Educação humanizadora

05/10/2016

Por Vitor Vilela Guglinski – 05/10/2016

Como de costume, estávamos minha mãe e eu conversando durante o café da manhã, enquanto assistíamos ao noticiário matinal na TV. Vendo tantas notícias sobre a violência, minha mãe indagou: - "Será que essa violência vai acabar um dia, meu filho?"

Respondi a ela que eu acreditava que sim, mas que isso demandaria mais um milênio ou - quem sabe? - até mesmo mais umas tantas centenas de séculos. No meu caso, sou espiritualista, e por isso creio que as raízes da bestialidade humana fogem à compreensão científica. Todavia, não deixei de dar minha opinião "científica" para explicar a violência.

Tornou-se lugar comum dizer que a violência está relacionada à (falta de) educação. Inadvertidamente, muitos opinam no sentido de que a violência está grande porque o povo não tem educação. Sim, é verdade. Mas a qual educação as pessoas se referem? Será que é a essa educação formal/técnica/científica que é praticada no Brasil?

No meu modo de ver, a educação praticada no Brasil está longe de ser capaz de colaborar para a diminuição da violência; está longe de ser capaz de aumentar o IDH brasileiro a ponto de alterar positivamente essa infeliz realidade.

Explico. Na minha opinião, o brasileiro - assim como ocorre em tantos outros países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento - é educado para competir, pra enfrentar o mercado. O brasileiro é treinado para ser uma máquina de moer a concorrência. O aluno brasileiro é ensinado a conquistar sua vaga no mercado de trabalho. Ora, mas isso não é importante? Sim, claro que é. Uma das vantagens da mentalidade competitiva é que ela desenvolve a autodisciplina.

Mas isso não é tudo, e nem é o mais importante, a meu ver. O aluno brasileiro é preparado para ser um técnico; não é preparado para a vida. Sua educação não é humanizadora (ao menos não o suficiente). Prepara-se o jovem para conquistar mercados, ser o melhor na sua profissão, massacrar a concorrência. E o pior: o modelo adotado pelo governo brasileiro, em que o aluno não é mais reprovado, foi a "tampa do caixão". Se o ensino já era pobre, desestimulante e desinteressante, agora que o aluno sabe que não vai levar chumbo, piorou!

Apenas para ilustrar, veja-se a educação praticada nas escolas que adotam a Pedagogia Waldorf, desenvolvida pelo antroposofista austríaco Rudolf Steiner, no início dos anos 1900. Tal metodologia objetiva, em primeiro lugar, desenvolver as aptidões físicas, artísticas (música, literatura, pintura) e espirituais do aluno. Estimula-se a criança a sentir o mundo à sua volta, a interagir com as outras crianças, formar e estreitar laços humanos. Na metodologia Waldorf, o pensamento abstrato, isto é, o conhecimento estritamente técnico/científico é relegado a segundo ou terceiro plano. Em resumo, a educação praticada com o uso de tal metodologia é considerada humanizadora. Daí pode-se exclamar: - "Mas a escola 'comum' também ensina essas coisas!" Sim, mas não com a prioridade e intensidade da Pedagogia Waldorf, por exemplo.

Outro questionamento pode surgir: - "Quer dizer, então, que quem estudou em escolas cujos métodos são considerados humanizadores não cometerá crimes?" Respondo: Absolutamente! O crime é um fenômeno que não escolhe classe social, nível educacional, posição social etc. Vários serial killers famosos pertenciam até mesmo à nobreza. Há casos emblemáticos, narrados por Fernando Jorge na obra "Pena de Morte: sim ou não?", como o do professor japonês Issei Sagawa: culto, poliglota, dotado de uma inteligência incomum, mas que se revelou, inclusive, ser um canibal que devorava suas vítimas, chegando a cozinhá-las.

Contudo, trata-se neste breve texto do crime massificado; esse que vemos todos os dias na TV, banalizado; crimes muitas vezes levados a efeito por motivos torpes ou fúteis; alguns às vezes cometidos até mesmo sem motivo aparente! É sobre esses crimes que minha mãe e eu discutíamos.

Em meio a esse pandemônio que está a nossa sociedade, é lamentável ver inúmeras pessoas criticando e rejeitando um sem numero de ideias propostas e debatidas por juristas, cientistas sociais, filósofos, pedagogos etc. Vejo várias pessoas emitindo declarações repudiando o discurso acadêmico, rechaçando-o, tripudiando das discussões levantadas por estudiosos brilhantes, os quais têm trabalhado para identificar as causas desses males sociais que estamos sofrendo. Infelizes aqueles que deveriam se rejubilar por poder contar com mentes brilhantes, e que trabalham para o bem, para a construção de uma sociedade melhor, mas que, de forma grosseira e carregada de ódio, rejeitam e criticam essas ideias, argumentando que o discurso acadêmico está "enchendo o saco", que não produz os efeitos desejados pelos adeptos da justiça pelas próprias mãos.

Entre outras causas, obviamente, também pelo discurso acadêmico estar "enchendo o saco" é que nosso país está essa baderna. De fato, o discurso acadêmico é capaz de "encher o saco" de quem não está disposto a pensar ou, no máximo, só se dispõe a "pensar" de acordo com os defensores da violência e da vingança privada. Não se constrói uma sociedade equilibrada com discursos radicais (nem só com o acadêmico, e menos ainda com o da brutalidade).

Penso que o que falta é colocar em prática o que é pensado e proposto como solução pelos estudiosos do Direito, da Sociologia, da Filosofia, da Pedagogia etc. Vejo o problema como uma questão muito mais de ordem política e de gestão, mas isso não significa que o discurso acadêmico deva ser ignorado ou abandonado. Temos uma Constituição considerada avançada, assim como muitas leis. Contudo, o tráfico de influência e os interesses escusos dos governantes é que impedem que esses importantes instrumentos produzam os efeitos neles previstos. Daí surge uma indagação: contra quem a população deveria se voltar? Marginais e desordeiros não possuem ingerência na coisa pública, ao menos não de forma direta. É disso que muitos vêm falando; a população está se voltando contra as pessoas erradas; estão se voltando contra as consequências do sistema.

Quem repudia a educação, dificilmente se inclinará às mudanças harmônicas e verdadeiramente edificantes. Na verdade, e como prova a experiência, quem repudia a educação, provavelmente irá, sim, se deparar com o nosso pior lado: o da bestialidade.


Vitor Vilela Guglinski. Vitor Vilela Guglinski é Advogado. Pós-graduado com especialização em Direito do Consumidor. Membro do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (BRASILCON). Ex-assessor jurídico da 2ª Vara Cível de Juiz de Fora (MG). Autor colaborador dos principais periódicos jurídicos especializados do país. .


Imagem Ilustrativa do Post: Mais Educação // Foto de: www.mds.gov.br // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/mdscomunicacao/16262629192

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura