Economia compartilhada, uberização e direito: a colaboração teórica de Guy Standing

19/04/2019

Coluna O Direito e a Sociedade de Consumo / Coordenador Marcos Catalan

O primeiro século do 2º milênio apresenta, já em seu início, amplas mudanças relacionadas ao modo como nos organizamos enquanto sociedade em torno do trabalho e consumo. A correlação entre sociedade do trabalho e sociedade do consumo já foi abordada nesta coluna anteriormente [1], assim como também já discorremos brevemente sobre o atual estado da exploração do trabalho na sociedade global [2]. Desta vez, abordaremos o tema inserindo na análise o aparato teórico desenvolvido por Guy Standing e o seu conceito de “precariado”.

Os estudos de Guy Standing sobre o precariado podem apresentar elementos importantes para compreender o atual panorama em torno da relação trabalho, trabalhadores e capital. Na obra “O Precariado: a nova classe perigosa”, Standing desenvolve com profundidade as características pelas quais o precariado é caracterizado. Já em seu prefácio[3], o autor aponta que tem por objetivo com a obra responder as seguintes questões:

Nele pretendo responder a cinco questões: O que é essa classe? Por que devemos nos preocupar com seu crescimento? Por que ela está crescendo? Quem está ingressando nela? Para onde o precariado está nos levando?

Podemos citar como exemplo de fatores histórico-sociais que cercam o precariado a perda de espaço do modelo fordista e a radical transformação em diversos campos do trabalho provocada pelas novas tecnologias. Não é exagero afirmar que está em curso uma reestruturação da relação entre trabalho, capital e Estado. Entretanto, não há ainda um desfecho tangível para esta remodelação.

Como resultado desse processo, no Brasil, hodiernamente, por exemplo, há enfraquecimento do poder político dos sindicatos e um enorme contingente de trabalhadores em situação precária. Para fins de ilustração, uma pesquisa realizada em 2017 pelo IBGE afirma que por volta de 33 milhões de brasileiros trabalhavam sob regime de CLT, enquanto outros 34 trabalhavam por conta própria ou sem carteira.

Com relação à prática crescente de informalização dos trabalhadores, ou ao menos, de flexibilização das relações de trabalho, Standing aponta o seguinte:

“Durante três décadas, a ideia de facilitar a demissão dos empregados foi defendida como uma maneira de estimular os empregos. Argumentava-se que isso tornaria potenciais empregadores mais inclinados a empregar trabalhadores, uma vez que seria menos custoso livrar-se deles. A fraca garantia de vínculo tem sido descrita pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), pelo Banco Mundial e por outras corporações como necessária para atrair e reter o capital estrangeiro”. [4]

Dessa forma, o surgimento de fenômenos como a chamada uberização e as empresas de economia compartilhada possuem uma relação intrínseca com o precariado. A uberização consiste num método de organização do trabalho no qual empresas dotadas de uma ferramenta tecnológica inovadora abreviam a distância entre consumidores e serviços prestados. Já a “economia compartilhada”, por sua vez, da qual a Uber é um símbolo, é também uma representante da novíssima razão do capitalismo.

Apesar de ter surgido como uma nova maneira de estruturar negócios empresariais, assim como para a prestação de serviços, o modelo enfrenta críticas por supostamente ter subvertido a lógica do compartilhamento no sentindo da geração de lucro concentrado por parte dos empresários. Conforme dados da própria empresa Uber, no Brasil há cerca de 500 mil motoristas parceiros. Trata-se, portanto, de um contingente de trabalhadores bastante expressivo, principalmente se considerarmos que há muitas outras empresas que se organizam desse modo.

Repensar as possibilidades de regulação jurídica de fenômenos como a uberização e as empresas de economia compartilhada é uma tarefa que se coloca no horizonte próximo para toda a sociedade, tanto pelo lado de quem consome quanto pelo lado de quem trabalha. O enorme contingente de “cidadãos-usuários-consumidores” e o exército de “trabalhadores-colaboradores-parceiros” têm um grande desafio pela frente. Uma saída é sinalizada na obra de Guy Standing: de modo preciso, o autor defende que somente uma “política de paraíso”, estimulada por todos os setores da sociedade, será capaz de prover maior qualidade de vida para os cidadãos do nosso tempo.

 

Notas e Referências

[1]https://emporiododireito.com.br/leitura/os-dois-lados-da-moeda-a-sociedade-do-consumo-e-a-sociedade-do-trabalho-por-iury-m-honorato-ferreira-da-silva

[2]https://emporiododireito.com.br/leitura/breves-apontamentos-acerca-dos-rumos-do-trabalho-e-do-capital-na-era-globalizada

[3] STANDING, Guy. O Precariado: a nova classe perigosa. Tradução: Cristina Antunes - 1. Ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015. P. 3.

[4] STANDING, Guy. O Precariado: a nova classe perigosa. Tradução: Cristina Antunes - 1. Ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015. P. 57.

 

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