Eleições 2016: marco regulatório e alterações introduzidas pela Lei nº 13.165/2015

17/12/2015

 Por Marcelo Roseno de Oliveira - 17/12/2015

Introdução[1]

Uma das características mais destacadas do arcabouço normativo que constitui o Direito Eleitoral brasileiro, notadamente no pós-88, é a falta de perenidade de suas disposições. A habitualidade das mudanças, em postura rigorosamente desafiadora aos valores que orientam o princípio da anterioridade da lei eleitoral (CF, art. 16), tem determinado a fixação de um novo marco regulatório a cada pleito, provocando entraves claros para que se firme uma cultura de respeito às regras do jogo.

A tentativa de que a Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997 (Lei das Eleições), pusesse fim a um escancarado furor reformista mostra-se, hoje, malograda, dada a recorrência de “minirreformas”, que impuseram mudanças significativas ao diploma original, algumas das quais virtuosas, e outras nem tanto. A prática reiterada das “leis do ano”, outrora abominada e combatida, mostra-se plenamente revigorada.

Somam-se a isso: a) uma postura considerada flexível da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal quanto à interpretação do princípio da anterioridade, mitigado ante o argumento de que as alterações, mesmo no ano eleitoral, são admissíveis, desde que não importem em tratamento casuístico, que conduza ao comprometimento da igualdade entre os competidores – como se assistiu no julgamento das ADI´s nos 3.345/DF, julg. 25.8.2005; e 3.741/DF, julg. 6.8.2006–; b) a reconhecida hipertrofia da função normativa do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a qual, embora circunscrita, por imperativo legal, à regulamentação da lei, garantindo sua fiel execução, muitas vezes dela desborda, contrariando-a[2]; e c) os constantes câmbios (viragens) jurisprudenciais do TSE – ainda quando não atribuíveis às frequentes mudanças de sua composição – os quais se dão, em regra, sem a preocupação quanto à fixação de efeitos prospectivos, alcançando-se, ao cabo, um quadro de mudanças amplas e reiteradas da legislação e de seus cânones hermenêuticos, contribuindo para que grasse um estado de insegurança jurídica, a potencializar algo próximo da tópica como método para a resolução das lides eleitorais[3].

Ao passo em que se percebe o ímpeto do Congresso Nacional quanto à aprovação de reformas eleitorais, vê-se que ainda persistem claros obstáculos à aprovação de medidas que integram a pauta da reforma política. As evidentes dificuldades de que se construa, em meio à pluralidade dos interesses em jogo no Parlamento, um consenso mínimo acerca de questões centrais, como a definição do modelo de financiamento das campanhas, sistemas eleitorais, obrigatoriedade do voto, reeleição dos chefes do Executivo, etc., parecem justificar o sentimento de que as alterações recentemente empreendidas, em que pese relevantes no âmbito da governança eleitoral, assumem caráter secundário quando em vista a necessidade de superar as atuais fragilidades do sistema político-partidário brasileiro.

A Lei nº 13.165, de 29 de setembro de 2015, reforça a lógica que se há descrito. Ela surge como resultado de iniciativas e discussões travadas no Congresso Nacional durante mais uma tentativa de realização da reforma política. A cisão dos projetos que demandariam alteração da Constituição, daqueles que envolviam apenas modificação de normas infraconstitucionais (especialmente leis ordinárias) determinou que estes se convolassem em lei antes mesmo da aprovação definitiva de quaisquer das propostas de emenda (PEC´s) relativas ao tema, que cobram aprovação em dois turnos, nas duas Casas e com quórum agravado[4]. A pretexto de se realizar parte da reforma política, vê-se, porém, que o diploma contempla preponderantemente alterações da legislação eleitoral, procedendo a mudanças singelas em outros campos, como ocorre com as hipóteses de justa causa para a desfiliação partidária e com o provimento de cargos eletivos pelo sistema proporcional.

A nova lei promove alterações extensas na Lei das Eleições (Lei nº 9.504/97), além de mudanças de menor monta na Lei dos Partidos Políticos (Lei nº 9.096/95) e no Código Eleitoral (Lei nº 4.737/65), sob os assumidos propósitos de reduzir os custos das campanhas eleitorais, simplificar a administração partidária e incentivar a participação feminina.

Os vetores da reforma, portanto, vêm a lume pela mens legislatoris, não obstante possam e devam ser confrontados pelos intérpretes, na perspectiva de que se identifique a verdadeira mens legis. Dentre eles, sem dúvidas, o que haverá de causar maior impacto nas disputas eleitorais é o relativo à tentativa de diminuição dos gastos de campanha. Em 2014, as despesas realizadas com as diversas disputas eleitorais, segundo o que foi oficialmente declarado, rondaram a avultada cifra de R$ 5 bi, reforçando o crescimento ocorrido nos últimos anos, fruto da ingerência cada vez mais sentida do poder econômico, numa verdadeira captação do sistema político-partidário, a qual não se dá de modo inadvertido.

O assumido propósito de reduzir os custos – que não é propriamente novo, tanto assim que a Lei nº 11.300/06 caminhava no mesmo sentido, em que pese os gastos declarados terem continuado a crescer na última década – é revelado pelo encurtamento do período de propaganda eleitoral, agora de aproximadamente 45 (quarenta e cinco) dias, e pelo estabelecimento de limites de dispêndios. As medidas, contudo, podem ser de pouca eficiência, seja porque não é possível estabelecer uma relação direta entre o volume de investimentos e o período de campanha; seja porque os limites agora fixados, ainda que consideradas as eleições imediatamente anteriores, podem, ainda assim, se mostrar elevados.

Não bastasse, é forçoso ter em conta que, ao mesmo tempo em que busca demonstrar preocupação em reduzir gastos de campanha, o Congresso Nacional, ou melhor, parte expressiva dele, insiste no propósito de constitucionalizar as doações de empresas, admite repasses de partidos para candidatos com ocultação da origem (prática prontamente rejeitada pelo STF – ADI nº 5.394/DF, julg. 12.11.2015), e onera significativamente os cofres da União com o aumento do repasse de recursos ao Fundo Partidário, o que põe em dúvida o efetivo compromisso com o objetivo alinhado.

Constata-se, para além disso, que, ao contrário do que se esperaria para normas gestadas sob a perspectiva de uma reforma política, as mudanças apresentam-se como meramente subjacentes ou laterais[5], não enfrentando os verdadeiros problemas da deformação do sistema representativo. Andam longe, por exemplo, de privilegiar o incentivo ao uso dos instrumentos de participação direta, agravam diferenças entre partidos, privilegiando as grandes siglas e distanciando-se do princípio da igualdade de oportunidades nas competições eleitorais, além de sufocarem a participação das minorias no debate público e o regime democrático, sacrificando o direito fundamental à oposição, alçando fundadas dúvidas sobre a virtude de seus propósitos. Não causa surpresas, porém. É a reforma possível, vinda de um Parlamento considerado o mais conservador desde 1964, segundo análise do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP)[6].

Embora a lógica de tais transformações pareça inspirada no Il Gattopardo, de Lampedusa, obra da qual se pinçou sentença popularmente conhecida, segundo a qual “algo deve mudar, para que tudo continue como está”, as alterações, neste caso, têm a capacidade de conduzir a um resultado ainda pior, e, examinadas de modo geral, acentuam as fragilidades e inconsistências da legislação, aumentando a responsabilidade de seus aplicadores quanto à necessidade de que busquem confrontar as novas regras com as normas da Constituição, construindo os standards adequados.

Pretende-se, neste trabalho, abordar de forma objetiva, sem prejuízo, todavia, da criticidade, alguns dos principais pontos da reforma eleitoral (daí porque não serão tratadas de modo mais detido as alterações da Lei dos Partidos Políticos), possibilitando que os leitores percebam os reais impactos que ela provocará já a partir do pleito municipal de 2016. Optou-se, como se verá, por examinar as mudanças em tópicos, selecionados a partir da observação de que consubstanciam os principais campos em que as modificações foram realizadas, evitando-se, desse modo, o mero confronto dos dispositivos (próprio de quadros comparativos, muitas vezes acríticos, orientados pelo singelo cotejo do “como era” e do “como ficou”) ou mesmo comentários isolados sobre cada um dos dispositivos, uma vez que tal fugiria ao que se propõe.

Como se cuida de texto destinado a orientar atividade de capacitação de profissionais que já lidam cotidianamente com a aplicação das normas eleitorais, as lacunas e imperfeições, que certamente serão percebidas, poderão ser supridas pelas experiências socializadas durante os debates, construindo-se pelo diálogo, e seu lugar privilegiado na experiência da linguagem, um ethos favorável à formação de uma visão crítica e verdadeiramente comprometida com os princípios e valores constitucionais.

Calendário eleitoral

O primeiro grupo de mudanças significativas introduzidas pela Lei nº 13.165/2015 diz respeito ao calendário do denominado “microprocesso eleitoral”. Embora mantidas as fases e a cronologia com que se sucedem, os prazos foram alterados na perspectiva de reduzir a etapa de captação de votos.

Diante do confessado propósito de diminuir os custos das campanhas, a nova lei toma como um dos principais vetores o encurtamento do período de propaganda eleitoral relativamente ao primeiro turno. Assim, a partir das eleições de 2016, se assistirá a uma sensível diminuição dos lapsos em que se desenrolarão algumas das etapas que antecedem imediatamente à realização do pleito.

Ao tomar como ponto de partida o período de realização das convenções, constata-se que, antes realizadas entre 10 e 30 de junho, passam, a partir de agora, a ocorrer no período de 20 de julho a 5 de agosto. Após o período de deliberações intrapartidárias, a fase de formulação do requerimento dos registros de candidatura ocorrerá, ordinariamente, até 15 de agosto às 19h, em contraposição ao prazo de 5 de julho que antes vigorava.

Percebe-se, como resultado imediato da mudança, que não obstante a diminuição do prazo de propaganda, o prazo entre o final das convenções e a formalização do registro dobrou, de 5 (cinco) para 10 (dez) dias, conferindo aos interessados (partidos, coligações e candidatos) um período maior para a obtenção dos documentos de apresentação obrigatória à Justiça Eleitoral.

Com as mudanças do calendário eleitoral, o início da propaganda, antes assinalado para 6 de julho, ocorrerá, doravante, a partir de 16 de agosto. Embora essa data demarque o termo inicial da propaganda, à exceção do acesso gratuito ao rádio e à TV, cumpre recordar que, a partir desse momento, a propaganda eleitoral estará autorizada, todavia os atos que envolvam gastos de recursos devem ser antecedidos das formalidades indispensáveis, tais como obtenção de inscrição no CNPJ, abertura de conta bancária e emissão de recibos eleitorais (LE, art. 22-A, § 2º).

Os novos prazos do calendário eleitoral, como se vê, determinaram uma diminuição de, pelo menos, 45 (quarenta e cinco) dias do período de campanha eleitoral.

Uma das principais consequências dessa mudança será percebida quanto aos prazos necessários para a apreciação dos pedidos de registro de candidaturas. Como o período entre a data final de formulação dos requerimentos e a eleição restará sensivelmente diminuído, estima-se que será maior o número de candidaturas que chegarão ao dia do pleito com a situação jurídica ainda indefinida ou controvertida (sub judice).

Como que atento a tal situação, o próprio legislador fixou o prazo de 20 (vinte) dias antes do pleito como o limite para que todos os pedidos de registro de candidatos, inclusive as eventuais impugnações, tenham sido julgados pelas instâncias ordinárias, observando-se o mesmo prazo para a divulgação da relação de candidatos.

Antes fixado em 45 (quarenta e cinco) dias, o prazo a ser observado passa a ser, portanto, de 20 (vinte) dias, ressaltando-se, ademais, que a previsão anterior indicava tal lapso para a tramitação em “todas as instâncias”, enquanto o texto atual reporta-se apenas às instâncias ordinárias, assim entendidas o juízo eleitoral e os tribunais regionais eleitorais[7].

Outro fato, nesse âmbito, merece referência. É que a regra do art. 13, § 3º, da LE, com redação dada pela Lei nº 12.891/2013, estabelece idêntico prazo de 20 (vinte) dias antes do pleito como o limite para a substituição de candidatos, tanto nas eleições majoritárias quanto nas proporcionais, salvo em caso de falecimento, de modo que, ao contrário do que ocorreu na eleição municipal de 2012, não mais remanesce a possibilidade das trocas de véspera quanto aos candidatos a prefeito e vice. Não mais dispondo, como “carta na manga”, da possibilidade de serem substituídos até mesmo na véspera da eleição, como ocorria habitualmente, é natural que mais candidatos sejam forçados a aguardar a decisão final da Justiça Eleitoral, a qual poderá vir somente após a eleição e apontar a inviabilidade da candidatura[8].

Esse natural aumento do número de candidatos sub judice quando alcançada a data da eleição ocasionará, fatalmente, o aumento do número de eleições anuladas e a necessidade de realização de consultas suplementares. É que a mesma Lei nº 13.165/2015, acresceu o § 3º, ao art. 224, do Código Eleitoral, prevendo que o indeferimento do registro da candidatura, no caso de disputa para cargos majoritários, após o trânsito em julgado da decisão, importará a realização de novas eleições, “independentemente do número de votos anulados”.

Com efeito, a conjugação das novas medidas: a) diminuição do prazo para processamento dos registros de candidatura antes da eleição; b) impossibilidade de substituição nos 20 (vinte) dias que antecedem ao pleito; e c) nulidade da eleição majoritária, quando o indeferimento ocorrer após a consulta, permite prever, sem maiores dificuldades, um considerável aumento de eleições suplementares, as quais poderão ser realizadas de forma indireta (caso a vacância ocorra a menos de seis meses do final do mandato) ou direta, nos demais casos, gerando sobrecarga de atribuições para a Justiça Eleitoral[9].

Antes de encerrar este tópico, cumpre apenas recordar que os órgãos da Justiça Eleitoral haverão de empreender esforços redobrados para processar e julgar, com a prioridade prevista em lei e observados prazos ainda mais exíguos, os pedidos de registro, remanescendo em seu prol a possibilidade, inserta na LE desde a Lei nº 12.034/2009, quanto à “realização de sessões extraordinárias e convocação de juízes suplentes pelos Tribunais, consoante dispõe o art. 16, § 2º.

Condições de elegibilidade

De acordo com a nova redação do art. 9o, o prazo de prévia filiação partidária foi diminuído para 6 (seis) meses, mantendo-se, porém, o prazo de um ano quanto ao domicílio eleitoral, também previsto no mesmo dispositivo.

É plenamente possível estabelecer uma relação inversamente proporcional entre o prazo de prévia filiação partidária e a tenacidade/fidelidade do vínculo entre os filiados e as agremiações. Logo, quanto menor o prazo de prévia filiação, maior a fragilidade dos vínculos e maior a possibilidade de surgimento dos trânsfugas, em razão das trocas constantes de siglas.

Cumpre recordar que, não obstante a previsão do art. 20, da Lei dos Partidos Políticos (LPP), no sentido de que as siglas podem estabelecer, em seus estatutos, “prazos de filiação partidária superiores aos previstos nesta Lei, com vistas à candidatura a cargos eletivos”, não se tem notícia de agremiações que assim tenham agido, pois as vicissitudes e injunções políticas recomendam o contrário, ou seja, a fixação de lapsos exíguos, que encontram limite no mínimo estabelecido em lei, agora de 6 (seis) meses.

A diminuição do prazo de prévia filiação é complementada pela criação da chamada “janela partidária”, também prevista na Lei nº 13.165/2015, todavia inserida na Lei dos Partidos Políticos (Lei nº 9.096/95). Pela previsão do novo art. 22-A, Parágrafo Único, inciso III, da LPP, os mandatários podem mudar de partido durante o período de trinta dias que antecede ao prazo de seis meses de prévia filiação (no curso do sétimo mês anterior à eleição, portanto) sem o risco de perder o mandato, não estando obrigados, nesse período, a apresentar qualquer justificativa para a troca, que é considerada ex vi legis como uma justa causa.

Cabe ressalvar, ainda, que a partir da decisão do STF nos autos da ADI nº 5.081/DF (27.5.2015), ficou assentado que a possibilidade de perda de mandato eletivo em razão da desfiliação partidária sem justa causa não se aplica aos eleitos pelo sistema majoritário, de modo que a dita janela somente produzirá efeitos quanto aos exercentes de mandatos eleitos pelo sistema proporcional. Além disso, a janela somente se abrirá uma vez ao longo do mandato, no ano de seu término, de modo que não admitirá que deputados federais, estaduais e distritais possam trocar de partido quando da abertura da janela dos mandatos de vereadores, por exemplo. O contrário, por obviedade, também se aplica[10].

Outra mudança quanto à regulamentação das condições de elegibilidade ocorreu quanto ao momento considerado como referência para a integralização da idade mínima dos candidatos a vereador. Embora mantida a previsão, quanto aos demais cargos, de que o limite etário será observado tendo como referência a data da posse, no caso das candidaturas às Câmaras Municipais (que têm como condição a idade de 18 anos, a menor dentre as mínimas estabelecidas no art. 14, § 3º, VI, da CF) o marco passa a ser a data-limite para o pedido de registro.

Cabe recordar que o art. 11, § 10, da Lei das Eleições, estabelece que as condições de elegibilidade devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de registro da candidatura, o que, porém, não impede, no caso da idade mínima, e da previsão de que se deve tomar por base a data da posse, que se fixe uma dicotomia entre o momento da aferição e aquele em que a condição deva estar satisfeita. Afere-se no momento do pedido do registro, todavia tomando como referência a data da posse.

No caso dos candidatos a vereador, portanto, a mudança determina que a verificação considerará o dia 15 de agosto do ano da eleição (data-limite para a formalização do requerimento de registro), e que antecede imediatamente ao início da propaganda eleitoral.

Evita-se, assim, com a mudança, que sujeito penalmente inimputável possa disputar mandato eletivo, praticar atos de campanha eleitoral e, eventualmente, submeter-se à responsabilização nos termos do ECA, pela potencial prática de infrações análogas a crimes eleitorais. Parece ter sido essa, sem dúvida, a principal causa da alteração.

Registro de candidaturas

No campo do registro de candidaturas, a Lei nº 13.165/2015 buscou reduzir o número de postulantes nas eleições proporcionais. A partir de sua entrada em vigor, as coligações, à semelhança do que vigorava quanto aos partidos, somente poderão requerer o registro de candidatos em número equivalente a 150% (cento e cinquenta por cento) do número de lugares a preencher.

A possibilidade de requerer o registro de candidatos em número equivalente ao dobro de vagas fica reservada para as eleições de deputado federal, estadual ou distrital de unidades da Federação que tenham bancadas federais não excedentes a 12 (doze) deputados, alcançando, nessa hipótese, tanto partidos que concorram isoladamente, como as coligações[11].

O mesmo limite (200%) alcança as coligações nas eleições para vereador, nos municípios com até cem mil eleitores.

Com a diminuição dos prazos das fases do microprocesso eleitoral, a complementação das listas de candidatos nas eleições proporcionais, doravante, somente pode ocorrer até trinta dias antes do pleito.

Sistema proporcional

A Lei nº 13.165/2015 alterou regras das eleições realizadas pelo sistema proporcional, quais sejam: as destinadas a preencher as cadeiras nas casas legislativas, à exceção do Senado. Com a modificação dos artigos 108 e 109 do Código Eleitoral, estabeleceu-se uma cláusula de desempenho individual para que o candidato venha a ser considerado eleito.

De acordo com os novos parâmetros, após o cálculo dos quocientes eleitoral e partidário, a indicar o total de vagas a que cada partido ou coligação fará jus na composição do Legislativo, o efetivo preenchimento da cadeira ainda restará condicionado ao atingimento, pelo candidato, de votação igual ou superior a 10 % (dez por cento) do quociente eleitoral.

O efeito mais direto da mudança é evitar que candidatos considerados “puxadores de votos”, em razão de votação muito alargada e que supera amplamente a dos demais companheiros de sigla, possa beneficiá-los com sua performance, possibilitando que sejam considerados eleitos mesmo com desempenho rigorosamente inexpressivo.

Um exemplo claro dessa “possível distorção” do sistema proporcional ocorreu em 2002, nas eleições para deputado federal no Estado de São Paulo. O candidato Enéas Carneiro, do PRONA, obteve mais de um milhão de votos: 1.573.642, para ser exato. Em face de tão significativa votação nominal, o seu partido atingiu o quociente eleitoral várias vezes, ensejando que candidatos da sigla tenham sido eleitos com votações ínfimas (673, 484, 382 e 275 votos). Naquele pleito, o quociente eleitoral na disputa para a Câmara dos Deputados, considerado o Estado de São Paulo, alcançou o número aproximado de 285 mil votos. Caso as regras recentemente aprovadas estivessem em vigor naquele momento, ainda que atingindo o quociente eleitoral várias vezes, o PRONA somente teria logrado preencher uma cadeira, já que os demais candidatos não teriam, individualmente, atingido votação de 28.500 votos, ou 10% do QE. Cumpre recordar que, no mesmo pleito, candidatos com votação absolutamente expressiva, que superava os cem mil votos, não foram eleitos, sendo alçados apenas à suplência.

Diz-se ser uma “possível distorção”, pois quando em vista o fato de que o sistema proporcional foi idealizado com base na representação de partidos (correntes ideológicas) e não de candidatos específicos, o aspecto decisivo a ser considerado é a votação dada ao partido (ou, como ainda se admite no sistema nacional, à coligação, em que pese considerada, para fins eleitorais, como se fora um único partido), independentemente do fato de um ou outro candidato haver obtido, individualmente, resultado muito melhor do que os demais[12].

O grande problema das novas regras reside na forma de distribuição das cadeiras remanescentes, vale dizer, aquelas que eventualmente não sejam preenchidas por um dado partido ou coligação ante o fato de, embora tendo atingido o quociente eleitoral, não terem os seus candidatos alcançado o necessário desempenho individual mínimo.

As vagas não preenchidas, de acordo com a nova redação do art. 108, Parágrafo Único, do Código Eleitoral, serão distribuídas entre os partidos e coligações que obtiverem a maior média, desde que tenham candidatos que atendam à exigência de votação nominal mínima. Com efeito, as vagas poderão ser destinadas a partidos de perfil integralmente distinto daqueles que foram escolhidos pelo eleitor, ante o singelo fato de terem uma maior densidade eleitoral, reunindo candidatos com votações individuais mais expressivas. Em outras palavras, é perfeitamente possível antever que a medida tem o potencial de “engordar” as bancadas dos maiores partidos, cujos candidatos não eleitos pelas regras dos quocientes eleitoral e partidário, serão guindados aos Parlamentos pelo critério da maior média, ainda que venham a ocupar cadeiras que, originalmente, pela vontade soberana do eleitor, deveriam estar reservadas a candidatos oriundos de partidos de perfil ideológico inteiramente diverso. Isso sim conduz a uma efetiva distorção do sistema proporcional.

Não bastasse isso, a própria forma de cálculo do critério da maior média foi alterado de forma a violar a representação proporcional, como vem de apontar a Procuradoria-Geral da República na petição inicial da ADI nº 5.420/DF, protocolada perante o Supremo Tribunal Federal e que acoima de inconstitucionais o art. 109 e seus incisos I a III. Consoante indica o Ministério Público Federal, as novas regras importam que a maior média, antes calculada com base no número de lugares obtido pelo partido ou coligação, mais um, passe agora a ser encontrada com fundamento no quociente partidário, mais um, adotando-se um divisor fixo, ensejando, portanto, que o partido que obtiver a maior média obtenha todas as cadeiras remanescentes. Nas palavras do Procurador-Geral:

Pelo critério da Lei 13.165/2015, o partido ou coligação que obtiver a maior média na primeira operação de atribuição das vagas remanescentes logrará todas as demais. Isso implica severa distorção das regras do sistema de representação proporcional, pois, ao final da distribuição das sobras, a composição das casas legislativas não guardará respeito à votação conquistada pelas forças políticas. 

Em decisão de 3 de dezembro de 2015, ad referendum do Plenário, o Min. Dias Toffoli, relator da referida ADI, concedeu medida cautelar para suspender o referido critério de cálculo da maior média, mantendo o modelo vigente antes da edição da Lei nº 13.165/2015.

Na mesma decisão, o Relator firmou posição quanto à compatibilidade de exigência da votação nominal mínima, reputando válida tal opção legislativa que, segundo apontado, não teria desnaturado o sistema proporcional, na medida em que não teria excluído “do processo de distribuição das vagas a essencialidade da quantidade de votos total obtida pelo partido ou coligação, uma vez que esse dado – apurado pelo quociente partidário – continua sendo considerado na distribuição de vagas aos partidos”. Indicou, ainda, que teria havido o mero estabelecimento do equilíbrio entre a “votação na legenda e a votação na pessoa do candidato, plenamente válida na medida em que não desequilibrou essas forças, que são os polos do sistema proporcional”.

A conclusão sustentada neste singelo estudo, como se percebe, é oposta à alcançada na recente decisão do STF, uma vez que o estabelecimento da votação nominal mínima e o critério adotado para a distribuição das vagas remanescentes podem conduzir a uma flagrante quebra da proporcionalidade e da vontade soberana do eleitor.

Como se verá adiante, este não foi o primeiro, e certamente não será o último dos questionamentos, na via do controle abstrato de constitucionalidade perante o STF, de dispositivos da Lei nº 13.165/2015.

Propaganda eleitoral

No campo da propaganda eleitoral, as mudanças começam pelo encurtamento do período de sua realização relativamente ao primeiro turno. Antes realizada entre 6 de julho e a véspera do pleito (dia anterior ao 1º domingo de outubro), totalizando aproximadamente 90 (noventa dias), a fase de captação de votos passa a estar autorizada a partir de 16 de agosto, acarretando, diante da manutenção da data da eleição, que o período de campanha esteja reduzido a aproximadamente 45 (quarenta e cinco) dias. No caso da propaganda eleitoral no rádio e na TV, o período de veiculação também foi diminuído, observando doravante o lapso de 35 (trinta e cinco) dias anteriores à antevéspera da eleição.

Consoante já se afirmou, mesmo não se podendo estabelecer uma relação direta entre o período de campanha e os investimentos empreendidos pelos competidores, o legislador diminuiu sensivelmente a fase de captação de votos, sob o assumido propósito de tornar as disputas menos onerosas.

As primeiras análises dos efeitos dessa redução apontaram que a nova lei diminui as chances de candidatos neófitos, uma vez que terão mais dificuldades para se tornar conhecidos do eleitorado. Tais exames consideraram, também, o fato de que as novas regras teriam supostamente restringido o acesso gratuito ao rádio e à TV nas eleições municipais, especialmente para candidatos a vereador, o que, como se demonstrará adiante, não ocorreu, em que pese tenham sido excluídos das aparições dos programas em bloco.

Um fato, porém, há de ser sopesado. É que, ao mesmo tempo em que encurta o período de campanha eleitoral, a nova lei acentua a tendência inaugurada pela Lei nº 12.034/09 no sentido de flexibilizar a configuração da propaganda eleitoral antecipada, prática ilícita punida com sanção pecuniária. Ao ampliar a possibilidade de que filiados ou pré-candidatos possam ocupar meios de comunicação para enaltecer suas qualidades pessoais, mencionar a pretensa candidatura, falar das “ações políticas desenvolvidas e das que se pretende desenvolver” e, no limite, pedir apoio político – vedando-se, tão somente, o pedido explícito de votos – parece efetivamente que o legislador buscou equilibrar os valores em jogo. Campanha mais curta, todavia com mais chances aos postulantes de se apresentarem ao eleitorado antes mesmo do início da propaganda eleitoral.

Nesse sentido, as disposições do art. 36-A, da LE, contemplam diversas situações em que pré-candidatos poderão se dirigir ao eleitorado, seja através do rádio, TV ou internet, notadamente nas redes sociais, sem que se tenha por configurada qualquer infração à legislação eleitoral, desde que não haja pedido explícito de votos. A exceção é feita quanto aos “profissionais de comunicação social no exercício da profissão”, cuja condição ostentada impede que possam lançar mão de regras mais flexíveis durante a pré-campanha. Tal constatação é reforçada pela nova redação do art. 45, § 1º, da LE, que será examinada adiante.

Chama a atenção, nessa linha, o inciso VI, do art. 36-A, da LE, recém-criado, ao indicar que não configura propaganda prematura “a realização, a expensas de partido político, de reuniões de iniciativa da sociedade civil, de veículo ou meio de comunicação ou do próprio partido, em qualquer localidade, para divulgar ideias, objetivos e propostas partidárias”. O dispositivo merece críticas. Ao aludir a colóquios de iniciativa da sociedade civil ou veículos de comunicação, cujas despesas sejam custeadas pelos partidos, a regra abre ensejo a associações episódicas e pouco transparentes entre as agremiações e entidades privadas. Não parece absurdo imaginar a realização de reuniões no âmbito de sindicatos, associações e ONG’s, com manifesta finalidade de divulgar pré-candidaturas, inclusive de eventuais dirigentes das entidades, travestidas do propósito de difundir programas partidários, em situação que beira o abuso de poder econômico praticado antes mesmo do registro.

Quanto aos limites espaciais da propaganda, especialmente os fixados no art. 37, da LE, relativamente a bens públicos, a nova normação veda a campanha, dentre outros, por meio de exposição de placas e de bonecos e assemelhados, mantendo a previsão da Lei nº 12.891/2013, quanto a admitir apenas a “colocação de mesas para distribuição de material de campanha e a utilização de bandeiras ao longo das vias públicas, desde que móveis e que não dificultem o bom andamento do trânsito de pessoas e veículos”, compreendendo-se que a mobilidade estará caracterizada com a colocação e a retirada dos meios de propaganda entre as seis horas e as vinte e duas horas.

Nos bens particulares, consoante previsão do novo § 2º, do art. 37, da LE, admite-se a propaganda eleitoral apenas em adesivo ou papel, que não exceda a 0,5 m² (meio metro quadrado), ficando vedada a utilização de faixas, placas, pinturas ou inscrições. Operou-se, portanto, sensível redução quanto ao tamanho dos anúncios. Recorda-se, ainda neste campo, que a veiculação deve ser espontânea e gratuita, sendo vedado qualquer tipo de pagamento em troca de espaço.

No que pertine à propaganda eleitoral no rádio e na televisão, a repercussão do encurtamento do período de campanha eleitoral ensejou, de igual modo, a diminuição do lapso de sua veiculação quanto ao primeiro turno, agora limitado aos trinta e cinco dias anteriores à antevéspera do pleito (a quinta-feira que antecede imediatamente à eleição), mantendo-se inalterado, contudo, o período de difusão do segundo turno, disciplinado no art. 49, da LE.

Com isso, as restrições impostas às emissoras, nos termos do art. 45, da Lei nº 9.504/97, como, por exemplo, as relativas a “difundir opinião favorável ou contrária a candidato, partido, coligação, a seus órgãos ou representantes” e “dar tratamento privilegiado a candidato, partido ou coligação”, vigerão a partir do dia 5 de agosto, quando se encerra o prazo para a realização das convenções partidárias, abolindo-se o lapso anterior, cujo dies a quo era o 1º de julho do ano da eleição.

Embora a redução do período de campanha eleitoral tenha determinado, como se viu, a diminuição do lapso de incidência das restrições estabelecidas em lei quanto às emissoras de rádio e TV, a Lei nº 13.165/2015 praticamente manteve o período de proibição de que venham a transmitir “programa apresentado ou comentado por pré-candidato”, o que, na realidade, quando considerada a contenção dos prazos, representa um agravamento no tratamento destinado a tal conduta. Na redação anterior, a vedação incidia “a partir do resultado da convenção”, a qual, por seu turno, poderia ser realizada entre 10 e 30 de junho do ano eleitoral. Com a nova redação, mesmo quando considerado o fato de que a campanha somente terá início em 16 de agosto, a incidência ocorre já a partir de 30 de junho, antes, portanto, do período de convenções.

O tratamento mais rigoroso é revelado, também, pela previsão de que, na hipótese de transmissão, a partir de 30 de junho do ano eleitoral, de programa apresentado ou comentado por pré-candidato que, mais tarde, venha a ter o nome homologado em convenção partidária, a emissora estará sujeita a “multa no valor de vinte mil a cem mil UFIR, duplicada em caso de reincidência”, estabelecendo-se, ainda, quanto ao beneficiário, a consequência do cancelamento do registro da candidatura[13].

Indo adiante, tem-se que as novas regras da propaganda eleitoral no rádio e na TV impuseram a sensível diminuição dos programas em bloco. No caso das eleições para Presidente da República, eram veiculados dois programas de vinte e cinco minutos cada, totalizando cinquenta minutos no rádio e outros cinqüenta na TV, em três dias por semana, e, a partir de agora, serão dois programas de doze minutos e trinta segundos cada. O mesmo ocorrerá com os programas das disputas para deputado federal. Para ambos os cargos, os programas continuam sendo apresentados às terças, quintas e sábados.

Nas disputas para Senador, Deputado Estadual e Governador, os programas em bloco no rádio e na TV ocuparão, doravante, apenas vinte e cinco minutos, sendo cinco minutos destinados à disputa para o Senado; dez para a da Assembleia Legislativa e outros dez para a do Governo do Estado, mantidas as veiculações às segundas, quartas e sextas-feiras. No caso de renovação de dois terços do Senado, os programas serão de sete, nove e nove minutos, respectivamente, mantidos os mesmo vinte e cinco no total. Se considerados os cinquenta minutos anteriores, vê-se que houve redução, também, pela metade.

Já nas disputas municipais, os dois programas de trinta minutos, no rádio e na TV, veiculados de segunda-feira a sábado, contemplando os candidatos a cargos majoritários e proporcionais, foram substituídos por dois programas de apenas dez minutos, ainda assim franqueados exclusivamente a candidatos a Prefeito (e respectivos vices). Antes veiculados apenas às segundas, quartas e sextas-feiras, os programas para a disputa majoritária, agora, serão veiculados de segunda a sábado.

Como se vê, os candidatos a vereador não mais terão acesso aos programas em bloco, antes apresentados às terças, quintas e sábados. Caber-lhes-á, doravante, apenas a aparição nas inserções previstas no art. 47, inciso VII, da LE, das quais estavam alijados até então, dada a vedação prevista no art. 51, inciso II, agora revogado. Ainda assim, ocuparão apenas 40% (quarenta por cento) do tempo total, uma vez que os outros 60% (sessenta por cento) serão destinados à disputa para prefeito.

Em que pese a diminuição do tempo de veiculação dos programas em bloco, o das inserções foi ampliado. Ao invés de trinta, elas consumirão setenta minutos diários. Se considerado o fato de que se reservava aos candidatos a vereador dois programas de trinta minutos, em três dias da semana (sem direito a inserções), tem-se que os cento e oitenta minutos semanais previstos anteriormente (tanto no rádio, como na TV) somarão agora cento e noventa e seis minutos (28 minutos diários, de segunda a domingo). Mais do que uma compensação, houve um aumento do tempo de propaganda no rádio e TV para os candidatos às Câmaras Municipais, o que amaina os potenciais efeitos negativos da diminuição do período de campanha, ao menos quanto às cidades que utilizam tais meios de comunicação.

O mesmo tempo de inserções será observado nas eleições para os demais cargos (70 minutos), todavia, quanto a eles, a Lei nº 13.165/2015 previu a divisão em partes iguais para a utilização nas campanhas dos candidatos às eleições majoritárias e proporcionais, bem como de suas legendas partidárias ou das que componham a coligação, quando for o caso.

A utilização de imagens externas, que já vinha de ser admitida quanto às inserções desde a Lei nº 12.891/2013, que alterou o art. 51, inciso IV, é reforçada pela nova redação do art. 54, da LE, que disciplina o conteúdo da propaganda no rádio e na TV, indicando que nela só poderão aparecer, em gravações internas e externas:

candidatos, caracteres com propostas, fotos, jingles, clipes com música ou vinhetas, inclusive de passagem, com indicação do número do candidato ou do partido, bem como seus apoiadores, inclusive os candidatos de que trata o § 1º do art. 53-A, que poderão dispor de até 25% (vinte e cinco por cento) do tempo de cada programa ou inserção, sendo vedadas montagens, trucagens, computação gráfica, desenhos animados e efeitos especiais.

A alusão ao art. 53-A, da LE reforça a tentativa do legislador, já manifestada na Lei nº 12.891/2013, quanto a disciplinar e evitar a chamada “invasão de horário”. Como se vê a Lei nº 13.165/2015 admite que candidatos às eleições majoritárias figurem no horário destinado às proporcionais, em apoio a estes, dispondo de até 25% do tempo de cada programa ou inserção. O contrário também se aplica, quanto à aparição de candidatos às eleições proporcionais no programa de postulantes a cargos majoritários. Nesta última hipótese, porém, consideradas as eleições municipais e a ausência de previsão de que candidatos a vereador possam figurar nos programas em bloco, a eventual aparição no horário destinado aos candidatos a prefeito, ainda que em apoio a estes, poderá provocar fundada alegação de quebra da igualdade entre os competidores à Câmara Municipal.

Outra inovação trazida pela Lei nº 13.165/2015 quanto ao conteúdo dos programas é a possibilidade de veiculação de entrevistas com o candidato e de cenas externas nas quais ele, pessoalmente, exponha: a) realizações de governo ou da administração pública; b) falhas administrativas e deficiências verificadas em obras e serviços públicos em geral; e c) atos parlamentares e debates legislativos.

É lícito supor que não será rara a aparição de peças de publicidade gravadas em bens públicos ou nos seus arredores, buscando demonstrar vícios em obras e serviços, ou mesmo enaltecê-los, o que pode render ensejo a questionamentos quanto ao possível farpeamento dos limites espaciais da propaganda, estabelecidos no art. 37, da LE, muito embora estes se destinem a restringir a “veiculação” e não propriamente a captação de imagens para fins de divulgação.

Já quanto à propaganda eleitoral na internet, além da modulação quanto a seu termo inicial, que passará a observar, assim como quanto às demais, a data de 16 de agosto de 2015, consoante previsão do novo art. 57-A, a legislação foi alterada apenas quanto à admissibilidade de direito de resposta diante da divulgação de conceito, imagem ou afirmação caluniosa, difamatória, injuriosa ou sabidamente inverídica, fixando-se, todavia, ao contrário dos demais veículos, a possibilidade de que possa ser requerido a qualquer tempo, ou em 72 (setenta e duas) horas, após a sua retirada.

Em arremate deste tópico, cumpre examinar dois pontos que se apresentam de acendrada importância quanto às inovações trazidas ao campo da propaganda eleitoral e que guardam relação visceral com o princípio da igualdade de oportunidades nas competições eleitorais.

O primeiro, e verdadeiramente mais preocupante, diz respeito ao novo critério de rateio do acesso ao rádio e à TV, tal como previsto no art. 47, § 2º, da LE, que contempla a divisão de apenas 10% (dez por cento) do tempo igualitariamente entre todos os partidos e coligações que tenham lançado candidatos, enquanto 90% serão distribuídos proporcionalmente ao número de representantes na Câmara dos Deputados, ressalvando-se, quanto a essa fração, que será considerado, no caso de coligação para as eleições majoritárias, o resultado da soma dos deputados federais dos seis maiores partidos que a integrem.

Constata-se, sem maiores dificuldades, que a manifesta prevalência de partidos com maior densidade eleitoral, em detrimento de partidos menores ou recém-criados, já perceptível desde a entrada em vigor da Lei nº 9.504/97, vem se acentuando ao longo dos anos. Com efeito, ao contrário de que se logre caminhar no sentido de compensar as desigualdades (SÁNCHEZ MUÑOZ, 2007, p. 85), privilegiando a equidade das disputas eleitorais (DAHL, 2006. p. 14), a legislação eleitoral brasileira caminha no sentido de agravá-las, em frontal violação à Constituição.

Some-se a isso o fato de que, não obstante firme no propósito de contemplar a transferência de cotas de representatividade a novas agremiações, garantindo-lhes acesso ao Fundo Partidário e ao direito de antena, como ocorreu por ocasião dos julgamentos das ADI’s nos 4.430/DF, julg. 29.6.2012; e 5.105/DF, julg. 1º.10.2015, o STF perdeu oportunidade de avançar, quando legitimou, por via reflexa, na ocasião do exame da primeira delas, o critério desproporcional de rateio do acesso ao rádio e à TV entre os partidos que disputam a eleição, estabelecido na Lei nº 9.504/97, assentando a constitucionalidade da divisão “proporcionalmente à representatividade dos partidos na Câmara Federal”:

A solução interpretativa pela repartição do horário da propaganda eleitoral gratuita de forma igualitária entre todos os partidos partícipes da disputa não é suficiente para espelhar a multiplicidade de fatores que influenciam o processo eleitoral. Não há igualdade material entre agremiações partidárias que contam com representantes na Câmara Federal e legendas que, submetidas ao voto popular, não lograram eleger representantes para a Casa do Povo. Embora iguais no plano da legalidade, não são iguais quanto à legitimidade política. Os incisos I e II do § 2º do art. 47 da Lei nº 9.504/97, em consonância com o princípio da democracia e com o sistema proporcional, estabelecem regra de equidade, resguardando o direito de acesso à propaganda eleitoral das minorias partidárias e pondo em situação de privilégio não odioso aquelas agremiações mais lastreadas na legitimidade popular. O critério de divisão adotado – proporcionalidade à representação eleita para a Câmara dos Deputados – adéqua-se à finalidade colimada de divisão proporcional e tem respaldo na própria Constituição Federal, que faz a distinção entre os partidos com e sem representação no Congresso Nacional, concedendo certas prerrogativas, exclusivamente, às agremiações que gozam de representatividade nacional (art. 5º, LXX, a; art. 103, VIII; art. 53, § 3º; art. 55, §§ 2º e 3º; art. 58, § 1º).

O segundo ponto, e que guarda inegável conexão com o primeiro, diz respeito à participação nos debates. Antes assegurada a todos os candidatos originários de partidos com representação na Câmara dos Deputados, a participação agora somente resta garantida aos postulantes filiados a agremiações que contem com bancada superior a nove deputados federais. O impacto da medida, quanto às agremiações menores, é perfeitamente identificável. Considerando-se os números atuais, notadamente que há 35 (trinta e cinco) partidos com estatutos registrados no TSE – dada a recente inclusão da REDE, NOVO e PMB, que poderão disputar eleições pela primeira vez em 2016 –, dos quais 26 (vinte e seis) contam com bancadas na Câmara e que, dentre eles, 10 (dez) têm, presentemente, bancadas inferiores a 10 (dez) deputados, conclui-se que apenas 16 (dezesseis) agremiações, de um universo de 35 (trinta e cinco), têm presença assegurada nos debates, o que representa menos da metade[14].

Arrecadação e aplicação de recursos nas campanhas eleitorais

Uma das principais mudanças quanto ao sistema de arrecadação de recursos para as campanhas eleitorais, consideradas as eleições municipais de 2016, não decorre propriamente da Lei nº 13.165/2015, mas antes da decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI 4.650/DF (julg. 17.9.2015), quando se concluiu pela inconstitucionalidade das doações de pessoas jurídicas.

O julgamento da provocação do Conselho Federal da OAB teve início em dezembro de 2013 e foi interrompido por pedido de vistas, sendo retomado em abril de 2014. Na ocasião, quando já contabilizados 6 (seis) votos pela procedência da ADI (a maioria da Corte, portanto), o exame foi novamente sobrestado a requerimento do Ministro Gilmar Mendes, sendo retomado apenas em 16 de setembro de 2015, não obstante os baldados apelos de entidades da sociedade civil ao longo desse interregno[15].

A posição da maioria do STF quanto à inconstitucionalidade das normas que consagravam o modelo então vigente, embora já conhecida, ainda pendia de pronunciamento definitivo, retardado em razão do pedido de vista antes mencionado, situação que acabou impulsionando os parlamentares entusiastas da manutenção da captação de recursos junto a pessoas jurídicas a tentarem, ao longo desse período, constitucionalizar a medida, ou, quando não, contemplá-la, sob nova roupagem, na Lei das Eleições.

Nesse afã, e com direito a parlamentares apontando a violação de normas regimentais por parte da Presidência da Câmara (vide STF, MS nº 33.630/DF, Rel. Min. Rosa Weber), aquela Casa aprovou, em 27 de maio e 12 de agosto de 2015 (1º e 2º turnos), a inclusão na Constituição Federal de norma que consagra a possibilidade de doações de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais, objeto da PEC nº 182/2007 (Reforma Política), estando a propositura, atualmente, ao aguardo de deliberação pelo Senado Federal.

Além da tentativa de constitucionalizar a medida, cujo êxito se revelava, ao menos aprioristicamente, mais árduo, dada a necessidade de aprovação nas duas Casas, em dois turnos, com quórum de 3/5 (três quintos) em cada um, ainda remanescia a possibilidade de manter a previsão da doação empresarial na Lei das Eleições, mesmo que tal representasse contrariar a maioria já formada no STF.

Firme nesse propósito e mesmo diante da posição contrária do Senado Federal, que rejeitou tal modelo de captação quando da apreciação do PL nº 5.735/2013 (que mais se tarde se transformaria na Lei nº 13.165/2015), a Câmara dos Deputados, por sua maioria, houve por bem contemplar tal modalidade de arrecadação de recursos, deliberando incluir na Lei das Eleições o art. 24-B, que previa a possibilidade de doação de pessoas jurídicas aos partidos, observado o teto de R$ 20 (vinte) milhões:

Art. 24-B. Doações e contribuições de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais poderão ser feitas para os partidos políticos a partir do registro dos comitês financeiros dos partidos ou coligações.

§ 1º As doações e contribuições de que trata este artigo não poderão ultrapassar nenhum dos seguintes limites:

I – 2% (dois por cento) do faturamento bruto do ano anterior à eleição, somadas todas as doações feitas pelo mesmo doador, até o máximo de R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais);

II – 0,5% (cinco décimos por cento) do faturamento bruto, somadas todas as doações feitas para um mesmo partido.

§ 2º A doação de quantia acima dos limites fixados neste artigo sujeita a pessoa jurídica ao pagamento de multa no valor de cinco vezes a quantia em excesso.

§ 3º Sem prejuízo do disposto no § 2º, a pessoa jurídica que ultrapassar o limite fixado no § 1º estará sujeita à proibição de participar de licitações públicas e de celebrar contratos com o poder público pelo período de cinco anos por determinação da Justiça Eleitoral, em processo no qual seja assegurada ampla defesa.

§ 4º As representações propostas objetivando a aplicação das sanções previstas nos §§ 2º e 3º observarão o rito previsto no art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, e o prazo de recurso contra as decisões proferidas com base neste artigo será de três dias, a contar da data da publicação do julgamento no Diário Oficial.

Tal dispositivo, porém, viria a ser vetado pela Presidenta Dilma Rousseff, conforme decreto publicado no DOU de 29.9.2015, indicando que a doação empresarial “confrontaria a igualdade política e os princípios republicano e democrático”, conforme decidira o STF na ADI 4.650/DF antes citada, cujo julgamento, àquela altura, já fora concluído. O veto foi mantido pelo Congresso Nacional em 18 de novembro de 2015, ainda que tenha recebido 220 (duzentos e vinte) votos pela derrubada, dos 257 (duzentos e cinquenta e sete) necessários.

Como resultado do julgamento do STF e do veto presidencial, que, como dito, findou mantido, tem-se que a doação empresarial não mais encontra amparo na legislação eleitoral, devendo restar integralmente afastada do contexto das disputas a partir de 2016, sob pena de que se tenha por configurada a arrecadação de recursos de fonte vedada.

Ainda que se considere o fato de que a PEC nº 182/07 venha a ser aprovada pelo Senado antes da eleição de 2016, a sua aplicabilidade no próximo pleito restaria comprometida em razão da incidência do princípio da anterioridade (CF, art. 16), além de poder suscitar nova discussão no campo do controle abstrato, face à decisão do STF na ADI 4.650/DF.

Assim, a tomar por base a conformação atual, a administração financeira das campanhas deve considerar como fontes: a) recursos repassados pelos respectivos partidos, inclusive os relativos ao Fundo Partidário (que são quase exclusivamente públicos, conforme previsão do art. 38, da LPP); b) recursos dos próprios candidatos; e c) doações de pessoas físicas, conforme previsão do art. 20, da LE[16]. A omissão do dispositivo quanto à captação de recursos junto a pessoas jurídicas é eloquente. Ainda que não esteja expressamente prevista no rol de fontes vedadas do art. 24, da LE, a arrecadação de recursos junto a pessoas jurídicas não encontra amparo na legislação, tratando-se, com efeito, de uma vedação a contrario sensu.

As doações de pessoas físicas permanecem limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano anterior à eleição, com a previsão de que a extrapolação acarretará a aplicação de multa no valor de cinco a dez vezes a quantia em excesso. Ficam excluídas desse teto as doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador, desde que o valor estimado não ultrapasse R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), em contraposição ao valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), estabelecido anteriormente.

Ainda no campo das doações de pessoas físicas, o novo art. 24-C estabelece que o limite (10% dos rendimentos brutos) será apurado anualmente pelo TSE e pela Receita Federal, considerando tanto os doadores que figurem, nessa condição, nas prestações de contas anuais dos partidos políticos, como nas de candidatos que tenham disputado eleições ordinárias ou suplementares realizadas no exercício financeiro respectivo. O TSE deve enviar as informações à Receita até o dia 30 de maio do ano seguinte ao da apuração, e caso identifique indício de excesso, o órgão fiscal deverá comunicar o fato, até 30 de julho, ao Ministério Público Eleitoral, que poderá até o final do exercício financeiro, ajuizar a competente representação, ampliando-se, assim, de modo bastante significativo, o prazo de 180 (cento e oitenta) dias a contar da diplomação, sob pena de decadência, que vinha sendo observado, em razão de construção jurisprudencial do TSE[17].

Já o candidato poderá empreender recursos próprios até o limite de gastos estabelecido para o cargo ao qual concorre, cujos critérios de fixação serão abordados adiante.

Outra anotação merece ser feita: a Lei nº 13.165/2015 revogou expressamente o art. 81, da Lei nº 9.504/97, que disciplinava as doações de pessoas jurídicas. Não porque o reputasse inconstitucional, como, aliás, já vinha de afirmar a maioria do STF, mas sim ante o fato de que o novo art. 24-B passaria a regular o tema, mantido praticamente o mesmo tratamento, ou seja: limite de 2% (dois por cento) do faturamento bruto no ano anterior ao da eleição; e, nos casos de descumprimento do teto, sanções de multa (de cinco vezes a quantia em excesso, ao invés do dispositivo anterior que cogitava entre cinco e dez); e proibição de contratar com o poder público pelo prazo de cinco anos.

Com o veto presidencial à referida disposição, somado à revogação expressa do art. 81, da LE (que somente se justificava porque, como visto, o tema passaria a ser tratado em outro dispositivo), deu-se azo a uma possível interpretação de que teria havido como que uma abolitio relativamente às doações em excesso praticadas antes da entrada em vigor da Lei nº 13. 165/2015, além de se criar um vácuo normativo quanto a ilícitos dessa natureza que viessem a ser praticados a partir de então, notadamente a partir do pleito de 2016. A questão, neste ponto, seria: qual o tratamento destinado pela legislação eleitoral, especialmente após a edição da Lei nº 13.165/2015 e da decisão do STF na ADI nº 4.650/DF, aos casos de candidatos que, comprovadamente, mesmo diante da vedação (a contrario sensu) da arrecadação de recursos junto a pessoas jurídicas, venham a captá-los junto a tal fonte?

Quanto à possível abolitio, inclusive com possíveis efeitos elisivos relativamente às representações em curso quando da entrada em vigor da nova lei, traz-se à colação o correto posicionamento recém-manifestado pelo Promotor Edson de Resende Castro, em artigo intitulado: “Excesso de doação nas eleições de 2014 à luz da ADI 4.650 e da Lei 13.165/15”, publicado na internet, no qual sustenta:

Que o conteúdo normativo do art. 81 da Lei n. 9.504/97 não foi revogado pela Lei n. 13.165/2015. Ao contrário, foi reproduzido e reafirmado no art. 24-B, daí que a manifesta e substancial deliberação legislativa não pode ceder à mera literalidade da redação final alcançada. 

Que a revogação do art. 81 da Lei n. 9.504/97, resultante apenas da literalidade da Lei n. 13.165/2015, é inconstitucional, por extrapolação dos limites traçados pela CF à produção legislativa ordinária e por impor indevido retrocesso aos mecanismos de proteção da normalidade e legitimidade dos pleitos, distanciando-se da recomendação constitucional. 

Que a eventual admissão da constitucionalidade da revogação do art. 81 não impacta as Representações por excesso de doação em curso, face ao princípio da irretroatividade das leis, mormente as que se chocam com a finalidade primária da norma e diminuem ou eliminam os instrumentos de efetiva proteção da lisura dos pleitos[18].

Lembra o autor que a decisão do STF alcançou tão-somente o caput e o § 1º, do art. 81, da LE, ainda assim para eleições futuras, “nada falando de incompatibilidade do § 2º (no qual descrita a conduta e previstas as sanções)”, com o que o Supremo, “ao mesmo tempo em que reconhece a constitucionalidade do tipo infracional, preserva-o para aplicação futura”.

Quanto aos efeitos da Lei nº 13.165/2015 sobre as representações em curso, Castro sustenta que a revogação do art. 81, somada ao veto do art. 24-B, passa a impressão de que não mais subsistiria a disciplina do excesso de doação por pessoas jurídicas, a qual, porém, se revela equivocada, pois o legislador repetia, na nova redação, as mesmas sanções do art. 81, quais sejam: multa e proibição de contratar com o poder público, mantendo-se “o desvalor social da conduta”. Desse modo, aponta o autor que:

Interpretação histórica do processo legislativo conduz à inarredável conclusão de que o conteúdo do art. 81 não foi revogado, ao contrário, reafirmado pelo legislador no art. 24-B. A literalidade, portanto, é resultado apenas de uma tramitação desencontrada e desatenta do PL n. 5735/2013, especialmente no momento da sanção, e da superveniência do julgamento da ADI 4650, que influenciou o veto ao art. 24-B.

Como sustentado pelo Promotor Edson de Resende Castro, além de não haver qualquer intenção do legislador quanto a abolir os efeitos da conduta ilícita, a norma revogadora, a essa altura, diante do veto ao art. 24-B, resta alcançada por inconstitucionalidade, dada a manifesta incompatibilidade com a Lei Maior da revogação pura e simples dos comandos legais punitivos (especialmente os insertos nos §§ 2º e 3º, do art. 81), a qual conduziria a um indevido retrocesso quanto ao resguardo dos valores da normalidade e legitimidade da eleição, em circunstâncias não desejadas nem mesmo pelo Poder Legislativo.

Desse modo, reforça-se a conclusão de que, mesmo após a entrada em vigor da Lei nº 13.165/2015, permanece hígida a possibilidade de julgamento e, eventualmente, aplicação das sanções previstas no art. 81, da LE, quanto a pessoas jurídicas apanhadas em casos de doação em excesso, bastando, para tanto, que haja a declaração de inconstitucionalidade incidenter tantum do art. 15, da Lei nº 13.165/2015, quanto à expressão “o art. 81”, ou seja, da norma revogadora.

Acolher esse entendimento, como se vê, permite aplicar os efeitos punitivos do art. 81, da LE, mesmo quanto aos fatos ocorridos após a edição da Lei nº 13.165/2015, em que pese, possa causar alguma perplexidade ao intérprete a incidência de dispositivo revogado. A revogação, porém, há de ser previamente afastada, por conflitar com a Constituição.

Ainda que assim não seja, isto é, caso se conclua pela impossibilidade de aplicação do art. 81, da LE a fatos ocorridos posteriormente à sua revogação, não se estará diante de qualquer vácuo normativo. É que a eventual conduta de candidatos que, doravante, mesmo diante da vedação legal, venham a ser apanhados na prática de arrecadação de recursos pela via da doação de pessoas jurídicas deve acarretar a desaprovação das contas e a devolução dos recursos ou, não sendo possível a identificação da fonte, a transferência para a conta única do Tesouro Nacional, de acordo com o novo § 4º, do art. 24 da LE. Além disso, é possível vislumbrar as seguintes conseqüências:

a) apuração de abuso do poder econômico por parte do candidato, face à captação de recursos de fonte vedada, com a possibilidade de cassação do registro ou diploma e reconhecimento de inelegibilidade, seja quanto a ele ou a outros que eventualmente tenham contribuído para a prática do ato (LI, art. 22, inciso XIV), sem prejuízo de sanção ao Partido, nos termos do art. 25, da LE, cominando-se a suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário; ou

b) representação com fundamento no art. 30-A, da LE, dada a arrecadação em desacordo com a lei, ilícito eleitoral punível com a negação ou cassação do diploma, inclusive com possibilidade de gerar a inelegibilidade do candidato transgressor que venha a ser condenado (Art. 1º, inciso I, alínea “j”, da LI); e do responsável pela pessoa jurídica que realizou a doação ilegal (Art. 1º, inciso I, alínea “p”, da LI), observado o procedimento da investigação judicial eleitoral (AIJE).

Assim, ainda que não se tenha por admissível a aplicação do art. 81, da LE a fatos ocorridos posteriormente à sua revogação, não se está diante de qualquer anomia, em que pese forçoso reconhecer que essa segunda solução afastaria a possibilidade de sancionar a pessoa jurídica com a aplicação de multa e proibição de contratar com o poder público.

O avultado peso que as doações empresariais vinham assumindo no Brasil nos últimos anos, retroalimentando o também crescente aumento dos custos das campanhas, revela que a impossibilidade de captação de recursos por tal modalidade representa, como se afirmou, uma das principais mudanças no marco regulatório das eleições municipais de 2016, quando não a maior delas.

Isso porque o estabelecimento de limites de gastos, igualmente alardeado como modificação sensível no contexto das disputas eleitorais, parece não ter o potencial de assumir tal condição, como se demonstrará.

Cumpre recordar, neste ponto, que a Lei nº 11.300/06 já inserira na Lei das Eleições o art. 17-A, conferindo ao Congresso Nacional a faculdade de, a cada pleito, e mediante lei, fixar os limites de gastos de campanha para os cargos em disputa, prerrogativa, contudo, da qual jamais se desincumbiu.

Ante o silêncio do Poder Legislativo, prevalecia a solução já estabelecida no mesmo art. 17-A, qual seja: “não sendo editada lei até a data estabelecida, caberá a cada partido político fixar o limite de gastos, comunicando à Justiça Eleitoral, que dará a essas informações ampla publicidade”.

Logo, diante da omissão do Poder Legislativo, incumbia a cada partido fixar o limite de gastos de seus candidatos, condicionado ao seu potencial financeiro de captação de recursos, fator que contribuiu, sem dúvidas, para a elevação estratosférica dos custos das campanhas eleitorais no Brasil, cuja consequência mais direta tem sido o desequilíbrio dos pleitos, ante a real impossibilidade de que candidatos menos abastados possam disputar mandatos em igualdade de chances com postulantes apoiados por grandes conglomerados econômicos.

Como que a reconhecer a inutilidade do comando então vigente, a Lei nº 13.165/2015 adotou sistemática diversa, passando a fixar parâmetros para o estabelecimento dos limites de gastos nas campanhas eleitorais, cujos valores serão definidos e divulgados antes de cada pleito pelo Tribunal Superior Eleitoral (LE, art. 18).

Os arts. 5º a 8º, da Lei nº 13. 165/2015, ao fixarem os parâmetros que serão observados doravante, tomam por base os gastos declarados nas disputas para os mesmos cargos e na mesma circunscrição quando da eleição imediatamente anterior à promulgação da lei, importando, portanto, no caso do pleito municipal de 2016, que os limites sejam fixados com base nas despesas declaradas à Justiça Eleitoral quanto ao pleito de 2012.

Determina a nova regulamentação, consideradas as disputas para o Executivo (Presidente, Governadores e Prefeitos), que, para o 1º turno das eleições, os candidatos poderão despender, no máximo, 70% (setenta por cento) do maior gasto declarado na última disputa para o cargo, na circunscrição eleitoral em que houve apenas um turno; e 50% (cinqüenta por cento) da maior despesa, naquela em que houve dois turnos.

Assim, tomando, em juízo hipotético, que o maior gasto declarado na circunscrição, relativamente ao pleito municipal de 2012, tenha sido de R$ 1 milhão, e que a eleição naquele ano tenha tido apenas um turno, o limite de gastos no primeiro turno da eleição de 2016, para os candidatos a Prefeito, será de R$ 700 mil (70%). Caso a eleição de 2012 tenha sido decidida em 2 turnos, os candidatos poderão despender, no primeiro turno de 2016, o máximo de R$ 500 mil, que equivale a 50% do maior gasto declarado na eleição anterior.

Seguindo no mesmo exemplo, e considerando que haja 2º turno na eleição de 2016, os gastos nessa etapa ficam limitados a 30% do valor previsto como limite para o 1º turno.  Logo, o gasto máximo no 2º turno poderá ser de R$ 210 mil ou 150 mil, equivalente a 30% do limite gasto na primeira rodada da disputa.

No caso de disputas para o Poder Legislativo (Senador, Deputados Federal, Estadual e Distrital, bem como para Vereador) o limite será de 70% (setenta por cento) do maior gasto declarado na circunscrição para o respectivo cargo na eleição imediatamente anterior à publicação da lei.

Tanto num como noutro caso, o cálculo dos maiores gastos declarados considerará todas as despesas efetuadas por candidatos, partidos e comitês financeiros, e os valores encontrados devem ser previamente submetidos a atualização monetária pelo INPC (IBGE), após o que serão aplicados os percentuais para encontrar os limites.

Os valores do teto serão divulgados até o dia 20 de julho do ano eleitoral (data a partir da qual podem ter início as convenções) e passarão a ser atualizados monetariamente, pelo mesmo índice, com vistas às eleições subsequentes. Para fins de cômputo dos limites de gastos de cada campanha, devem ser contabilizadas todas as despesas feitas por candidatos e partidos que puderem ser individualizadas.

Estabeleceu-se, ainda, tratamento excepcional quanto aos municípios com até 10 (dez) mil eleitores, mediante fixação de limites em valores nominais, quais sejam: R$ 100 mil para as disputas de Prefeito e R$ 10 mil para Vereador. Ainda assim, o dispositivo admite despesas acima desses valores, desde que a aplicação do percentual fixado (70% do maior gasto declarado na última eleição) resulte em valor maior, o qual prevalecerá.

Cumpre anotar que, após a edição da Lei nº 13.165/2015, o descumprimento dos limites de gastos fixados para cada campanha acarretará o pagamento de multa em valor equivalente a 100% (cem por cento) da quantia que ultrapassar o limite estabelecido, sem prejuízo da apuração da ocorrência de abuso do poder econômico, o que importa em tratamento mais brando do que aquele originalmente dado ao tema pela Lei nº 9.504/97, a qual previa, em seu art. 17, § 2º, uma “multa no valor de cinco a dez vezes a quantia em excesso”.

Como afirmado, o estabelecimento dos limites de gastos, tal como idealizado pela Lei nº 13.165/2015, não confere alentada esperança de que o poder econômico deixe de comparecer no cenário das disputas eleitorais como fator decisivo. Ao fixar limites que tomam por base os maiores gastos realizados nas eleições anteriores, os quais, por si, já eram exorbitantes, não se vislumbra o estabelecimento de barreiras mais efetivas. É como “congelar” os gastos no seu teto, cabendo observar que mesmo no caso da fixação de valores nominais, a lei excepciona a aplicação em percentuais, caso resulte em valor mais alto.

Outra inovação significativa foi a extinção dos comitês financeiros. A nova redação do art. 20 estabelece que o candidato fará, pessoalmente ou por intermédio de pessoa por ele designada, a administração financeira de sua campanha, usando, dentre outros, recursos repassados pelo partido, excluída, portanto, a previsão de repasse sob a responsabilidade de comitê financeiro. A extinção é reforçada pelo fato de que, doravante, a obrigação de prestar contas recai pessoalmente sobre o candidato, nos termos do art. 28, §§ 1º e 2º, tanto nas eleições majoritárias como nas proporcionais, muito embora, em caso de designação de administrador financeiro, ambos devam assinar os respectivos demonstrativos e demais documentos pertinentes, sendo solidariamente responsáveis pela veracidade das informações (LE, art. 21)[19].

Prestação de contas

O encurtamento do período de campanha eleitoral também gerou reflexos no campo das prestações de contas, notadamente quanto ao prazo da prestação parcial, assim considerada a realizada ainda durante a fase de captação de votos, na primeira semana dos meses de agosto e setembro. Segundo o novo art. 28, § 4º, da LE, os partidos, coligações e os candidatos são obrigados, durante as campanhas eleitorais, a divulgar em sítio criado pela Justiça Eleitoral para esse fim na internet: I – os recursos em dinheiro recebidos para financiamento de sua campanha eleitoral, em até 72 (setenta e duas) horas de seu recebimento; e II – no dia 15 de setembro, relatório discriminando as transferências do Fundo Partidário, os recursos em dinheiro e os estimáveis em dinheiro recebidos, bem como os gastos realizados.

As informações sobre os recursos recebidos devem ser divulgadas com a indicação dos nomes e do CPF dos doadores e dos respectivos valores doados já na prestação parcial, permitindo que os eleitores conheçam, antes da eleição (como recomenda a transparência), os financiadores da campanha de cada candidato e possam orientar suas escolhas a partir desses dados.

Neste campo, merece referência o fato de que o STF, em decisão tomada na ADI nº 5.394/DF, julg. 12.11.2015, já reportada anteriormente, suspendeu a eficácia da expressão "sem individualização dos doadores", constante da parte final do § 12, do art. 28 da LE, acrescentado pela Lei nº 13.165/2015, e que, na prática, permitia as chamadas doações ocultas de partidos para candidatos, uma vez que valores doados às agremiações seriam repassados aos postulantes com ocultação da origem, sendo lançados sob a rubrica “transferência dos partidos”, enquanto que, na prestação de contas do partido, seriam lançados apenas como “transferência aos candidatos”.

A Lei nº 13.165/2015 criou, ainda, um sistema simplificado de prestação de contas, destinado a candidatos a quaisquer cargos que apresentem movimentação financeira correspondente a, no máximo, R$ 20.000,00 (vinte mil reais), valor que será atualizado monetariamente a cada eleição, bem como a postulantes em eleições municipais (tanto Prefeitos, como Vereadores) nas cidades com menos de 50 (cinquenta) mil eleitores.

Segundo o novo art. 28, § 10, da LE, as prestações de contas pelo sistema simplificado deverão conter as seguintes informações: I – identificação das doações recebidas, com os nomes, o CPF ou CNPJ dos doadores e os respectivos valores recebidos; II – identificação das despesas realizadas, com os nomes e o CPF ou CNPJ dos fornecedores de material e dos prestadores dos serviços realizados; e III – registro das eventuais sobras ou dívidas de campanha.

Ainda que não o mencione a lei, a Resolução do TSE para as eleições de 2016, relativamente às prestações de contas, ressalva expressamente que, mesmo os candidatos que fizerem uso do sistema simplificado, não estarão desobrigados de apresentar os documentos pertinentes. Segundo os arts. 58 e 59, da referida minuta, a análise será informatizada e simplificada, dispensando a assinatura de profissional habilitado em contabilidade, devendo ser juntados, ainda assim, os seguintes documentos: I – extratos da conta bancária aberta em nome do candidato e partido político, inclusive da conta aberta para movimentação de recursos do Fundo Partidário, quando for o caso; II – comprovantes de recolhimento (depósitos/transferências) à respectiva direção partidária das sobras financeiras de campanha; III – declaração firmada pela direção partidária comprovando o recebimento das sobras de campanha constituídas por bens e/ou materiais permanentes, quando houver; e IV – instrumento de mandato para constituição de advogado para a prestação de contas.

Por fim, cumpre anotar que, a Lei nº 13.165/2015 determina que a decisão que julgar as contas dos candidatos eleitos será publicada em sessão até 3 (três) dias antes da diplomação, em contraposição aos 8 (oito) dias previstos anteriormente, elastecendo-se o prazo de que dispõe a Justiça Eleitoral para proceder à análise, sem que tal importe em prejuízo à realização do último ato do microprocesso eleitoral.

Direito Processual Eleitoral

Algumas alterações significativas no campo do Direito Processual Eleitoral foram determinadas pela Lei nº 13.165/2015, com impactos sobre o direito probatório, o cúmulo de ações e a execução das decisões (efeitos dos recursos), repercutindo nos ritos das ações e representações de competência da Justiça Especializada.

Quanto às modificações introduzidas no Código Eleitoral, cumpre destacar, de início, a nova redação dada ao art. 14, § 3º, fixando que não poderão servir como juízes eleitorais ou como membros de tribunais eleitorais, o cônjuge ou parente consanguíneo ou afim, até o segundo grau, de candidato a cargo eletivo registrado na circunscrição, estabelecendo-se que a vedação incide desde a homologação da respectiva convenção partidária e, doravante, “até a diplomação dos eleitos” e não mais até a apuração final. Como a diplomação é o último ato do microprocesso eleitoral e, ordinariamente, demarca o encerramento da competência da Justiça Eleitoral, excetuados, por obviedade, os procedimentos ainda em curso e aqueles que somente podem ser ajuizados após tal marco (especialmente AIME e RCED), parece adequado ampliar o lapso de incidência do impedimento, sem embargo de que, mesmo após esse prazo e em demandas específicas, possa ser oposta por meio da competente exceção a eventual suspeição do magistrado, diante de fundado questionamento quanto à sua imparcialidade.

Uma alteração com impacto nos Regionais é a que diz respeito ao quórum para julgamento das ações que importem em cassação de registro, anulação geral de eleições ou perda de diplomas. Segundo a nova redação do art. 28, § 4º, decisões dessa natureza “somente poderão ser tomadas com a presença de todos os seus membros”, sendo o comando complementado pelo novo § 5º, que determina, na hipótese de impedimento de algum juiz, a convocação de suplente da mesma classe. A norma, em verdade, estende aos TRE´s a mesma disciplina observada quanto ao TSE, face à imposição do art. 19, Parágrafo Único, do Código Eleitoral.

Os efeitos da alteração do art. 224, do Código Eleitoral, relativamente à nulidade da eleição majoritária (novo § 3º) e a forma de realização da eleição suplementar, quando a vacância decorrer de causa eleitoral (novo § 4º) já foram referidas quando do exame das mudanças do calendário eleitoral (vide item 1, supra).

Nessa ocasião, cabe apenas reforçar a existência de possível conflito entre a regra do novo § 4º com a autonomia dos entes federativos para que disponham, em suas respectivas Constituições Estaduais e Leis Orgânicas, sobre o modo de realização das eleições em casos de dupla vacância da chefia do Executivo. Ainda que o vácuo tenha origem em causa eleitoral, assoma fundada a incompatibilidade da referida norma com o poder de auto-organização e autolegislação dos respectivos entes. Ademais, diante do comando expresso do art. 81, da CF, quanto à dupla vacância dos cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, assoma evidente a incompatibilidade da norma quando considerado o âmbito do Executivo Federal.

Outra mudança sensível diz respeito à introdução dos §§ 2º e 3º, no art. 257, relativamente ao recurso ordinário. Segundo a nova disciplina, nos casos de recurso interposto contra decisão da qual tenha resultado cassação de registro, afastamento do titular ou perda de mandato eletivo, o inconformismo será recebido pelo Tribunal competente com efeito suspensivo, excepcionando-se, para essas hipóteses, a regra do caput do art. 257, que, como é sabido, determina a execução imediata das decisões.

É certo que a práxis vinha revelando uma tendência bastante clara dos Tribunais quanto a conferir efeito suspensivo a recursos interpostos contra decisões em casos que tais, mediante concessão de medidas cautelares, para o que se invocava a existência de risco de dano de difícil reparação, especialmente nos casos de perda de mandato, uma vez que o período consumido fora do cargo não mais poderia ser reconstituído. A rotina já fora objeto de crítica noutra sede:

O primeiro ponto que merece ser revisto repousa sobre o comportamento recorrente dos tribunais eleitorais quanto ao deferimento de medidas cautelares que conferem efeito suspensivo aos recursos interpostos contra decisões que sancionam candidatos apanhados na prática de infrações, postergando a execução imediata dos julgados.

Surge a ideia de que, resguardado por provimento que assegure a manutenção no cargo até o julgamento definitivo do recurso (ainda que diante de decisão judicial que cassou o mandato), o candidato-litigante de tudo lançará mão para procrastinar o andamento do processo. (OLIVEIRA, 2010, p. 116)

Além disso, firmou-se historicamente a tendência dos tribunais eleitorais no sentido de que, em privilégio da soberania popular, o candidato eleito somente deveria ser apeado do cargo quando do trânsito em julgado da decisão, o que, à luz do sistema brasileiro de controle das eleições, poderia se apresentar como um exagero, consoante já se pontuara:

É preciso ter presente o fato de que milita em favor do candidato vitorioso a presunção de haver logrado o mandato de forma lícita, sendo de se lhe garantir, em privilégio da soberania popular, o reconhecimento do título que o habilitará ao exercício das funções para as quais foi escolhido. Tal presunção, contudo, pode ser elidida enquanto perdurar a contestação dos expedientes de que lançou mão para a captação dos votos, de modo que, reconhecida, mediante decisão judicial, a prática do vício – que exige, em regra, no Brasil, com suporte em iterativa construção jurisprudencial, prova inconcussa do ilícito e potencialidade para influenciar a normalidade e legitimidade das eleições, o que bastante justificável diante de valor sensível como a soberania popular – passará a militar em favor da coletividade o interesse de expurgar aquele que violou as regras da disputa. (OLIVEIRA, 2010, p. 103)

Com a modificação ora introduzida, os recursos passam a ser recebidos, também, com efeito suspensivo automático, ex vi legis, mantendo-se na disputa o candidato que teve o registro indeferido ou, no caso de já ter sido eleito, resguardando-se sua posse e permanência no cargo, pelo menos, até a decisão do Tribunal Superior Eleitoral, uma vez que o novo § 2º, do art. 257 reporta-se tanto a recursos interpostos contra decisões dos juízes eleitorais, como dos Regionais, nos casos que especifica. Desse modo, aproxima-se o regime das ações eleitorais que possam conduzir à cassação do registro ou à perda do mandato daquele já estabelecido para o Recurso contra a Expedição do Diploma, por força da previsão do art. 216, do CE, de modo que o cumprimento das decisões restará condicionado ao exaurimento de todas as instâncias da Justiça Eleitoral, sem embargo de que, manejado o Recurso Extraordinário dirigido ao STF, possa aquela Corte, ainda assim, postergar o cumprimento do decisum até o julgamento final.

De qualquer modo, ainda que o cumprimento da decisão reste postergado até a confirmação pelo Tribunal Superior Eleitoral, não se há de afastar, desde a decisão do Regional (órgão colegiado) a inelegibilidade que surgir como consequência do julgamento, nos exatos termos da Lei Complementar nº 64/90, com as alterações determinadas pela Lei da Ficha Limpa. De modo mais direto: ainda que a perda do mandato fique sobrestada, ao aguardo do deslinde do recurso, o candidato já estará inelegível desde a condenação do órgão colegiado, nos casos em que a legislação assim preveja.

Estabeleceu-se, ainda, uma regra de preferência para o julgamento desses recursos, por força da nova redação do art. 257, § 3º, ressalvados apenas os casos de habeas corpus e mandado de segurança.[20]

No campo do direito probatório, a Lei nº 13.165/2015 fez inserir no Código Eleitoral, mais especialmente no Capítulo das Disposições Gerais e Transitórias, a regra do art. 368-A, segundo a qual: “A prova testemunhal singular, quando exclusiva, não será aceita nos processos que possam levar à perda do mandato”.

O objetivo da mudança parece bastante claro. Diante da fragilidade da prova testemunhal, especialmente no campo do contencioso eleitoral, em que eleitores são comumente alvo de pressão, coação ou aliciamento para que venham prestar depoimento em Juízo, ou, quando não, para que deixem de comparecer, ou ainda, para que compareçam e omitam a verdade, busca-se evitar o juízo de desconstituição do mandato eletivo fundado em prova exclusivamente testemunhal.

É certo que expressiva quantidade de ilícitos eleitorais, especialmente quando em vista a corrupção, ocorre de forma sorrateira, camuflada, sendo a troca de vantagens presenciada apenas por corruptor e corrompido, embora, não raro, deixe vestígios, como é o caso das benesses ofertadas em troca de votos. Nesse contexto, a prova testemunhal tende a assumir uma importância considerável no âmbito das lides eleitorais e o que se pretende, a partir da mudança, é restringir o seu peso, quando desacompanhada de outros elementos.

O dispositivo merece críticas, de plano, pela sua topografia, pois encartado no apêndice do Código Eleitoral, em capítulo apartado de quaisquer dos ritos atualmente estabelecidos para o processamento das ações eleitorais. Além disso, a redação é inadequada, pois, a rigor, não se cuida de aceitar ou não a prova testemunhal, mas sim do peso que se poderá conferir a ela por ocasião do julgamento.

A oitiva de testemunhas é prova lícita, expressamente albergada em lei, resguardando o direito constitucional à ampla defesa e ao contraditório de que gozam os litigantes, de modo que não cabe ao juiz indeferir a sua produção, ante o argumento de que, desacompanhada de outros elementos, não será aceita, notadamente quando se tem em vista o fato de que a produção se dá meio a uma dilação, vale dizer, a uma fase processual instrutória, de coleta de provas, a qual, enquanto não exaurida, pode albergar a reunião de novos elementos, seja por iniciativa das partes ou do Juízo.

Não bastasse, a redação do dispositivo permite dúvida fundada sobre o que se deveria entender por “prova testemunhal singular”. Em primeiro exame, caberia compreendê-la como o depoimento de testemunha única ou o fato de a prova testemunhal apresentar-se como o único meio de prova de que se valeu a parte (ainda que vários os depoentes), todavia, se assim fosse, restaria dispensável a inclusão da expressão “quando exclusiva”, que a sucede.

De qualquer sorte, em exercício interpretativo para desvendar a mens legis, é forçoso reconhecer que a intenção da norma, como afirmado, é evitar condenações que tenham por fundamento, exclusivamente, a prova testemunhal, razão pela qual seria dispensável a inserção do adjetivo “singular”.

Por último, e mais grave, pretende-se estabelecer, por lei, uma clara barreira ao livre convencimento motivado do juiz, olvidando-se especificidades do Direito Processual Eleitoral, argutamente captadas pelo art. 23, da LI, que prevê a possibilidade de que o magistrado possa considerar, quando do julgamento, “circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral”.

Parece evidente que, se convencido da procedência da pretensão deduzida em Juízo, por reputar os elementos suficientes para a formação de sua convicção, o julgador não haverá de conferir à demanda um desfecho diverso daquele que recomendam os autos, ante a existência de um obstáculo legal quanto à impossibilidade de sustentar um juízo tal ou qual com base em prova exclusivamente testemunhal.

Tem-se que os limites já estabelecidos pela jurisprudência eleitoral quanto à necessidade de prova inconcussa para sustentar a perda de mandatos eletivos, bem assim a natureza pública dos interesses em jogo, a recomendar uma postura ativa do juiz/tribunal quanto ao desempenho de seus poderes instrutórios, já seriam suficientes para balizar os julgamentos, sendo rigorosamente desnecessária e inadequada a mudança de que se cuida.

Como último ponto a ser abordado neste trabalho, cumpre examinar os efeitos do novo art. Art. 96-B, da LE, introduzido pela Lei nº 13. 165/2015, que trata do cúmulo de ações eleitorais:

Art. 96-B. Serão reunidas para julgamento comum as ações eleitorais propostas por partes diversas sobre o mesmo fato, sendo competente para apreciá-las o juiz ou relator que tiver recebido a primeira.  

§ 1º O ajuizamento de ação eleitoral por candidato ou partido político não impede ação do Ministério Público no mesmo sentido.

§ 2º Se proposta ação sobre o mesmo fato apreciado em outra cuja decisão ainda não transitou em julgado, será ela apensada ao processo anterior na instância em que ele se encontrar, figurando a parte como litisconsorte no feito principal.

§ 3º Se proposta ação sobre o mesmo fato apreciado em outra cuja decisão já tenha transitado em julgado, não será ela conhecida pelo juiz, ressalvada a apresentação de outras ou novas provas.

O dispositivo tenta conferir mínima racionalidade ao tratamento das ações eleitorais, fixando que serão reunidas, para julgamento único, aquelas que tenham o mesmo objeto, ainda que propostas por partes diversas, face à evidente conexão, pretendendo-se, no limite, evitar o risco de julgamentos conflitantes.

Ainda que resguardando a legitimidade concorrente, a nova regra busca evitar que a multiplicidade de demandas possa conduzir a julgamentos vários sobre os mesmos fatos.

Os §§ 2º e 3º, do art. 96-B, fixam regras específicas para o caso de ações simultâneas e com identidade de objeto, quando pelo menos uma delas já tenha sido julgada antes da reunião de que trata o caput. Nessas circunstâncias, duas possibilidades são contempladas: a) caso a decisão não tenha transitado em julgado, a segunda demanda será apensada à primeira, na instância em que se encontrar, passando a figurar a parte como litisconsorte no feito principal; e b) caso já tenha havido decisão definitiva, a nova demanda não será conhecida, salvo no caso de aprovação de outras ou novas provas.

A necessária racionalização do sistema decorre, em boa medida, dos efeitos da construção jurisprudencial do TSE no sentido de conferir ao cúmulo de ações eleitorais um tratamento diverso daquele consagrado na ritualística processual comum. Para fins de aferição da conexão, continência, litispendência ou coisa julgada, aquele Tribunal Superior, historicamente, distinguiu as ações em razão de suas finalidades, ainda que coincidentes as partes e a causa de pedir.

Ainda que tal entendimento pudesse ser entendido como virtuoso, uma vez que resguardava um número maior de possibilidades de desencadear instrumentos de controle das eleições, assegurando-se, no limite, a higidez da consulta popular, a verificação de sua legitimidade e a atribuição de eficácia, acabava por conduzir a uma total irracionalidade no processamento das ações eleitorais, ao permitir que os mesmos fatos fossem objeto de ações várias, muitas vezes a demandar a produção das mesmas provas, apreciadas pelo mesmo Juízo, com o risco de decisões diametralmente opostas.

Basta ter em conta que, até a modificação do art. 22, inciso XIV, da LI, ocorrida com a edição da Lei da Ficha Limpa (LC nº 135/2010), a convivência entre AIJE e AIME com fundamento em abuso do poder econômico, por exemplo, poderia levar à situação antes narrada, uma vez que, passada a eleição, a eventual procedência da investigação não poderia conduzir à cassação do diploma, restando, assim, à parte interessada, impugnar o mandato eletivo, ainda que o fizesse com base nos mesmos fatos e provas que já constituíam objeto de outra ação.

Experimenta-se, na quadra atual, um amadurecimento maior dos institutos eleitorais, de modo que a tentativa de conferir uma maior racionalidade ao sistema processual, configura uma adequada preocupação do legislador.

Cumpre pontuar apenas que, sendo norma de direito processual, a aplicação deve ser imediata, alcançando inclusive as ações em curso, resguardando-se, todavia, especialmente nos casos do novo § 3º, que a parte tenha a oportunidade de apresentar novas ou outras provas que evitem a extinção pura e simples do processo.

Conclusão

Como se pretendeu demonstrar ao longo deste trabalho, as alterações legislativas decorrentes da edição da Lei nº 13.165/2015 despertam várias críticas, notadamente quando em vista o fato de que foram gestadas no contexto de uma “reforma das instituições político-eleitorais”, todavia pouco acrescentam a esse desiderato.

Os impactos das mudanças sobre a governança eleitoral são evidentes, contudo são inexpressivos na perspectiva de minimizar ou extirpar as distorções do sistema representativo, deixando de contribuir para superar o ambiente de “criminalização da política” com o qual se está a conviver no Brasil.

As virtudes são verdadeiramente pontuais, enquanto se apresentam em profusão as regras passíveis de reparos, por violarem, ao cabo, a igualdade de oportunidades nas competições eleitorais, o pluralismo político e o regime democrático.

Anseia-se que as reflexões reunidas possam contribuir para estimular o debate e, mais do que isso, para incentivar uma interpretação adequada das novas regras, fruto da ousadia benfazeja de seus aplicadores, sempre na perspectiva de resguardar os valores fundantes da Constituição.


Notas e Referências:

[1] Este paper foi elaborado para servir como texto-base em atividade de capacitação de magistrados e servidores da Justiça Eleitoral do Ceará, realizada em Fortaleza, nos dias 4 e 11 de dezembro de 2015, mediante promoção da Escola Judiciária Eleitoral (EJE/CE).

[2] Cabe recordar que, podendo ser editadas até 5 de março do ano da eleição, conforme previsão do art. 105, da Lei nº 9.504/97, as Resoluções do TSE destinadas a disciplinar pleitos específicos não se submetem ao princípio da anterioridade (CF, art. 16), o que, porém, se justifica ante o fato de que devem atender ao caráter regulamentar, sem restringir direitos ou estabelecer sanções distintas das previstas em lei.

[3] A propósito da técnica, estilo, pensamento ou “método” tópico, conferir VIEHWEG (2008, p. 33), BONAVIDES (2006, p. 488) e DINIZ (1998, p. 249). Em recente abordagem sobre o tema Souza Neto e Sarmento (2014, p. 423) afirmam que: “Algumas das principais vertentes do debate metodológico atual sustentam que o papel do intérprete é construir a solução mais razoável para o caso concreto. O compromisso central do intérprete deixa de ser com o sistema jurídico e passa a ser com a solução do ‘problema’ apresentado. É o que propõe, em especial, a tópica”. Embora a aplicação das regras eleitorais (rule application) não se apresente como um campo amplamente favorável à utilização do método tópico, uma vez que ali não se convive, a rigor, com normas de textura aberta, tem-se que os fatores apontados fortalecem a prática de erigir soluções no âmbito do contencioso eleitoral a partir da tentativa de construção de um “direito do caso concreto”. O exemplo mais evidente e sensível da prática, sem dúvida, é a configuração do abuso de poder no âmbito da jurisprudência eleitoral e, mais recentemente, a aplicação do princípio da proporcionalidade no contexto de ilícitos como as condutas vedadas aos agentes públicos (art. 73, da Lei nº 9.504/97) e da arrecadação e gastos de recursos em desacordo com a lei (art. 30-A, da Lei nº 9.504/97). Mesmo quando considerado o apego das Cortes Eleitorais aos precedentes, tem-se que tal comportamento não equivale ao resguardo da segurança jurídica, conforme já se teve oportunidade de destacar noutra sede: “[...] a atuação dos tribunais eleitorais brasileiros tem sido marcada por uma inegável alternância de posições, impedindo que se extraia da jurisprudência a construção de linhas interpretativas que primem pela segurança jurídica. Há, é certo, frequente invocação de precedentes, os quais, porém, alternam com insólita habitualidade sobre temas os mais variados, de modo que não é raro encontrar, na jurisprudência do TSE, correntes majoritárias rigorosamente díspares sobre situações jurídicas semelhantes, a depender da composição da Corte” (OLIVEIRA, 2014, p. 90).

[4] A situação gerou um quadro, no mínimo, inusitado, pois a Lei nº 13.165/2015, consoante previsão do seu art. 1º, tem o propósito de alterar a legislação infraconstitucional, “complementando a reforma das instituições político-eleitorais”, a qual, porém, ainda não foi realizada.

[5] Para ilustrar o que se afirma, basta ter em conta que, dentre as inovações trazidas pela Lei nº 13.165/2015, está a previsão de que devem ser igualmente considerados como carros de som, para fins de propaganda eleitoral, os veículos tracionados por animais, que transitem divulgando jingles ou mensagens de candidatos (art. 39, § 9º-A). De tão evidente, parece desnecessário argumentar quanto à irrelevância de regras como essa no contexto da reforma política. É lícito supor, não sem mordacidade, que a novel disposição não seria alvo da apologia, sequer, da parte do Padre Antônio Vieira (o cearense de Várzea Alegre), autor de “O jumento, nosso irmão”, obra que inspirou, de igual, o “Rei do Baião”, em composição homônima. Antes pelo contrário.

[6] Uma análise percuciente da influência do ideário conservador na atual legislatura da Câmara dos Deputados, inclusive com reflexos diretos na construção da pauta de deliberações, pode ser encontrada na edição de novembro de 2015, do Le Monde Diplomatique Brasil, em série de artigos intitulada: “Sequestro da democracia”.

[7] A incidência do novo prazo, relativamente ao pleito municipal de 2016, determinará, segundo o Calendário Eleitoral aprovado pelo TSE (Resolução nº 23.450, de 10.11.2015), que todos os pedidos de registro devam estar julgados pelas instâncias ordinárias até o dia 12 de setembro de 2016. A considerar requerimentos formulados no último dia do prazo (15 de agosto), constata-se que haverá um lapso inferior a 30 (trinta) dias para julgamento dos feitos em 1º e 2º graus.

[8] A referência se justifica diante de comportamento abusivo de candidatos sabidamente inelegíveis que, não obstante isso, requeriam o registro da candidatura, realizavam atos de propaganda, para fins de exploração de seu prestígio político, todavia renunciavam e eram substituídos às vésperas do pleito, valendo-se da ausência de norma que disciplinasse, no caso de cargos majoritários, um prazo máximo para a troca, numa operação com claro potencial de afetar a normalidade da eleição, uma vez que muitos eleitores não eram previamente esclarecidos de que o voto dado na urna seria, quando da apuração, contabilizado para o substituto.

[9] Ao dispor sobre a forma de realização das eleições suplementares (se direta ou indireta), o novo § 4º, do art. 224, do Código Eleitoral parece ter tido a clara pretensão de distinguir as situações de vacância dupla na chefia do Executivo, motivadas por causa eleitoral – tema que historicamente encontrou oscilações na jurisprudência do TSE –, afastando a aplicação do modelo previsto no art. 81, da CF, o que poderá suscitar questionamentos sobre a constitucionalidade da norma, notadamente em face de uma possível violação à autonomia dos entes federativos. Chama a atenção, ainda, o fato de estabelecer que as despesas para as eleições suplementares serão custeadas pela Justiça Eleitoral, isentando do ônus o candidato que deu causa à nulidade, contrariando, assim, entendimento do Tribunal Superior Eleitoral e da Advocacia-Geral da União sobre o tema, e que ensejara, desde janeiro de 2012, a realização de convênio entre os dois órgãos. Conferir, a propósito: “TSE e AGU firmam convênio para cobrar de políticos cassados gastos com pleitos suplementares”, disponível em: http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2012/Janeiro/tse-e-agu-firmam-convenio-para-cobrar-de-politicos-cassados-gastos-com-pleitos-suplementares.

[10] Anota-se que o Senado Federal destacou e aprovou isoladamente, em 9 de dezembro de 2015, um dos  dispositivos da PEC da Reforma Política (nº 182/07 da Câmara; e nº 113/2015 do Senado), criando uma janela partidária indistinta e episódica, alcançando todos os detentores de mandatos eletivos,  que terão, pelo prazo de 30 (trinta) dias, a contar da promulgação da Emenda, a faculdade de se desligar dos partidos pelos quais foram eleitos, “não sendo essa desfiliação considerada para fins de distribuição dos recursos do Fundo Partidário e de acesso gratuito ao tempo de rádio e televisão”.

[11] A norma estende-se às seguintes unidades, que dispõem de bancadas que não excedem a 12 (doze) deputados federais: Acre, Alagoas, Amazonas, Amapá, Distrito Federal, Espírito Santo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Piauí, Rio Grande do Norte, Rondônia, Roraima, Sergipe e Tocantins.

[12] Conferir, a propósito, NICOLAU (2004, p. 42): “Na década seguinte [à dos anos 70 do século XIX], o belga Victor D’Hondt propôs uma nova forma de levar a efeito a representação proporcional, baseada no princípio de que a função primordial de um sistema eleitoral é permitir a representação das opiniões da sociedade expressas pelos partidos políticos. Na sua proposta, cada partido apresentaria uma lista de candidatos para as eleições, e a distribuição das cadeiras em disputa seria feita de acordo com os votos dados em cada lista partidária”.

[13] O legislador teria andado melhor se houvesse fixado, como consequência, a negação do registro ou a sua cassação (acaso já deferido), e não o seu cancelamento. Trata-se, a rigor, de ilícito eleitoral, cuja responsabilização, embora imputável, em parte, à emissora, conta com a participação direta e efetiva do pré-candidato, depois confirmado postulante a cargo eletivo. Embora a prática possa vir a ser enquadrada como uso indevido dos meios de comunicação – inclusive quanto aos atos anteriores ao pedido de registro – a ser apurada em sede de investigação judicial eleitoral (AIJE), sem embargo da possibilidade de manejo de cautelar, para suspender o ato, tal não impediria que se tomasse o ilícito como passível da cassação do registro ou do diploma, alinhando-o às figuras da captação ilícita de votos (art. 41-A), das condutas vedadas aos agentes públicos (arts. 73, 74, 75 e 77) ou mesmo da arrecadação e gastos em desacordo com a lei (art. 30-A). Cumpre recordar que o cancelamento do registro de candidatura está previsto na LE apenas em outras duas passagens: a primeira, no art. 14, para os casos de expulsão do partido; e a segunda, no art. 74, que o prevê como consequência para a violação das regras da publicidade institucional (CF, art. 37, § 1º). Neste último caso, não se cuida, a rigor, de hipótese de cancelamento, mas sim de verdadeira cassação, uma vez que a prática, como o diz expressamente o próprio dispositivo, configura abuso de poder, apurável em sede de AIJE, sujeita aos efeitos estabelecidos no art. 22, inciso XIV, da LC nº 64/90. Com efeito, o único caso efetivo de cancelamento de que cuida a LE é mesmo o do art. 14, em razão da expulsão do partido. Com o desaparecimento da filiação, o candidato deixa de atender a uma das condições de elegibilidade e deve ser, portanto, excluído da disputa. Ainda assim, àquelas duas soma-se agora uma terceira, de que trata o novo § 1º, do art. 45.

[14] As normas da Lei nº 13.165/2015 que deram nova conformação ao rateio do tempo de acesso ao rádio e à TV, bem como à participação nos debates, são objeto de questionamento nos autos da ADI nº 5.423/DF, ajuizada perante o STF por quatro partidos políticos. Conferir, a propósito: “Partidos contestam alterações na Lei Eleitoral sobre propaganda e participação em debates”, disponível em:   <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=306155>.

[15] Os reclamos deram origem a movimento nas redes sociais intitulado: “Devolve, Gilmar”. Ao longo do lapso em que manteve vista dos autos, o Ministro Gilmar Mendes chegou a declarar que o tema do financiamento das campanhas deveria ser objeto de deliberação do Congresso e não do STF. Conferir, a propósito: “Gilmar Mendes diz que cabe ao Congresso decidir sobre financiamento de campanha”, disponível em: http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,gilmar-mendes-diz-que-cabe-ao-congresso-decidir-sobre-financiamento-de-campanha,1652708. No dia seguinte ao da aprovação, pela Câmara, do projeto de lei que alterava a Lei das Eleições, mantendo as doações de pessoas jurídicas, o que passado em 9 de setembro de 2015, o Min. Gilmar Mendes devolveu os autos, possibilitando a retomada do julgamento. A propósito, conferir: “Gilmar Mendes devolve ação sobre financiamento empresarial de campanhas”, disponível em http://www.conjur.com.br/2015-set-10/gilmar-mendes-devolve-acao-questiona-doacoes-eleitorais.

[16] Cabe recordar que outras fontes podem ser acrescidas, conforme previsão em norma regulamentar editada pelo TSE. A Instrução nº 562-78.2015, aprovada em 15 de dezembro de 2015, que regula a arrecadação e os gastos de recursos relativamente às eleições municipais de 2016, lista, em seu art. 14, as seguintes fontes: I - recursos próprios dos candidatos; II - doações financeiras ou estimáveis em dinheiro de pessoas físicas; III - doações de outros partidos políticos e de outros candidatos; IV - comercialização de bens e/ou serviços ou promoção de eventos de arrecadação realizados diretamente pelo candidato ou pelo partido político; V - recursos próprios dos partidos políticos, desde que identificada a sua origem e que sejam provenientes: a) do Fundo Partidário, de que trata o art. 38 da Lei nº 9.096/1995; b) de doações de pessoas físicas efetuadas aos partidos políticos; c) de contribuição dos seus filiados; d) da comercialização de bens, serviços ou promoção de eventos de arrecadação; VI - receitas decorrentes da aplicação financeira dos recursos de campanha.

[17] Conferir TSE, REspE nº 36552 – São Paulo/SP, julg. 6.5.2010.

[18] Conferir Castro (2015), disponível em: http://jota.info/excesso-de-doacao-nas-eleicoes-de-2014-a-luz-da-adi-4-560-e-lei-13-16515.

[19] Várias regras da Lei das Eleições foram alteradas pela Lei nº 13.165/2015 apenas para o fim de suprimir as referências aos comitês financeiros, reforçando o propósito do legislador quanto a que sejam extintos doravante. Merecem referência os seguintes dispositivos: arts. 22, § 1º, inciso I; 22-A, caput;  22-A, §2º; e 30, §§ 4º e 5º. Além disso, a nova regulação ainda cuidou de revogar o inciso I, do caput e o § 1º, do art. 29, que tratam exatamente de prestações de contas feitas através de comitês financeiros, o que não mais se admite. Assim, melhor teria sido determinar a revogação de todos os incisos do caput, do art. 29, evitando-se a manutenção daquelas normas, as quais não mais gozam de eficácia.

[20] Embora não o diga expressamente, a regra do novo § 3º somente se justifica em face do novo §2º, de modo que somente nos casos específicos de cassação de registro, afastamento do titular ou perda de mandato eletivo, os recursos devem ter assegurada a preferência.

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Marcelo Roseno de OliveiraMarcelo Roseno de Oliveira é Mestre e doutorando em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Professor de Direito Eleitoral da Universidade de Fortaleza e da Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará.  Juiz Auxiliar da Presidência do TRE/CE. Autor dos livros: Direito Eleitoral – Reflexões sobre temas contemporâneos (Fortaleza: ABC Editora, 2008) e Controle das eleições: virtudes e vícios do modelo constitucional brasileiro (Belo Horizonte: Fórum, 2010). Coautor e coordenador da coletânea Ficha Limpa interpretada por juristas e responsáveis pela iniciativa popular (São Paulo: EDIPRO, 2010). Contato: marceloroseno@unifor.br.


Imagem Ilustrativa do Post: Eleições 2014 // Foto de: Senado Federal // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva dos autores, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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