Entre Professores Beatos e Impenitentes do Direito e Processo Penal

08/09/2015

Por Alexandre Morais da Rosa e Salah Khaled Jr - 08/09/2015

O mundo do Direito e Processo Penal está dividido entre os que baixam a cabeça em nome da decisão de uma Corte Suprema e outros que não aceitam a lógica exclusiva da autoridade e querem, sempre, compreender os fundamentos. Não se trata de mera divergência histérica e sim da necessidade de que as decisões na Democracia possam guardar pertinência material com o conteúdo da Constituição e a promessa de que o Direito Penal não possa ser a porta de entrada de todas as questões sociais. O Direito Penal sempre chega depois e não há indicativos de que sua promessa de aumento de penas possa melhorar a sociedade, mas justamente faz com que os custos da repressão sejam cada vez maiores e sem sentido.

A imensa maioria dos Professores de Direito podem ser chamados de “beatos”, dado que diante da palavra revelada por algum eleito (imaginariamente), negam-se a pensar. Jogam-se na tranquilidade de acompanhar a autoridade que profere, do seu lugar, o sentido escondido na norma jurídica, como se isso fosse possível. No complexo mundo do Direito Penal e do Processo, diante das dificuldades de se compreender o fenômeno jurídico e suas diversas pistas de sentido, muitas vezes a facilidade de dizer: O STF ou STJ já decidiu subtrai do acadêmico a possibilidade de compreender o sentido democrático. Rezam as missas-aulas como se fosse uma louvação à autoridade. Vulgarizam o saber com esquemas de aulas superficiais e que, aparentemente, garantem o aluno para prova do final do semestre, mas sempre é pouco para enfrentar os desafios da vida. O mundo é maior que a sala de aula.

Os discursos de divulgação esotéricos, como mostrado na semana passada sobre o crime de ato obsceno (aqui), deixam evidenciada a vulgarização dos fundamentos dos fundamentos dos processos de criminalização e da função de limite que o processo penal deveria se postar. São jogadas informações sem contextualização e de uma pobreza teórica impressionantes. E muitas vezes o acadêmico se satisfaz. Primeiro porque não vale a pena enfrentar o Professor e se arriscar a não passar na disciplina, mesmo sabendo que é um embusteiro. Por segundo, converte-se na ladainha da superficialidade e acredita que entendeu o Direito e Processo Penal. Passa pelos tipos penais fazendo a feira da jurisprudência patchwork a la carte, como se fosse um city tour, no qual não se aprofunda na cidade penal.

Michel Onfray, em Teoria da Viagem[i], diz que cada um de nós se descobre “nômade” ou “sedentário”, “amante de fluxos, transportes, deslocamentos, ou apaixonado por estatismo, imobilismo e raízes. (...) os primeiros amam a estrada, longa e interminável, sinuosa e ziguezagueante; os segundos se comprazem com a toca, sombria e profunda, úmida e misteriosa.” É com o nômade que o poder se incomoda, pois não aceita a mesmice do já posto e se arrisca adiante, em novos e incontroláveis paragens. Nega-se a permanecer diante da contemplação obediente do mundo apresentado, como se fosse uma tela de cinema.

Assim é que nos resta convidar os acadêmicos a se arriscar em colocar em xeque o saber petrificado dos Professores beatos do saber instituído, dos vendedores de facilidade teórica, cujo desiderato é manter os alunos no lugar de estátuas. Atuar como “impenitentes”, assim como fez Piergiorgio Odifreddi[ii], profanando a oração jurídica entoada como revelação, indagando-se sobre os fundamentos dos fundamentos, mesmo que para isso, em alguns lugares, seja quase queimado na fogueira da mediocridade acadêmica.

Por certo não temos nenhuma verdade substancial a revelar, como também, não aceitamos os dogmas e milagres do circo jurídico apresentados como coerentes e completos. Vale lembrar, todavia, que bem-aventurados são os pobres de espírito, porque é deles o Reino dos Céus acadêmicos? Vamos profanar? Nômade ou sedentário?


Notas e Referências

[i] ONFRAY, Michel. Teoria da Viagem. Trad. Paulo Neves. Porto Alegre: L&PM, 2009, p. 9 sgts..

[ii] ODIFREDDI, Piergiorgio. Ideas, cálculos, experimentos. Trad. Helena Aguilà Ruzola. Barcelona: RBA, 2011.


SALAH NOVA . Salah Hassan Khaled Junior é Doutor e Mestre em Ciências Criminais, Mestre em História e Especialista em História do Brasil. Atualmente é Professor adjunto da Universidade Federal do Rio Grande, Professor permanente do PPG em Direito e Justiça Social                                                                                                         .

Alexandre Morais da Rosa é Professor de Processo Penal da UFSC e do Curso de Direito da UNIVALI-SC (mestrado e doutorado). Doutor em Direito (UFPR). Membro do Núcleo de Direito e Psicanálise da UFPR. Juiz de Direito (TJSC). Email: alexandremoraisdarosa@gmail.com  Facebook aqui                                                                                                                                                                                                           


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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