Educação do futuro: um agir consciente

23/07/2017

Por Affonso Ghizzo Neto – 23/07/2017

O MEIO AMBIENTE NÃO PODE MAIS ESPERAR. É EXATAMENTE O DESENVOLVIMENTO SAUDÁVEL E EQUILIBRADO DO PLANETA QUE POSSIBILITA A PERPETUAÇÃO DA VIDA TERRENA. SOMENTE ATRAVÉS DE UM AGIR CONSCIENTE, CONQUISTADO COM A EDUCAÇÃO AMBIENTAL CRÍTICA DO FUTURO – LIBERTÁRIA E RESPONSÁVEL –, É QUE SE PODERÁ ALCANÇAR A REFLEXÃO NECESSÁRIA À COMPREENSÃO PLANETÁRIA. 

PRÓLOGO 

No dia 23 de julho do ano 2021, em um município qualquer de um país chamado Brasil, o pequeno agricultor Jim Crow, assim como outros modestos agricultores do interior, reclamam da imposição de multas provenientes de transações penais firmadas perante o Poder Judiciário local.

Num boteco de esquina da pequena cidade onde moram, sentados numa mesa posta na calçada, entre murmúrios e lamentações diversas, indagam o porquê da imposição de multas pelo simples fato de cultivarem alimentos em suas propriedades.

O debate se prolongou durante semanas, presente uma insatisfação crescente contra a ordem do doutor Juiz. Jim Crow, o agricultor mais exaltado, depois de beber alguns goles de cachaça, com a viola na mão e a arte do repente, logo proclamou:

A lei é feita pra homem pobre, ao rico não alcança, não. Agricultor que corta dez árvores, paga multa, passa vergonha e tem que plantar novas mudas no chão. O rico que constrói na cidade grande, não precisa observar a lei, não. Destrói áreas de preservação permanente, constrói beachclubs e outras edificações, recebe autorização rapidinho, pagamento de propina em dinheiro, não passa sufoco, não. 

Cerca de mil anos depois, no ano de 3021, as consequências dos atos de pequenos agricultores como Jim Crow, assim como as de políticos corruptos e de grandes empresários corruptores, puderam ser facilmente constatadas através da análise da paisagem local: As pequenas propriedades do interior se confundiam com os grandes centros urbanos, num grande deserto de areia à imensidão. Moradores, por lá, quase não mais existiam. Os ricos mudaram-se para a Lua. Uma moradia especial – ou seria espacial?

–, com uma fabulosa redoma de vidro, do teto ao chão. Por lá, poucos moradores afortunados: cientistas, técnico-especialistas, políticos corruptos e empresários corruptores, pessoas ricas, enfim, todos aqueles com milhões. Os pobres, poucos sobreviveram, os quais sofreram mutações. Vivem ainda no planeta Terra, sem água, farinha ou plantação. Em animais vorazes se transformaram, de pouco sentimento ou coração. Sobrevivem como répteis selvagens, alimentando-se areia, pedra e baratão.[1] Se você não gostou do final desta história, não fique triste, não. É possível transformar nosso futuro, basta ter responsabilidade, consciência e educação.

INTRODUÇÃO 

A evolução da vida humana no planeta, vem sofrendo, diversas modificações. Dos homens das cavernas, idade antiga, média e contemporânea, à globalização terrena. Na frenética busca pelo prazer, o homem consome a si próprio como uma mercadoria descartável e substituível, certo de que um dia encontrará a fórmula da imortalidade. A preservação do meio ambiente não importa. O capitalismo continua a exigir um consumo frenético em busca do gozo mortífero inesgotável. Esta mutação antropológica, não tão longe da ficção acima relatada, pode nos conduzir a desagradáveis surpresas. Ocorre que o simbolismo, o imaginário, a tradição, as raízes, deixaram de servir como referenciais condutores da pós-modernidade. A novas tecnologias, o desenvolvimento científico, o poder do Mercado – que a tudo comanda e a todos governa – estão nos conduzindo a um processo de transformação cultural. O vivente passa a enxergar apenas o seu próprio umbigo, pouco se importando com o futuro da humanidade e do planeta. A publicidade, instrumento poderoso do Mercado, mantém a ilusão de que tudo é possível, não existindo limites para alcançar os desejos possíveis e imagináveis. O céu não é mais o limite!

Por certo, longe de qualquer discurso ambientalista radical, o desenvolvimento humano exige o compartilhamento do meio ambiente virgem com as contínuas necessidades humanas, sendo razoável a aceitação dos estudos e das tecnologias necessárias ao bem estar das atuais e das gerações futuras. Todavia, não se pode confundir o desenvolvimento necessário à existência humana, com o discurso hipócrita do desenvolvimento sustentável, que escamoteia, na verdade, uma única intenção, um único desejo – com ou sem o pagamento de propinas – o consumo frenético em busca de lucros sempre crescentes, de mais e mais, quem sabe, o consumo do próprio homem.[2]  A vitória final do Mercado poderá decretar a celebração da vida humana na Lua: com a construção de uma espetacular redoma de vidro, com vista espacial para a Terra.

Portanto, a responsabilidade individual de cada vivente, e a responsabilidade coletiva de grupos, comunidades, países, enfim, da própria humanidade, são pontos fundamentais para condução racional da vida humana na Terra. É preciso que cada sujeito seja capaz de assumir responsabilidades cotidianas e futuras, para preservação responsável dos recursos necessários à sobrevivência animal. Importante destacar que a responsabilidade de preservação do meio ambiente é de todos: crianças e idosos, devastadores e ambientalistas, cientistas e filósofos, desempregados e trabalhadores, etc. Mesmo que muitos dos delitos ambientais ainda permaneçam impunes, mesmo que grandes criminosos a quase todos comprem ou subornem, é preciso lutar pela efetiva responsabilização de todo indivíduo que viole as regras necessárias ao convívio social, necessárias à preservação de um meio ambiente sadio e contínuo às gerações futuras. Somos, pois, responsáveis pelos atos que edificamos durante a vida terrena, independente das melhores ou das piores intenções.

Como se vê, essencial se torna uma educação voltada para a convivência humana tolerante no planeta. Uma sociedade só se modifica, quando os indivíduos que a compõem se modificam. A educação ambiental é o único instrumento possível capaz de deter a fúria do mercado consumidor. Através da reflexão crítica e libertária; do diálogo franco e horizontal; do julgamento consciente e compreendido; da ação responsável e comprometida; da convivência harmônica e tolerante; da escolha de bons exemplos; da nova ética humana; da visão complexa do “Todo” planetário – proporcionados e disseminados pela educação ambiental do futuro –, só assim, se poderá refazer a atual cultura mortífera da pós-modernidade. Urge, portanto, reeducar cada sujeito para a convivência consciente e harmônica, em busca da identidade terrena e do reconhecimento dos próprios limites da humanidade.

RESPONSABILIDADE AMBIENTAL 

O direito a um meio ambiente sadio como direito fundamental é garantia constitucional prevista no art. 225 da Constituição Federal, sendo o meio ambiente saudável essencial à sadia qualidade de vida de todos os indivíduos. O dever de preservá-lo para as presentes e futuras gerações é responsabilidade de todos.

A destruição de florestas nativas, a poluição de rios, lagos, e oceanos, a destruição da camada de ozônio, enfim, a consumação crescente das condições mínimas necessárias à sobrevivência da vida animal no planeta, não são, por incrível que pareça, o maior problema da humanidade. Conseqüência da atual cultura pós-moderna, fruto da voracidade insaciável do Mercado, a deterioração planetária caminha a passos largos à exterminação, consubstanciada na lógica do prazer momentâneo do consumo desenfreado. Pior do que a prática de atos de autodestruição, é a conformação dos indivíduos com estes. A aceitação cotidiana de crimes ambientais e, conseqüentemente, da impunidade de seus autores, passa a legitimar a destruição planetária. A banalização dos crimes ambientais, a condução inescrupulosa e irresponsável das grandes potências mundiais em relação às políticas internacionais sobre a preservação do meio ambiente – recorde-se a negativa norte- americana em ratificar os compromissos previstos no protocolo de Kyoto[3] – são sempre justificáveis perante o inevitável progresso da humanidade.

Ademais, como poderia um mero sujeito mortal combater os poderes obscuros dos das grandes potências? Como se poderia fugir às armadilhas invisíveis do Mercado? Como enfrentar os grandes interesses econômicos globalizados?

Antes de procurar respostas a estas perguntas, torna-se necessário refletir sobre os atos praticados por cada indivíduo durante sua existência. Estaria contribuindo de alguma forma para destruição do planeta? Não podemos considerar nossos atos como insignificantes, sendo necessária a reflexão diária sobre nossas próprias responsabilidades. Devemos escolher nossas condutas como àquelas adequadas à convivência comum harmônica. Devemos julgar cada situação concreta com análise crítica e coletiva, longe da aceitação cômoda da melhor escolha individual, julgando e elegendo nossos exemplos, nossas escolhas. Devemos ter uma ética humana comum, aceitando um padrão mínimo de desenvolvimento preventivo do planeta. Aliás, somos todos responsáveis, individual e coletivamente, para com a durabilidade do mundo por meio de um agir consciente. Necessário evocar a pluralidade presente internamente dentro de cada indivíduo, considerando os diversos pontos de vista possíveis à análise de determinada situação concreta, com a formação de uma opinião consciente e segura dos deveres e das responsabilidades individuais e coletivas da humanidade. Impossível, portanto, abrir mão da faculdade de reflexão. O julgamento individual deve se socorrer dos exemplos vivenciados durante toda história da humanidade – acertos e erros – buscando prevalecer as melhores escolhas à preservação da vida terrena. O indivíduo que pensa é constantemente testemunha de seus próprios atos. Além da responsabilidade individual, somos todos responsáveis pela sobrevivência da vida terrena. Assim, tanto a omissão, como a conformação impotente em relação aos acontecimentos modernos, representam também uma responsabilidade que deve ser absorvida por todos os sujeitos conscientes deste processo.

Hannah Arendt[4] refere-se a uma espécie de atualização constante da nossa singularidade, por meio do exercício diário da capacidade de pensar, de refletir, de questionar os acontecimentos que se impõem a nossa volta. É através desta reflexão, através deste julgamento interno, que acontece a distinção e a escolha entre o certo e o errado, determinação que nos conduzirá à prática de atos comprometidos com a preservação planetária ou à prática de atos de puro gozo mortífero, estes, sempre associados à destruição da vida terrena.

A necessidade de uma ética humana comum para a convivência coletiva e harmônica deve ser construída a partir da singularidade do sujeito, respeitadas as diferenças e pluralidades múltiplas da raça humana. Hannah Arendt esclarece que

A moralidade diz respeito ao indivíduo na sua singularidade. O critério de certo e errado, a resposta à pergunta, a resposta à pergunta: “O que devo fazer?”, não depende, em última análise, nem dos hábitos e costumes que partilho com aqueles ao meu redor nem de uma ordem de origem divina ou humana, mas do que decido com respeito a mim mesma. Em outras palavras, não posso fazer certas coisas porque, depois de fazê-las, já não serei capaz viver comigo mesma. Esse viver-comigo-mesma é mais do que a consciência de mim mesma (consciousness), mais do que ciência de mim mesma (self-awareness), que me acompanha em qualquer coisa que faço e em qualquer estado que me encontre. Estar comigo mesma e julgar por mim mesma é articulado e tornado real nos processos de pensamento, e todo processo de pensamento é uma atividade em que falam comigo mesma a respeito de tudo o que me diz respeito. Passarei a chamar o modo de existência presente nesse diálogo silencioso de mim comigo mesma de estar só (solitude). Assim, o estar só é mais do que os outros modos de estar sozinho, é diferente desses outros modos, particularmente e principalmente da solidão (loneliness) e do isolamento. O estar só significa que, apesar de estar sozinha, estou junto de alguém (isto é, eu mesma) significada que sou duas-em-uma, enquanto a solidão e o isolamento não conhecem esse tipo de cisma, essa dicotomia interior em que posso fazer perguntas a mim mesma e receber respostas. O estar só e sua atividade correspondente, que é o pensar, podem ser interrompidos pelo fato de alguma outra pessoa se dirigir a mim ou em como toda outra atividade, por eu fazer alguma outra coisa, ou pelo puro cansaço. Em qualquer desses casos, as duas que eu era em pensamento tornam-se novamente uma. Se alguém me dirige a palavra, deve falar com essa pessoa e não comigo mesma, e ao falar com ela me transformo. Eu me torno uma, possuindo, é claro, ciência de mim mesma (self-awareness) isto é, consciência de mim mesma (consciousness), mas já não estou plena e articuladamente de posse de mim mesma. Se uma pessoa me dirige a palavra e se, como às vezes acontece, começamos a dialogar sobre as mesmas coisas com que uma de nós havia se preocupado enquanto ainda estava só (insolitude), então é como se eu agora me dirigisse a outro eu, allos authos, foi corretamente definido por Aristóteles como o amigo. Se, por outro lado, por alguma razão o meu processo de pensamento quando estou só se interrompe, então eu também me torno uma de novo. Como essa uma que agora sou está sem companhia, posso procurar a companhia de outros – pessoas, livros, música -, e se eles não corresponderem ao meu apelo, ou se não consigo estabelecer contato com eles, sou dominada pelo tédio e pela solidão. Para isso, não preciso estar sozinha: posso estar muito entediada e muito solitária no meio de uma multidão mas não no estar só efetivo, isto é, na minha própria companhia, ou junto com um amigo, no sentido de um outro eu. É por essa razão que é muito mais difícil suportar o estar sozinho numa multidão do que estando só – como Meister Eckhart observou certa vez.[5]

O ponto central do pensamento arendtiano ressalta três faculdades da vida do espírito à noção de responsabilidade para o convívio harmônico e coletivo. O pensar, o querer e o julgar, presente uma reflexão ética consistente na consideração das opiniões diversas possíveis. A responsabilidade do vivente está ligada a sua ação pessoal cotidiana. Portanto, somos todos responsáveis pela preservação do meio ambiente e da vida planetária, sendo razoável o preparo de uma educação ambiental voltada aos compromissos presentes e futuros.

EDUCAÇÃO DO FUTURO 

As responsabilidades a que todos se sujeitam, seja pela prática de um ato individual próprio, sejam pelas conseqüências daqueles praticados por terceiros, desde que realizado um julgamento interno consciente e reflexivo, poderão determinar uma reviravolta na promessa profética de extermínio do planeta. Cientes de nossas responsabilidades e deveres, tolerantes à convivência de diferentes sujeitos, será possível visualizar a possibilidade do prolongamento considerável da vida planetária em condições ambientais semelhantes as atuais.

Mas como refletir sobre as conseqüências dos atos humanos ao meio ambiente? Como interferir responsavelmente nos acontecimentos modernos num mundo globalizado? Como determinar este agir consciente?

Bem, as respostas a estas perguntas, longe de conclusões definitivas, absolutas, verdadeiras ou exclusivas, podem partir através do exercício elaborado de uma reeducação ambiental ética e humana, para preservação racional e comunitária da identidade terrena. Trata-se da educação ambiental crítica do futuro, caracterizada por um agir consciente e responsável, através de um novo processo educativo consubstanciado no diálogo franco, transparente e realista.

Afinal, o meio ambiente não pode mais esperar. É exatamente o desenvolvimento saudável e equilibrado do planeta que possibilita a perpetuação da vida terrena. Somente através de um agir consciente, conquistado com a educação ambiental crítica do futuro – libertária e responsável –, é que se poderá alcançar a reflexão necessária à compreensão planetária.

Ocorre que a educação ambiental crítica do futuro só será viável através do rompimento com os esquemas verticais característicos da atual estrutura tradicional da educação brasileira. A nova educação problematizadora deve superar a contradição existente entre o educador e os educandos, libertando, através do diálogo franco e igualitário, a troca de conhecimentos entre os agentes do processo educativo.

O educador não mais só transmite conhecimentos, como também os recebe, através de uma troca saudável entre o educador e o educando, que, reciprocamente, alternam o papel de comando, possibilitando o crescimento mútuo, esquecida a conhecida hierarquia da educação tradicional opressora. Cuida-se de um verdadeiro diálogo, sem detentores exclusivos de palavras ou de verdades. Como lembra Paulo Freire

Já agora ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém se educa a si mesmo: os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo. Mediatizados pelos objetos cognoscíveis que, na prática ‘bancária’, são possuídos pelo educador que os descreve ou os deposita nos educandos passivos.[6]

Na educação opressora tradicional os educandos não são apresentados ao conhecimento, sendo obrigados a decorar as informações repassadas pelo educador opressor, deixando de existir qualquer reflexão crítica a respeito do assunto abordado, situação que, por si só, inviabiliza as escolhas conscientes e responsáveis por parte dos educandos. Ao contrário, através do diálogo horizontal entre o educador e o educando, possível se apresenta a interferência questionadora dos debatedores. Como transparece evidente, ao educador só será possível existir, e educar, desde que constituído o educando. Para Jean-Paul Sartre “a consciência e o mundo se dão ao mesmo tempo: exterior por essência à consciência, o mundo é, por essência, relativo a ela.[7]

A educação ambiental crítica do futuro, ao inverso da educação tradicional opressora, exige um esforço permanente do vivente através do exercício de sua percepção reflexiva como sujeito presente no mundo em que funciona. Educador e educando devem escolher livremente a si próprios, julgando conforme seus argumentos, elegendo seus próprios exemplos, ambos conscientes de suas responsabilidades para com a durabilidade do meio ambiente por meio de um agir crítico. Paulo Freire acrescenta

Mais uma vez se antagonizam as duas concepções e as duas práticas que estamos analisando. A “bancária”, por óbvios motivos, insiste em manter ocultas certas razões que explicam a maneira como estão sendo os homens no mundo e, para isto, mistifica a realidade. A problematizadora, comprometida com a libertação, se empenha na desmistificação. Por isto, a primeira nega o diálogo, enquanto a segunda tem nele o selo do ato cognoscente, desvelador da realidade.

A primeira “assistencializa”; a segunda, criticiza. A primeira, na medida em que, servindo à dominação, inibe a criatividade e, ainda que não podendo matar a intencionalidade da consciência como um desprender- se ao mundo, a “domestica”, nega os homens na sua vocação ontológica e histórica de humanizar-se. A segunda, na medida em que, servindo à libertação, se funda na criatividade e estimula a reflexão e a ação verdadeiras dos homens sobre a realidade, responde à sua vocação, como seres que não podem autenticar-se fora da busca e da transformação criadora. [8]

Edgar Morin[9] indica sete saberes indispensáveis que podem contribuir valiosamente para a consolidação da educação ambiental crítica do futuro. Segundo sustenta, os setes saberes – As cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão; Os princípios do conhecimento pertinente; Ensinar a condição humana; Ensinar a identidade terrena; Enfrentar as incertezas; Ensinar a compreensão; e A ética do gênero humano – podem conduzir ao caminho que deve ser trilhado pela humanidade em busca de uma possível educação crítica, responsável e consciente, para todos aqueles que almejem contribuir para o desenvolvimento sadio da vida planetária.

A cegueira do sistema educacional tradicional esquece a necessária tarefa de fazer conhecer o conhecimento, haja vista que totalmente engessada por erros e ilusões do passado e do presente. Aliás, conhecer o conhecimento deve ser o primeiro passo do educador comprometido com o saber consciente, evitando muitos dos erros e das ilusões ocasionadas pela educação tradicional opressora, que se transformam em verdadeiras armadilhas à mente de educadores e de educandos. A lucidez racional da mente humana acaba por ser resfriada por preconceitos equivocados e oníricos, próprios do mundo fictício em que vivemos nos dias atuais.

Torna-se fundamental a promoção de uma educação calcada no conhecimento global, devendo ser superada a supremacia do conhecimento fragmentado abordado através das tradicionais disciplinas individualizadas. A complexidade do “Todo”, do conjunto, acaba sendo assassinada pela análise bitolada de conhecimentos parciais que isoladamente não demonstram o verdadeiro sentido dos acontecimentos da vida cotidiana. O fracionamento do conhecimento é incompatível com a complexidade da natureza humana, ao mesmo tempo física, biológica, psíquica, cultural, social e histórica. Portanto, a própria condição humana deve ser objeto de estudo específico, reconhecida a unidade e complexidade das atividades humanas no planeta. É necessário o conhecimento da história planetária, demonstrando a identidade terrena, devendo ser adotada a solidariedade mundial, haja vista que todos somos seres de um mesmo habitat. Partilhamos as mesmas angustias, medos e incertezas, mesmo que presentes algumas diferenças singularizadas, sendo oportuna a convivência tolerante, haja vista que o destino do planeta, é o destino comum que deverá ser partilhado por toda a humanidade.

Devemos enfrentar nossas angústias, medos e incertezas, através do diálogo e da reflexão, esquecendo das verdades absolutas, frutos de anos de incompreensão. Certo, é que o futuro é incerto, sendo conveniente cautela e preservação. Importante evitar atitudes impulsivas destinadas à imediata satisfação. É preciso, volta e meia, corrigir o rumo, apontar em uma nova direção. Compreender existência humana na terra, sempre lutando por ajustes e soluções. Ensinar a identidade e a consciência terrenas, posto que cada vivente não tem existência única no planeta. Morin assevera[10]

O planeta exige um pensamento policêntrico capaz de apontar o universalismo, não abstrato, mas consciente da unidade/diversidade da condição humana; um pensamento policêntrico nutrido das culturas do mundo. Educar para este pensamento é a finalidade da educação do futuro, que deve trabalhar na era planetária, para a identidade e a consciência terrenas.  

A compreensão é, portanto, ao mesmo tempo instrumento e objetivo da comunicação humana no planeta, sendo fundamental para educação ambiental crítica do futuro o reconhecimento da mútua compreensão planetária, para convivência harmônica e para uma educação pela paz, a qual estamos relacionados por essência e vocação naturais. Edgar Morin esclarece que “A compreensão mútua entre os seres humanos, quer próximos, quer estranhos, é daqui para a frente vital para que as relações humanas saiam de seu estado bárbaro de incompreensão.[11]

A ética do gênero humano também não pode ser esquecida como elemento chave a determinar o sucesso da educação do futuro, sendo essencial o ensinamento e a compreensão do desenvolvimento conjunto das particularidades de cada vivente, das contribuições sociais e da consciência da própria existência da espécie humana.

Por fim, não se deve confundir uma educação libertária, com uma educação de libertinagem, irresponsável e sem limites. Ocorre que a sociedade pós-moderna vem sendo caracterizada pelo predomínio de uma nova condição subjetiva fortalecida através da construção de um indivíduo alienado e ignorante. Um sujeito sem reflexão, sem contestação, enfim, niilista, uma presa fácil de um comércio que consome a todos com extrema facilidade... “Comam o homem, é bom!”.[12] Escamoteado através de um discurso democrático e liberal, o Mercado realça a ilusão da imortalidade. O céu não é mais o limite!

Assim, condição obrigatória exigida pela educação ambiental crítica do futuro, a filosofia da mortalidade humana deve ser trabalhada entre educadores e educandos, cientes de que a criatividade e a liberdade de reflexão demonstram, ao contrário do que pretende fazer quer o Mercado, que a verdadeira liberdade só será conquistada através do reconhecimento dos limites da humanidade, marcos essenciais para co-existência planetária.

O pós-moderno “mal-estar na civilização”, como diria Freud, caracterizado pelos implícitos do discurso tecnocientífico e infalível do Mercado, conduz o vivente às maravilhas da ilusão de um mundo sem limites. Tudo é possível, inclusive, a consumação da raça humana, de todos seres vivos, do próprio planeta. O novo indivíduo da pós- modernidade, isolado na busca frenética do gozo mortífero – ilusoriamente ao alcance de todos – adoece. Inconscientemente, com as novas patologias da alma, o ser humano consome a si próprio. E, com ele, o planeta, que já demonstra visivelmente as conseqüências de toda esta ganância e destruição. Como adverte Jean-Pierre Lebrun

Nós nos perguntaremos, também, se o que alguns chamam de “novas patologias da alma” – o que recobre tanto as toxicomanias quanto os estados ditos limites, ou a colocação do corpo em jogo – e se os fatos de sociedade que constatamos – tais como a multiplicação das seitas, o recrudescimento da transgressão dos interditos do incesto e do assassinato, ou, ainda, a exclusão social – não são atualizações de uma recusa de assumir as conseqüências do fato de ser falante.

A novidade dessas patologias diria respeito, então, à possibilidade específica que um social subvertido pelo desenvolvimento da ciência proporciona ao sujeito: “aproveitar” implícitos promovidos pelo discurso tecnocientífico para aí encontrar álibi para contravir as leis da linguagem e as implicações do que falar quer dizer.[13]

CONSIDERAÇÕES FINAIS  

Hoje, com a ilusão pós-moderna construída pelo Mercado, faz-se necessária uma interrogação sobre a falta de reflexão da existência e das responsabilidades humanas. Verifica-se, de início, além da irrelevância e da pouca prioridade destinada ao diálogo humano interno (reflexão, meditação, oração etc.) e externo (educação problematizada), a total falta de comprometimento com a emancipação individual de cada sujeito e com a convivência social necessária à evolução sustentável e responsável da vida planetária.

Lembrando Arendt[14], é preciso escolher a si próprio, julgar e eleger exemplos, ser responsável para com a durabilidade do mundo por meio de um agir consciente. A atividade de pensar evoca a perplexidade, buscando internamente a pluralidade dentro de cada sujeito, ou seja, uma reflexão, função essencial para determinação responsável de nossas escolhas entre o certo e o errado. Por outro lado, o diálogo aberto, transparente e horizontal, entre educadores e educados, acrescenta o conhecimento necessário à convivência pacífica e tolerante dos indivíduos, possibilitando a preservação racional do planeta.

Especialmente, em uma sociedade de massa, onde as ações humanas são prescritas pelo poder do Mercado, a (in)capacidade humana de reflexão ganha importante relevância na prática efetiva dos atos cotidianos. Como se sabe, mais do que boas intenções, somos responsáveis pelos atos práticos que edificamos no dia-a-dia, presente uma ética de aparência fundamental para consideração e responsabilidade dos acontecimentos.

A responsabilidade individual e coletiva com as gerações futuras só poderá ser determinada através da capacidade do vivente de desvelar e assegurar a sua própria consistência, ou seja, sua verdadeira identidade pessoal, que só se revela na forma de atitudes práticas na vida cotidiana.

Com o diálogo aberto proporcionado pela educação do futuro, muitas alternativas poderão se impor. Consciente o homem de seus limites e responsabilidades, restará convencido de que a convivência pacífica e tolerante é o caminho adequado à sobrevivência planetária.

A reflexão crítica e libertária; o diálogo franco e horizontal; o julgamento consciente e compreendido; a ação responsável e comprometida; a convivência harmônica e tolerante; a escolha de bons exemplos; a nova ética humana; a visão complexa do “Todo” planetário; dentre outros, poderão representar um norte para o início do redescobrimento humano.

O modelo proposto para a educação ambiental crítica do futuro, longe de representar um esquema único e acabado, poderá – com as contribuições que certamente ainda receberá

– determinar o redescobrimento do homem pelo homem, sem fórmulas mágicas ou salvadores da humanidade, simplesmente a partir da existência do próprio indivíduo. Eis a aposta: o sujeito!

EPÍLOGO  

Com a educação ambiental crítica do futuro, a história do pequeno agricultor Jim Crow poderá ter outro desfecho. Com a consciência e a responsabilidade apuradas, num futuro distante, agricultores Jim Crow, através de seus pequenos atos cotidianos, não mais destruirão a natureza e o meio ambiente em que vivem. Aproveitando-se positivamente das novas tecnologias para exercer o plantio em suas propriedades rurais, saberão desenvolver o cultivo racional e planejado.

Cerca de mil anos depois, somando-se as consequências dos atos de grandes e verdadeiros empresários, conscientes e responsáveis, as circunstâncias serão outras. Com o domínio e o controle do apetite voraz do Mercado, a paisagem local, embora modificada em relação a atual, ainda preserva rios, oceanos e montanhas. O pleno restabelecimento da camada de ozônio terrestre é outra conquista constatada no futuro. As pequenas propriedades do interior, organizadas numa comunidade racional, planejam o desenvolvimento progressivo, preocupadas com o legado a ser repassado às gerações futuras. Os grandes centros urbanos, com o fim da ganância imobiliária, adaptados ao meio ambiente através de grandes reflorestamentos, respiram ar puro mais uma vez. Milionários e paupérrimos não existem mais, presente uma nova estruturação social. Quem tem muito divide com tem pouco. Com a igualdade de oportunidades e concorrências, o mérito é reconhecido como força da dedicação. Com a criminalidade diminuída, existe respeito à vida, tolerância racial, religiosa e mais confraternização.

A Lua continua a ser contemplada por nossos olhos, sendo motivo de considerável inspiração. O poeta relembra o verso antigo, todavia, com sensível modificação. É o tataraneto de Jim Crow, que a exemplo do ascendente – viola na mão e repente na mente –, também se pôs a declamar:

A lei é feita pra todos homens (...) pobres, ricos, quaisquer cidadãos. Alcança justamente o ladrão de galinha, o político desonesto, o empresário safado, o magistrado supremo corrupto, qualquer grande ladrão. Se perfeição ainda não existe, não faz mal, não. Faz parte da natureza humana, conviver com defeitos e complicação. Importante é preservar o mundo, com justiça, consciência, responsabilidade e educação. Pouco importa o consumo alheio, o próprio umbigo, a inveja ou a recriminação, o importante é a paz coletiva, harmonia e perpetuação.

Cabe a cada um de nós, a partir de nosso universo e dos atos diários, construir e transformar o mundo, não esquecendo das novas gerações. Nossos atos são extremamente importantes, podem representar uma verdadeira revolução. Conscientes de nossas responsabilidades, julguemos importante a reeducação. É preciso abandonar os antigos vícios, hábitos corrompidos, preservando o mundo, a natureza, a alma e o coração. Não esquecemos de refletir todos os dias juntos, escolher bons exemplos, com plena conscientização. O mundo não pode ser destruído em minutos, espero que tenhamos aprendido um pouco com esta reflexão.


Notas e Referências: 

[1] Baratão: ser vivo fictício descendente dos ortópteros da família dos blatídeos. Alcança tamanho extraordinário, chegando a medir 4 (quatro) metros de cumprimento. Rico em proteínas e sais minerais. Textura externa crocante, interna gosmenta. Sabor ácido semelhante ao da urina do mamífero marsupial. Cheiro similar ao de roupas molhadas que ficaram guardadas durante um longo período numa mochila fechada que foi esquecida dentro do guarda-roupa do quarto das crianças.

[2] DUFOUR, Dany-Robert. A arte de reduzir as cabeças. Sobre a nova servidão na sociedade ultraliberal. Tradução: Sandra Regina Rio de Janeiro, Companhia de Freud. 2005. p. 10: No momento da vitória total do capitalismo e da celebração do “capital humano”, da gestão esclarecida dos “recursos humanos” e da “boa direção ligada ao desenvolvimento humano”, essas falas maliciosas guardam todo o seu sal. Elas muito simplesmente deixam entender que o capitalismo consome também... o homem. Em resumo, ele diria respeito à sua notável inteligência de ter sabido transformar em um sistema social eficiente, de uma amplitude presentemente quase que mundial, o que o irônico slogan surrealista exprimia com um belo verdor: “Comam o homem, é bom!”.

[3] O Protocolo de Kyoto é conseqüência de uma série de encontros internacionais, e restou consolidado pela Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática (UNFCCC) na ECO-92 no Rio de Janeiro, Brasil, em junho de Constitui-se no protocolo de um tratado internacional com compromissos mais rígidos para a redução da emissão dos gases que provocam o efeito estufa, como causa do aquecimento global. Propõe um calendário mundial obrigatório para redução da quantidade de gases poluentes. Os países signatários terão que colocar em prática planos para reduzir a emissão desses gases entre 2008 e 2012. Todavia, os Estados Unidos da América negaram-se a ratificar o Protocolo de Kyoto. A justificativa é a de que os compromissos que seriam assumidos interfeririam negativamente na economia norte-americana.

[4] ARENDT, Hannah. Responsabilidade e julgamento. Tradução: Rosaura Eichenberg. São Paulo, Companhia das Letras. 2004.

[5]              . IDEM. p. 162-164.

[6] FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro, Paz e Terra. 2005. p. 79. “Prática bancária” é a educação tradicional como prática de dominação dos educandos oprimidos.

[7] SARTRE, Jean-Paul. El hombre y las cosas. Buenos Aires. Losada S.A. 1965. p. 25-26.

[8] FREIRE, Paulo. Obra citada. p. 83.

[9] MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Tradução: Catarina Eleonora F. da silva e Jeanne Sawaya. São Paulo, Cortez. Brasília, DF: UNESCO. 2005.

[10]             . IDEM. p. 64-65.

[11]             . IDEM. p. 17.

[12] DUFOUR, Dany-Robert. Obra citada. p. 10.

[13] LEBRUN, Jean-Pierre. Um mundo sem limite. Ensaio para uma clínica psicanalítica do social. Tradução: Sandra Regina Felgueiras. Rio de Janeiro, Companhia de Freud. 2004. p. 10.

[14] ARENDT, Hannah. Obra citada.

ARENDT, Hannah. Responsabilidade e julgamento. Tradução: Rosaura Eichenberg. São Paulo, Companhia das Letras. 2004.

DUFOUR, Dany-Robert. A arte de reduzir as cabeças. Sobre a nova servidão na sociedade ultraliberal. Tradução: Sandra Regina Felgueiras. Rio de Janeiro, Companhia de Freud. 2005.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro, Paz e Terra. 2005.

LEBRUN, Jean-Pierre. Um mundo sem limite. Ensaio para uma clínica psicanalítica do social. Tradução: Sandra Regina Felgueiras. Rio de Janeiro, Companhia de Freud. 2004.

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affonso-ghizzo-neto. . Affonso Ghizzo Neto é Promotor de Justiça. Doutorando pela USAL. Mestre pela UFSC. Idealizador do Projeto “O que você tem a ver com a corrupção?”. aghizzo@gmail.com / aghizzo@usal.es. .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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