes mudanças: crescimento demográfico; evolução do pensamento, da ciência humana/tecnológica/ideológica/política; desenvolvimento econômico; proliferação das cidades (grandes centros urbanos), dentre tantas outras.

É princípio da evolução humana que assim o seja. E o Direito, como sói evidente, tem o dever de acompanhar essas progressões e se adequar a elas.

Neste sentido, concebe-se a Ciência Jurídica como uma ciência dinâmica, que evolui constantemente a fim de se adequar a cada momento histórico; à necessidade de cada civilização, de cada cultura. E é através dessa dinamicidade que novos direitos vão surgindo.

Nos dizeres de Bobbio, os direitos não surgem “todos de uma vez”; nascem “quando devem ou podem nascer. Nascem quando o aumento do poder do homem sobre o homem – que acompanha inevitavelmente o progresso técnico, isto é, o progresso da capacidade do homem de dominar a natureza e os outros homens (...)” (A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 6). E prossegue:

Em um dos ensaios, “Direitos do homem e sociedade”, destaco particularmente a proliferação, obstaculizada por alguns, das exigências de novos reconhecimentos e de novas proteções na passagem da consideração do homem abstrato para aquela do homem em suas diversas fases da vida e em seus diversos estágios. Os direitos de terceira geração, como o de viver num ambiente não poluído, não poderiam ter sido sequer imaginados quando foram propostos os de segunda geração, do mesmo modo como estes últimos (por exemplo, o direito à instrução ou à assistência) não eram sequer concebíveis qu ando foram promulgadas as primeiras Declarações setecentistas. Essas exigências nascem somente quando nascem determinados carecimentos. Novos carecimentos nascem em função da mudança das condições sociais e quando o desenvolvimento técnico permite satisfazê-los (Op. Cit., p. 7).

Com efeito, no campo do Direito Ambiental, tem-se que a percepção de uma “natureza finita” passou a ter relevância apenas no século passado. Antes disso, noções de um “meio ambiente ecologicamente equilibrado”, “desenvolvimento sustentável”, etc. não faziam o menor sentido.

A degradação do ambiente não era algo concebível, palpável. Não se tinha essa noção. Essas atitudes “degradadoras” estavam ligadas à falta de conhecimento humano; à ignorância:

Dando azo à ideia de que novas exigências, novos direitos, nascem em “função da mudança das condições sociais e quando o desenvolvimento técnico permite satisfazê-los” (BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Op. cit., p. 6/7), consagrou-se no Brasil e no mundo um direito de terceira geração: o meio ambiente equilibrado como direito fundamental, conforme já o atestou o c. STF (ADIN n. 3.540/DF, Rel. Min. Celso de Melo).

Ainda que já concebido muito antes, foi com a Constituição Federal de 1988 que o meio ambiente elevou-se à garantia de índole fundamental. Para Jônatas Luiz Moreira de Paula, Direitos fundamentais “são proposições jurídicas consideradas individualmente ou institucionalmente, presentes na Constituição Federal” (Direito ambiental e cidadania. São Paulo: JH Mizuno, 2007, p.19). E:

O meio ambiente constitui um direito a ser realizado. Por proteção ambiental deve-se entender a preservação da natureza e de tudo o que é necessário para a manutenção e para o equilíbrio da vida humana. Tutela-se a qualidade do meio ambiente como a qualidade de vida humana. Por isso que o meio ambiente é considerado uma forma de direito fundamental da pessoa humana (Op. Cit., p. 20).

A partir daí, conceitos como “meio ambiente ecologicamente equilibrado”, “desenvolvimento sustentável”, “sustentabilidade ambiental” e outros análogos, passaram a ter muito mais importância. A sociedade passou a cobrar a implementação e a efetividade desse Direito. É onde a figura do advogado da área Ambiental ganhou espaço e força.

A busca pela preservação do meio-ambiente, seja através de práticas sustentáveis, seja através da exploração racional dos recursos naturais, é a “menina dos olhos” no cenário hodierno, sobretudo pelos sabidos impactos negativos que o uso indiscriminado desse bem vem trazendo/trará a essa e às gerações futuras.

Trata-se de uma concepção sintomática: muito se degradou, muito há que ser revisto nesta seara.

À luz de princípio clássicos que regem o Direito Ambiental – prevenção, precaução e o do poluidor pagador, dentre outros – e de toda essa concepção protecionista que se enraizou, o empreendedor passou a ter de agir de maneira adequada e prévia à geração dos impactos decorrentes de sua atividade. Além de ser mais vantajoso prevenir a ter de reparar um “dano” (financeiramente falando), o benefício social é indiscutível.

Isso quer dizer que o advogado da área empresarial ambiental passou a ter um papel muito importante no sentido de acompanhar a implantação e o desenrolar de atividades empresarias de grande impacto ambiental e que, embora geradores de inúmeros benefícios à sociedade (geração de emprego e renda, desenvolvimento econômico e social, pagamento de tributos, etc.), sofrem limitações decorrentes de uma legislação cada dia mais rigorosa. Logo, é indispensável dar cumprimento às exigências impostas pelos entes públicos (licenciamento ambiental, p. Ex.), ao mesmo tempo em que se tem que lidar com os atores envolvidos e engajados na temática, em especial, as ONGs ambientalistas e o Ministério Público Federal e Estadual.

Assim, o advogado que patrocina os interesses do empreendedor na esfera ambiental, o faz, não raro, acompanhando licenciamentos e/ou outros procedimentos junto aos órgãos púbicos e Ministério Público (inquéritos civis, p.ex.), de modo a prevenir a propositura de demandas judiciais e, caso essas sejam promovidas, tenham uma tramitação o menos tortuosa possível.

Jerry L. Anderson e Dennis D. Hirsch, abordam o tema – prevenção –, como o enfoque a ser dado por estes profissionais da advocacia, a fim de que se previnam os clientes de praticar atos contrários ao direito.

Many assume that the primary task of the private sector environmental lawyer is to defend clientes against enforcement actions. While this image describes an importante aspect of provate environmental practice (...), it does not tell the whole story. In fact, many private sector environmental lawers spend a good deal of their time trying to prevent their clientes from violating environmental requirements (Environmental Law Practice. 3ª ed. North Carolina: Durnhum, 2010, p. 3).

De outro lado, o advogado que atua na área empresarial ambiental é confrontado com a necessidade contínua de atualização, na medida em que são inúmeras as normativas que constantemente se instituem/renovam nessa seara. Isso sem contar os entendimentos judiciais que oscilam por todo o país.

Essa infinidade de entendimentos – notadamente fiada na constante preservacionista que se enraizou no país – faz com que o empresário esteja sempre sujeito à insegurança jurídica. O desenvolvimento econômico e social, infelizmente, não são tidos como direitos dignos de tutela, embora inequivocamente estejam situados no mesmo nível de importância que o direito ao meio ambiente equilibrado sobre o tema, v. DANTAS, Marcelo Buzaglo. Direito de conflitos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015).

Além disso, o empreendedorismo no Brasil costuma ser alvo de críticas ferrenhas, por ambientalistas radicais que pouco se preocupam com a crise econômica que o país atravessa, como se fosse possível solucionar todos os casos de conflitos a favor da proteção do meio ambiental.

Ocorre que o ideário de preservação ambiental e de progressão econômica e social não são, nem nunca foram, preceitos antagônicos. De fato, segundo Nalini, “preservação e progresso não são ideais incompatíveis”. E continua:

A tutela do ambiente é perfeitamente conciliável com a necessidade do Brasil progredir. Nesse país de paradoxos, pode parecer sofisticação preocuparem-se alguns com o desenvolvimento sustentável, alternativa de criação de riquezas sem destruir os suportes dessa criação (Ética ambiental. Campinas: Millennium, 2001, p 135).

O advogado que atua na seara empresarial ambiental, ao mesmo tempo em que possui a função de prestar assistência jurídica e zelar pela preservação do meio ambiente, deve igualmente acompanhar essa “progressão” – de maneira consciente e à luz da legislação –, e tentar evitar eventuais excessos.

Mas isto não significa, em absoluto, que esse profissional do direito estará agindo contra o meio ambiente, ou contra a moral e os bons costumes. Em absoluto! Discursos ortodoxos e estanques não têm cabimento em qualquer seara do Direito, tampouco na do Direito Ambiental.

Age com ética (dentro de um conceito deontológico) aquele que o faz com boa fé, fiado em seus ideários de Justiça. Age com ética o advogado da área empresarial ambiental que se adequa às novas realidades, que prima pelo aperfeiçoamento da ordem jurídica de modo a garantir estabilidade à sociedade futura. Essa estabilidade está ligada a preceitos de meio ambiente equilibrado, mas também a preceitos de progressão da sociedade como um todo.

Ética é questão de bom senso. De saber diferir o bom do ruim, o certo do errado. É equilibrar deveres e direitos.

Quando procurado para o exercício do direito e do dever de advogar em favor daquele que vem a ser alvo de uma questão ambiental (judicial ou extrajudicial), cabe ao profissional a obrigação de ouvir, e, uma vez assumindo a defesa dos interesses do empreendedor, exercê-la em plenitude, dentre dos padrões da ética e da legalidade.

Rotular o empresário, ou pior, o advogado que eventualmente o acompanha, como “poluidor”, “degradador da natureza”, é uma conduta que provém de um discurso ultrapassado, que não corresponde à realidade e que deve ser de todo afastado. A sociedade evoluiu e evolui; cria valores. A preservação do meio ambiente foi um desses valores criados, mas também o é a defesa dos interesses econômicos, indispensáveis à vida na Terra. E, acima de todos eles, o direito a uma defesa adequada, por advogado, que, justamente por este motivo, é indispensável à Administração da Justiça (CF/88, art. 127).

O advogado da área empresarial ambiental, além de atuar de forma preventiva, vem auxiliando na criação de entendimentos, de precedentes judiciais. Esse profissional faz com que as normas jurídicas ambientais sejam corretamente interpretadas e que sejam cumpridas de maneira adequada.

Ademais, inúmeras vezes, ciente de que seu patrocinado tem muito a perder com a possível propositura de uma ação judicial (cível ou penal) e que às vezes houve de fato equívocos que necessitam ser corrigidos, trabalha em prol da conciliação.

O conceito de democracia diz em reconhecer que a lei deva valer para todos, seja ela favorável ou não às expectativas da sociedade. E é esse o papel de qualquer advogado: fazer valer a lei (e a interpretação que a ela deva ser dada), sem pré-conceitos, ou pré-julgamentos.

A visão de um meio-ambiente ecologicamente equilibrado vai muito além de discussões ideológicas. É questão de bom senso, conhecimento e, principalmente, é questão de saber estabelecer uma harmonia entre direitos/deveres. Ética na advocacia ambiental empresarial consiste em tentar equilibrar os interesses antagônicos e defender, da melhor maneira possível, os interesses do cliente, que deseja empreender dentro da legalidade e com segurança jurídica.


marcelo-buzaglo-dantasMarcelo Buzaglo Dantas é advogado, membro da Comissão de Direito Ambiental do Instituto dos Advogados Brasileiros, Mestre e Doutor em Direitos Difusos e Coletivos pela PUC-SP. Visiting Scholar do Programa de Direito Ambiental da Pace University School of Law (NY). Scholar in Residence da Widener University (DE). Pós-Doutor e Docente Permanente das linhas de pesquisa em Direito, Sustentabilidade e Transnacionalidade e Direito, Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente da UNIVALI. Integrante da Buzaglo Dantas Advogados, associada do Centro de Estudos de Sociedades de Advogados, Seccional de Santa Catarina.


fernanda-de-oliveira-crippa. Fernanda de Oliveira Crippa é advogada, especialista em Direito Processual Civil e Membro da Comissão do Plano Diretor do Município de Florianópolis. Integrante da Buzaglo Dantas Advogados, associada do Centro de Estudos de Sociedades de Advogados, Seccional de Santa Catarina.. .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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