É obrigatória a presença do Advogado no inquérito policial?

22/02/2016

Por Elias Guilherme Trevisol – 22/02/2016

A atuação do Advogado no inquérito policial sempre foi restrita, havendo avanços, todavia, após a promulgação da Constituição de 1988, onde o direito ao contraditório e à ampla defesa, em processos judiciais e administrativos, foi admitido em nosso ordenamento jurídico, até então, ditatorial.

Em que pese a Lei Maior acima citada ter entrado em vigor, até hoje vivemos num país onde o inquérito policial é visto como uma "fase inquistorial" pelos Tribunais de Justiça pátrios, não sendo, portanto, obrigatória o acompanhamento de um Advogado para que defenda tecnicamente o acusado.

Pois bem, nos últimos anos houveram severos avanços em nosso ordenamento jurídico, principalmente, modificações no rito do inquérito policial.

Os dois mais importantes direitos inseridos recentemente na prática dos Advogados foram as Súmulas vinculantes nº 14 e nº 11, do Supremo Tribunal Federal (STF), as quais, respectivamente, positivam: "É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa" e "Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado".

A Súmula vinculante nº 11, do STF, previu que a utilização das algemas no acusado só será permitida em casos excepcionais (resistência, fundado receio de fuga ou perigo à integridade física própria ou alheia), protegendo assim, o Princípio da Inocência e da Dignidade da Pessoa Humana do preso.

Por sua vez, a Súmula vinculante nº 14, do STF, aduz que ao Advogado é permitido amplo acesso aos autos de inquérito, sendo medida imprescindível para a defesa do cliente.

A nova Lei nº 13.245/16 trouxe alguns questionamentos e algumas soluções ao direito processual penal que valem a reflexão. É obrigatória a presença do Advogado no inquérito policial?

Embora num Estado democrático de direito a resposta devesse ser positiva, de acordo com o nosso entender, a nova Lei supra referida não traz em seu bojo tal obrigatoriedade, mas traz avanços no que concerne ao direito de ampla defesa do acusado.

A nova Lei em estudo trouxe o inciso XIV, ao artigo 7º, da Lei Federal nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia), conferindo ao Advogado o mesmo direito já conferido pela Súmula vinculante nº 14, do STF, agora, porém, disposta em Lei, ou seja, direito de acesso às provas e ao inquérito policial.

Foi no inciso XXI, inserido pela nova Lei nº 13.245/16, no entanto, a maior e mais relevante modificação legislativa e que na prática, poderá ter extremos reflexos no procedimento policial doravante.

Com o advento da Lei em estudo, o artigo 7º, inciso XXI, da Lei nº 8.906/94, o Advogado passou a ter direito concreto em assistir seus clientes durante qualquer investigação, passando o referido inciso a ter a seguinte redação: "assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração: a) apresentar razões e quesitos;".

Note-se, por oportuno, que a novel Lei não tornou obrigatória a presença do Advogado no inquérito, mas garantiu sua ampla atuação em qualquer investigação que seu cliente esteja sendo alvo, não limitando a seara penal, mas também civil e administrativa, mormente por inserir no inciso o seguinte direito do Advogado: "assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações", não delimitando à matéria ao direito penal.

Por derradeiro, o dispositivo acima colacionado trouxe a maior inovação processual no que diz respeito à disciplina das nulidades no inquérito policial, admitindo a nulidade absoluta em caso de negativa de assistência do Advogado ao seu cliente durante as investigações (penais, cíveis ou administrativas), resultando em nulidade de todas as provas e atos subsequentes, especialmente, pela aplicação da teoria da "arvore envenenada" (theory of poisonous tree), onde todos os frutos derivados da nulidade, serão considerados inválidos, forte no artigo 5º, LVI, da Constituição Federal de 1988.

Como o efetivo direito ao contraditório no inquérito policial ainda não foi admitido por nossos legisladores, a novel legislação em comento delimitou o acesso do Advogado ao elemento de prova referente a diligências em andamento e ainda não documentadas nos autos, quando houver risco à eficiência, eficácia ou finalidade das diligências (inclusão do § 11º, do artigo 7º, da Lei nº 8.906/94).

Seguindo o entendimento do parágrafo acima comentado, o Advogado possui direito de acesso a todas as provas contidas no inquérito policial, sendo vedado acesso, no entanto, a provas referentes à diligências que não foram concluídas e portanto, não insertas no procedimento policial, quando houver risco (no entender da autoridade policial), de eficiência, eficácia ou finalidade das referidas diligências.

Por fim, outro grande avanço legislativo ocorrido com o vigor da Lei nº 13.245/16, é o § 12º, aliado ao direito dos advogados em ter consigo amplo acesso aos autos que envolvam investigações de seus clientes, positivando a responsabilização do agente público por crime de abuso de autoridade, além de possibilidade de demais sanções de natureza cível e administrativa em decorrência de impedir total ou parcialmente o acesso do defensor aos autos do procedimento investigatório.

Nesta última modificação do procedimento investigatório, a qual confere ao Advogado o direito de defesa de seu cliente, pensamos válida a reflexão que em casos práticos, o defensor (Advogado) poderá dar voz de prisão ao agente público em decorrência do crime de abuso de autoridade, não somente pelo § 12º, inserido pela nova Lei supra citada, mas também pela Lei nº 4.898/65 (art. 3º, alínea j), Trata do Crime de Abuso de Autoridade por infração a direito e garantia de legal assegurado ao exercício profissional) e artigo 301, do Código de Processo Penal, o qual aduz: "Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito", não o fazendo, poderá o Advogado, mover Açães cabíveis a aplicação do direito expresso, tanto em seu Estatuto profissional, como no Código Processual Penal.

Concluímos, portanto, que a nova Lei aqui comentada trouxe avanços importantes e relevantes ao direito processual penal, especialmente, no intuito de deixá-lo mais democrático e assim, alinhar o referido processo à Carta Política de 1988.

Trouxe também evidentes primados ao direito à ampla defesa do acusado, mormente, pela vital relevância de uma defesa técnica na fase investigativa, que embora, não seja obrigatória (ainda), agora se vê protegida, tendo como escudo, a nulidade absoluta do procedimento em caso de impedimento de assistência aos clientes e por derradeiro, a criminalização do impedimento do acesso total ou parcial do procedimeto investigativo, salvo, por óbvio, provas referentes à diligências não finalizadas e não documentadas, que imponham risco à eficácia, eficiência ou a finalidade da própria diligência.

O direito do Advogado de acesso aos procedimentos investigatórios, policiais ou não, assim como as demais prerrogativas profissionais, não são vantagens indevidas ou ilícitas, não são privilégios, são, por outro lado, efetivo respeito à administração da Justiça, do direito de defesa e do contraditório de todo cidadão, de todas as pessoas. As prerrogativas profissionais dos Advogados são direitos sagrados e consagrados em Lei Federal e visam dar ferramentas indispensáveis ao defensor para o exercício da defesa de seu patrocinado, e nestes pontos, a Lei nº 13.245/16 está de parabéns!


Elias Guilherme Trevisol. . Elias Guilherme Trevisol é Doutorando em Direito e Ciências Sociais pela Universidade de Córdoba, Argentina. Advogado Criminalista. . .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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