Entrevista com Amanda Oliari Melotto, autora do livro "A Defensoria Pública e a Proteção de Direitos Metaindividuais por meio de Ação Pública"

31/07/2016

Qual é a proposta do livro "A Defensoria Pública e a Proteção de Direitos Metaindividuais por meio de Ação Civil Pública", publicado recentemente pela Editora Empório do Direito? (confira aqui)

A principal proposta do livro é a análise da legitimidade da Defensoria Pública para propositura de ação civil pública, notadamente em relação aos direitos coletivos que podem ser tutelados, como meio de acesso à justiça e à ordem jurídica justa e garantia de implementação dos direitos humanos.

Além disso, ao longo da obra, procuro demonstrar como muitos posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais refletem um ensino jurídico alheio à noção da Defensoria Pública constitucional e o quanto isso é nocivo, de modo que este livro tem como objetivo também estimular o debate acerca das potencialidades da Defensoria Pública, contribuindo para mudar essa realidade.

O livro destina-se a qual público alvo?

O livro se destina a pesquisadores e profissionais das Ciências Jurídicas e Sociais que desejem aprofundar os conhecimentos a respeito da Defensoria Pública e de sua função enquanto custus vulnerabilis na ação civil pública. A obra é indicada ainda a todas as pessoas que se interessam pela temática da Defensoria Pública ou que queiram conhecer melhor a história, o funcionamento e as principais funções da instituição e as possibilidades de tutela de direitos metaindividuais.

Quais as principais conclusões adquiridas com a obra?

Na obra defendo que a Defensoria Pública não é apenas mais um dos legitimados à propositura da ação civil pública, mas sim umas das mais importantes instituições na defesa de direitos metaindividuais, dado o alto índice de exclusão social do País. Entendo pela constitucionalidade da legitimação, assim como recentemente decidido pelo Supremo Tribunal Federal, em decisão que representa uma conquista de Defensoras e Defensores Públicos e também da sociedade, em especial dos setores mais vulneráveis e habitualmente mais afastados do acesso à ordem jurídica justa.

Ademais, entendo mais adequado à configuração atual de Defensoria Pública constitucional, instrumento do Estado Democrático de Direito e às bases democrático-participativas que estruturam a tutela coletiva, o posicionamento que opta pela ampliação da legitimidade ativa para a propositura de ação civil pública, presumindo-se a representatividade adequada sempre que a demanda puder beneficiar pessoas necessitadas,  entendida aqui a carência não apenas sob o ponto de vista econômico, mas também social, cultural e organizacional.

Quais suas motivações para escrever sobre este tema?

Eu sempre me interessei muito pela temática da Defensoria Pública, principalmente porque Santa Catarina foi o último Estado brasileiro a criar a instituição, de modo que pude acompanhar as discussões e a implantação da DPE-SC. Além disso, tive o prazer de trabalhar como servidora durante dois anos na DPE-SC, oportunidade na qual pude perceber, mais de perto, a importância de uma Defensoria Pública como forma de possibilitar transformações sociais e a efetivação do acesso à justiça. Assim, eu acredito fortemente na Defensoria Pública como um meio de garantir que as parcelas mais vulneráveis da população saiam da invisibilidade a que foram condenadas e possam ter vez e voz, não só por meio da judicialização (individual ou coletiva), mas principalmente por meio da educação em direitos, numa perspectiva emancipadora.

Além disso, em relação à tutela coletiva, me interesso pela temática porque visualizo nela uma forma de superação de um anacronismo, formado por uma base constitucional de cunho social e uma legislação processual de índole predominantemente liberal e individualista. Longe de pretender encobrir os conflitos individuais, a tutela coletiva parte do reconhecimento de lesões a direitos comuns, cada vez mais frequentes em uma sociedade massificada, marcada pela padronização do consumo, e busca soluções que permitem economia processual e o acesso à justiça de direitos que dificilmente seriam pleiteados de forma individual.

Assim, o tema surge do encontro da primeira e segunda onda renovatória de acesso à justiça identificadas por Mauro Capelletti e Bryant Garth, na clássica obra Acesso à Justiça. Ademais, a possibilidade de atuação coletiva, especialmente em sede de ação civil pública, é uma das principais diferenças entre os modelos de assessoria existentes e o modelo eleito pela Constituição de 1988.

Você pode nos dar um exemplo de atuação da Defensoria Pública em ação civil pública?

Claro! Posso dar vários! A DPE-SC, por exemplo, com pouco mais de dois anos de funcionamento já ajuizou diversas ações civis públicas, a exemplo da ação, em parceria com o Advogado da Infância e Juventude e o Ministério Público do Estado de Santa Catarina, exigindo que o Município de Florianópolis providenciasse matrícula em creches para todas as crianças com até cinco anos que estivessem em lista de espera, a ação que obteve a isenção de pagamento de pacientes renais do plano SC Saúde e a ação que visa proibir a revista vexatória nas unidades prisionais do estado. Além disso, alguns presídios e delegacias que estavam em condições sub-humanas foram interditados graças à atuação da DPE-SC.

Outro exemplo, este a nível nacional, foi a ação civil pública ajuizada pela DPE-SP contra Levy Fidelix e o Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB) em razão de manifestações homofóbicas proferidas durante debate entre candidatos e candidatas à Presidência da República.

Outro exemplo, a DPE-RJ ajuizou ação civil pública em benefício dos moradores da Travessa Mackenzie, em Niterói, abrangendo dezenas de famílias de uma área bastante carente, vitimadas pelas fortes chuvas ocorridas em 2010.

Muitos exemplos podem ser encontrados também a partir da análise da atuação da Defensoria Pública da União, a exemplo da ação civil pública objetivando melhorar o tratamento dado às mulheres grávidas em concursos para carreiras penitenciárias, decisão que foi objeto de análise no livro.

Enfim, são muitos exemplos que poderia dar. As áreas de atuação são as mais variadas possíveis: moradia, saúde, educação... O contato dos Defensores Públicos com os anseios da parcela mais vulnerável da população é muito amplo, devido ao atendimento individual ao público e à proximidade entre as Defensorias Públicas e os movimentos sociais, o que facilita sobremaneira a atuação para proteção de direitos metaindividuais, através do reconhecimento das demandas prioritárias que costumeiramente encontram-se na invisibilidade e por isso é tão importante a preservação da legitimidade defensorial para ação civil pública.


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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