Drogas, por que legalizar? A interferência do Direito Penal na questão das drogas. Parte 6 – A problemática das drogas pelo mundo

13/07/2016

Por Rodrigo Darela de Souza – 13/07/2016

Leia também: Parte 1, Parte 2, Parte 3, Parte 4Parte 5Parte 7Parte 8, Parte 9

6 A problemática das drogas pelo mundo.

No mundo afora, e, principalmente no Brasil, vemos uma verdadeira guerra no combate às drogas, que infelizmente tem dizimado milhares de pessoas, policiais, traficantes, inocentes, além de vermos a prática do tráfico de drogas suceder a prática de vários outros crimes decorrentes dela. Discorrendo sobre o Narcotráfico, Rodrigues (2003, p.11-12) argumenta:

a inquietação causada por essa prática proibida é intensa porque ela é apresentada como um inimigo sem rosto, uma força potente e difusa difícil de ser localizada e que se oculta como um animal ardiloso. O narcotráfico, tornado uma ameaça misteriosa, é amedrontador. Porém, o incômodo alimentado pela existência da economia ilegal das drogas se apoia não apenas na dificuldade de identificá-la ou no medo gerado por sua violência; ela transtorna porque negocia mercadorias consideradas insuportáveis por boa parte das pessoas. Os produtos comercializados por esses homens de negócios são substâncias amplamente desejadas e que hoje são ilegais. Tal ilegalidade significa que o circuito de produção e venda de inúmeros compostos químicos é proibido de existir segundo as leis específicas. Essas leis, no entanto, não bastam para erradicar a procura por tais substâncias, fato que impulsiona um rentável negócio clandestino que se dedica a fazer chegar ao consumidor sua droga preferida. A proibição das drogas e o mercado subterrâneo por ela inaugurado produzem uma situação de guerra constante dentro dos países que banem o uso de psicoativos e também no plano internacional. (Grifo nosso). 

Assim, a violência que decorre da guerra ao tráfico, está muito mais relacionada ao fato de ser ilegal o comércio de tais entorpecentes, que propriamente pela droga em si. É o que afirma Zaffaroni (2013), informando que só no México mais de 50 mil pessoas morreram na última década não em decorrência do mal das drogas, mas da proibição.

Infelizmente, é utopia acreditar que eliminando traficantes estaremos livres do consumo das drogas. É a velha lei do mercado: onde há demanda sempre haverá oferta. E, pior, quanto mais se endurece as leis penais em relação ao comércio de entorpecentes, mais lucrativo e atentador se torna tal atividade.

Silva (2015) informa que, segundo dados divulgados pelo Relatório Mundial sobre Drogas da ONU , que em 2014, cerca de 5% da população mundial entre 15 e 64 anos usa drogas ilícitas, o que corresponde a uma média de 243 milhões de pessoas. É um número e tanto, mas não é o único dado superlativo nessa história.

Estima-se hoje que, 40% dos nove milhões de presos em todo o mundo, estejam na cadeia em razão das drogas, e isso tudo tem um custo altíssimo. Segundo Silva (2015), para a London School of Economics, essa guerra já custou ao mundo mais de 1 trilhão de dólares e criou um imenso mercado negro, avaliado em aproximadamente US$300 bilhões, um mercado negro cada vez mais fortalecido por organizações criminosas que, ao contrário do que pode parecer, não estão nem um pouco interessados nessa história de descriminalização.

Ainda Silva (2015), informa que quando Richard Nixon, então presidente dos EUA declarou “guerra às drogas” na década de 70, o então maior ideólogo liberal americano Milton Friedman, apoiador de Nixon, levantou-se contra tal política, e tomou a história como exemplo.

Lembrou Friedman que, na década de 1920, por força do puritanismo americano que há muito vinha fazendo lobby pela criminalização de qualquer entorpecente e até mesmo o álcool, foi decretado à lei seca, tornando ilegal o comércio de álcool.

Com isso, a máfia do álcool surgiu, e um grande nome desse período foi Al Capone, além de outros traficantes de álcool que serviram até mesmo de fonte de inspiração para filmes, como “O poderoso Chefão”. Ou seja, a criminalização só trouxe prejuízos e nada de solucionar o problema, tanto, que pouco mais de uma década depois o governo americano se viu obrigado a legalizar novamente o álcool.

A criminalização do álcool nada mais serviu que para constituir traficantes poderosos, que controlavam este comércio ilegal e acabavam por criar inúmeros crimes conexos pela atividade ilícita, além de cada vez mais tornarem as substâncias vendidas mais fortes, pois, na ilegalidade, não havia qualquer controle da produção e venda, algo muito semelhante ao que vivemos com a criminalização das drogas ilícitas atualmente no Brasil.

A respeito da lei seca, vemos no Wikipédia (2015) que esta entrou em vigor em 1920, com o objetivo de salvar o país de problemas relacionados à pobreza e violência. A Constituição americana estabeleceu na 18ª emenda, a proibição, a fabricação, o comércio, o transporte, a exportação e a importação de bebidas alcoólicas. Essa lei vigorou por 13 anos.

O efeito causado pela lei foi totalmente contrário do que era esperado, ao invés de acabar com o consumo de álcool, com os problemas sociais, entre outros, a lei gerou a desmoralização das autoridades, o aumento da corrupção, explosões da criminalidade em diversos estados e o enriquecimento das máfias que dominavam o contrabando de bebidas alcoólicas. O ponto de encontro das pessoas que queriam beber eram bares clandestinos, localizados no subterrâneo com o objetivo de não chamar atenção.

Argumentando que a legalização das bebidas geraria mais empregos, elevaria a economia e aumentaria a arrecadação de impostos, os opositores do então presidente norte-americano Franklin Roosevelt, o convenceram a pedir ao Congresso que legalizasse a cerveja. Com isso, em 1933 é revogada a emenda constitucional da lei seca.

Já Araújo (2007, p.64) afirma que:

colocar as drogas na ilegalidade foi a solução sistematicamente adotada no século 20, em todas partes do globo. Infelizmente, a lei não controlou o consumo – e há quem defenda que ela aumentou. De quebra, nos jogou numa guerra contra traficantes, que por sua vez estão em guerra contra todos nós. O dano que o vício dos outros causa em nós nasce quase completamente do fato de as drogas serem ilegais, escreveu em 1972 o americano Milton Friedman.

O uso de substâncias tóxicas é tão antigo quanto à humanidade, e sempre fez parte do cotidiano das sociedades. Bucher (apud SOUZA e BERSAN 2013), psicanalista, doutor em Psicologia pela Universidade Católica de Lovaina, Bélgica, enfatiza que:

em todas as sociedades sempre existiram drogas, utilizadas com fins religiosos ou culturais, curativos, relaxantes ou simplesmente prazerosos. Graças às suas propriedades farmacológicas, certas substâncias naturais propiciam modificações das sensações do humor e das percepções. Na verdade, o homem desde sempre tenta modificar suas percepções e sensações, bem como a relação consigo mesmo e com seus meios naturais e sociais. Recorrer a drogas psicoativas representa uma das inúmeras maneiras de atingir este objetivo, presente na história de todos os povos, no mundo inteiro. Antigamente, tais usos eram determinados pelos costumes e hábitos sociais, e ajudaram a integrar pessoas na comunidade, através de cerimônias coletivas, rituais e festas. Nessas circunstâncias consumir drogas não representava perigo para a comunidade, pois estava sob o seu controle. Posteriormente, as drogas passaram a ter outra conotação, devido ao desregulamento destes costumes, em consequências das grandes mudanças sociais e econômicas.

E foi justamente por motivação religiosa que o modelo proibicionista foi imposto nos EUA, porém, sua eficácia foi considerada fracassada, conforme observa Araújo (2007, p.64):

a primeira política moderna para colocar entorpecentes na ilegalidade nasceu nos EUA, em 1914, com o Ato de Narcóticos. Era uma reação aos crescentes problemas de dependência e overdose de ópio e cocaína, uma novidade num país tão religioso. Em 1918, o governo criou uma comissão para avaliar os efeitos da legislação. O grupo concluiu que: 1) um mercado negro havia surgido para atender à procura pelas drogas; 2) esse mercado estava organizado nacionalmente para importar e distribuir o contrabando; e 3) o uso do ópio aumentara significativamente. Diante das evidências, de que a proibição beirava o fracasso, o governo americano não teve dúvidas: aumentou mais ainda as restrições, passando de 5 para 10 anos a pena máxima por crimes relacionados às drogas – na década de 1950 esse limite chegaria a pena de morte. 

Dessa forma, o modelo proibicionista serviu apenas para através da repressão aumentar o preço, que valoriza o tráfico, que por sua vez estimula o consumo, que aumenta a repressão, num círculo vicioso negativo de consequências catastróficas para todos. Em 1961 houve um pacto global contra as drogas assinado pela ONU, sob influência Americana.

Resultado foi que no início daquela década, todos os países comprometeram-se a combater às drogas, e terminando com soldados americanos fumando maconha na Guerra contra o Vietnã, e hippies se entupindo de LSD mundo afora. É neste contexto, segundo Souza e Bersan (2013), que Richard Nixon declara guerra às drogas, com sua política de tolerância zero. Resultado desse aumento de repressão foi fazer a cocaína, que andava sumida, retomar sua carreira de sucesso nos EUA e espalhando-se pelo mundo afora.

O mais estranho, é que com toda essa proibição e endurecimento às drogas, de acordo com Araújo (2007, p.65), a população carcerária pulou de 50 mil para 500 mil em 30 anos, enquanto que os EUA, maior proibicionista, chegou ao 1º lugar no rancking de consumidores. Ou seja, todo esse endurecimento repressivo apenas serviu para atrair mais consumidores, resultado completamente antagônico ao almejado.

Porém, paradoxalmente, a Suécia, na década de 70, respondeu o alto consumo de drogas com repressão e leis penais. E o resultado foi satisfatório. Percebemos então, que nos EUA proibir só aumentou o consumo, e na Suécia o resultado foi o almejado: diminuí-lo. Umas das possíveis respostas para tal sucesso, pode ser a justa distribuição da renda, que, quando mal distribuída, anda de mãos dadas com o tráfico, aliado a falta de sentimento de injustiça social, com taxa de desemprego baixíssima e uma escolaridade com altíssimo grau que pode, com sucesso, campanhas de prevenção ao uso surtir o efeito desejado.

Já nos EUA, o objetivo inicial de fins do século XIX, era atingir justamente as drogas oriundas de estrangeiros que disputavam espaço no país e “ameaçavam” os costumes puritanos americanos. Para Rodrigues (2003, p.31), “os chineses trouxeram o hábito de fumar ópio, [...] os mexicanos eram associados à maconha, e por isso vistos como indolentes, preguiçosos e agressivos, e os negros [...] atribuía-se a cocaína, e por fim, o álcool, era atribuído aos irlandeses”.

Logo, a proibição visava de alguma forma, dar meios para o Estado intervir no estilo de vida dessas minorias, que eram mal vistas pelos americanos de origem protestante, anglo-saxônica, que os viam como entidades exógenas e de hábitos perigosos, que traziam “venenos” e disputavam empregos com estes que já estavam ali a gerações. Era o direito penal tutelando escancaradamente a moral.

Logo, havia uma clientela definida para ser estigmatizada e, através do tráfico ou consumo de tais substâncias, possibilitar uma intervenção estatal para puni-los por seus hábitos. Importante lembrar, que neste período, o preconceito americano a outras culturas chegou a níveis estratosféricos, que propiciou o surgimento de grupos que pregavam o preconceito e o ódio de forma aberta como era a Ku Klux Klan, grupo extremamente xenofóbico e racista, além de outros.

Portanto, a proibição às drogas, tem como fundamento também o preconceito a culturas diversas das tradicionais americana. Na mesma década de 70, assim como a Suécia, na Holanda também houve um aumento do consumo de drogas, porém por lá, a resposta ao problema foi completamente diversa, tendo em vista algumas peculiaridades.

Na Holanda, a maioria dos jovens consumidores de heroína ia até o traficante em busca de maconha e acabavam levando heroína. Portanto, pensou-se em quebrar este elo maconha-heroína, liberando a primeira considerada menos nociva em detrimento da segunda, considerada um risco social. Desta forma, surgiram os chamados Koffeshops, estabelecimentos onde o usuário podia escolher variedades da erva no cardápio.

O resultado foi a diminuição do consumo de heroína, alvo desejado pelo governo, o que faz refletir que a maconha serve de porta de entrada para outras drogas, mas não por questões intrínsecas a ela, mas por conta da proibição, que leva o traficante a oferecer e estimular o consumo de outras drogas mais pesadas.

Carneiro (2011) afirma que:

uma política realmente democrática em relação às drogas psicoativas seria aquela que legalizasse todas, submetendo-as a um mesmo regime, não importa se remédios sintéticos ou derivados de plantas tradicionais. Ao mesmo tempo, tal política deveria ampliar a severidade dos controles, distintos para cada substância. Toda publicidade em veículos de mídia destinados ao público em geral deveria ser proibida. A fiscalização e punição para consumos irresponsáveis – ao volante, por exemplo – de álcool ou outras drogas, deveria ser rígida. Outra medida necessária seria a estatização da grande produção e do grande comércio. Ela evitaria que corporações gananciosas dominassem o mercado e garantiria que todos os lucros desse comércio fossem direcionados para fins sociais – inclusive para programas de desabituação para os consumidores problemáticos que necessitassem. Além de uma política em favor dos genéricos e da quebra das patentes farmacêuticas, o Estado deveria garantir a fabricação de todos os fármacos indispensáveis, oferecendo-os ao menor preço possível e aplicando os lucros obtidos no interesse social. Um amplo programa de pesquisa, com financiamento e destinação pública, poderia assim estimular também o desenvolvimento de novos fármacos. Legalização e controle público afastariam crime organizado e criariam fundo público para financiar Saúde – inclusive atendimento aos dependentes. A legalização da maconha, da cocaína e de todas as drogas, sob controle estatal do grande atacado e produção afastaria o atrativo para o crime organizado, permitiria maior monitoramento dos usos problemáticos e encaminhamento dos necessitados a tratamentos. Financiados pela própria renda gerada na venda legal, seriam oferecidos no serviço público de saúde. Por que não criar-se um Fundo Social – resultado não apenas de impostos, mas do controle econômico estatal da grande produção e circulação de drogas, remédios, bebidas e cigarros? O conjunto do faturamento obtido poderia servir para custear o orçamento de Saúde Pública. O conjunto das drogas legalizadas acabaria com os efeitos nefastos do chamado “narcotráfico”, encerraria a “guerra contra as drogas”, libertaria os prisioneiros dessa guerra: em torno de metade da população carcerária tanto nos EUA como no Brasil. Seria interrompido o crescimento vertiginoso do encarceramento por drogas, principal fonte de lucros para o sistema penal privado norte-americano e mecanismo de repressão social e racial contra os pobres e os afrodescendentes no Brasil. Reduziriam-se os danos sociais dos usos problemáticos de drogas. Seriam potencializados os usos positivos, tanto terapêuticos como recreacionais.

Afirma ainda Carneiro (2014) que:

a indústria farmacêutica movimenta 700 bilhões de dólares por ano, a indústria das drogas ilícitas movimenta 400 bilhões. Isso se deve ao preço da proibição o alto custo das drogas ilícitas. Foi o que ocorreu na lei seca dos EUA com a proibição do álcool de 1919 a 1933. A máfia do álcool fez descriminalizar e legalizar novamente a venda de álcool nos EUA. O próprio EUA legalizou o uso das drogas completamente em dois Estados e em 21 legalizou apenas para uso medicinal. Em colorado – EUA vigora o modelo privado de legalização das drogas, onde o comerciante precisa ter 3 milhões de dólares de capital inicial para iniciar os negócios. No Brasil, a maior empresa é a AMBEV e 3 dos maiores bilionários do Brasil 3 são os donos da AMBEV o que mostra que a produção de drogas é um comercio altamente rentável. No Uruguai vigora um modelo diferente dos EUA. Lá o Estado será o principal fornecedor e distribuidor da maconha para garantir os lucros para o Estado. No Colorado os primeiros 40 milhões em arrecadação de impostos são destinados a construções de escolas. 

A indústria farmacêutica, já em meados da década de 50, reforçou a pressão proibicionista, com fortalecimento do enfrentamento aos países considerados fontes de matéria prima de drogas como Irã e Turquia. Afirma Rodrigues (2003, p.37) que:

a disputa, em linhas gerais, estava em torno da seguinte questão: Os Estados industrializados (EUA e países da Europa ocidental) exigiam maior rigidez no controle de opiáceos, maconha e cocaína e pouca regulação para os psicoativos sintéticos (barbitúricos e anfetaminas) produzidos em suas indústrias farmacêuticas, ao passo que os países menos desenvolvidos, produtores principalmente de ópio bruto e folhas de coca, defendiam sua posição e, em caso de proibição total de psicoativos, a inclusão também das drogas sintéticas na lei internacional.

Portanto, percebemos que a saúde pública sempre serviu como pretexto para a criminalização de determinadas substâncias, e mais, que substâncias oriundas de países menos desenvolvidos sempre foram o alvo das políticas proibicionista, tendo em vista, ou o menosprezo por sua cultura em detrimento da cultura dos países hegemônicos, ou, ainda, o interesse comercial e industrial dos países hegemônicos, além de intervenções policiais nos locais onde se encontram grupos vulneráveis.

Exigir criminalização das drogas que exigem pouca industrialização e pouca regulamentação, além das drogas sintéticas, teve como objetivo, auferir lucro apenas aos países industrializados, ou seja, a saúde pública infelizmente nunca foi o grande objetivo das criminalizações de drogas, seja qual for.

Hoje, percebemos que mantém-se a criminalização, com uma forte carga de endurecimento penal ao traficante, e, quanto ao usuário, houve um abrandamento com o objetivo de encarceramento da pobreza, sempre vista quando em larga escala como algo a ser controlado, se não por via política, por via penal, pois representa risco social. A verdade é que pobres, em sua extensa maioria, são enquadrados como traficantes, pois, pessoas oriundas de famílias mais abastadas conseguem facilmente enquadrar-se como usuário. A prova disto é o que diz o art. 28 §2º da lei 11.343/06:

art.28 §2º: Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente. (BRASIL, 2006, grifo nosso).

Percebemos que, muitas vezes, juízes julgam com base em local, o fato de estar próximo a “boca de fumo”, ou ainda, sob argumento de estar condicionada para venda o fato de a droga estar embrulhada, como se o comprador não adquirisse a droga também embrulhada. Porém, o mais interessante é no que diz respeito à conduta, antecedentes e circunstâncias sociais e pessoais.

Nas duas primeiras hipóteses, sob tais argumentos, pode-se classificar os indivíduos, tanto como traficantes quanto usuário, pois, estar próximo à boca de fumo, representaria ou pode representar tráfico ao menos favorecido que, estando neste local, só poderia ser para fins de venda, e usuário para os mais favorecidos, que somente frequentam tais locais para comprar, pois não pertence ao seu convívio natural viver naquelas localidades, e o fato de estar embrulhado seria fins de venda ao pobre, enquanto a droga estando embrulhada no poder do rico seria prova que ele comprou.

Agora, a terceira hipótese é ainda mais alarmante a disparidade, pois, circunstâncias sociais, representam em verdade, que para o rico a quantidade muitas das vezes significa “estoque”, pois tem dinheiro para comprar o suficiente para não necessitar ir à boca a todo o momento. Já para o pobre, por ser despossuído, determinada quantidade ainda que amplamente menor, representaria, ou pode representar, entretanto, tráfico.

Logo, percebemos claramente que mais de 50% do encarceramento no Brasil está em crimes relacionados às drogas. É justamente a quantidade de demanda judicial a crimes relacionados às drogas, que faz “entupir” os gabinetes judiciais de processos.

Com isso, percebe-se que a legalização poderia representar a retirada das prisões de mais da metade dos encarcerados, e mais, desafogaria o judiciário para resolver de fato as demandas necessárias e úteis dentro da razoabilidade de prazos, além do que, a criminalização, apenas serve para sobrecarregar o sistema estatal de atuação, deixando, portanto, margem enorme de pessoas que cometem inúmeros delitos na impunidade, o que gera cifra negra e estimula a prática delituosa.

Ainda, a incapacidade do sistema estatal se mostra com a quantidade de mandados de prisão em aberto que no Brasil, que, segundo Struck (2013), chegou à cifra de 200.00 (duzentos mil) no ano de 2013 e, segundo portal G1-SC (2015), o número de mandados de prisão em aberto somente no litoral catarinense é de 11.783 (onze mil setecentos e oitenta e três) no ano de 2015, demonstrando, portanto, a enorme cifra negra criada justamente tendo a imensa maioria dos crimes relacionados à droga.

Percebemos que, a única explicação para o aumento cada vez maior do número de usuários de drogas, apesar do proibicionismo, se justifica pela falta de adequação social. Princípio este que pugna pela adequação do fato delituoso como aceite pela sociedade. Assim, é fácil e tranquilo perceber que quando ocorre um homicídio, o próprio agente delituoso bem como a sociedade sabe que o fato merece punição. Quando ocorre um roubo, tanto o agente quanto a sociedade sabem que o fato merece reprimenda, e na maioria dos delitos são assim. Obviamente o delinquente tentará ficar impune, porém, em seu íntimo, ele sabe que praticou um ilícito.

O fato é que, no delito de drogas, as coisas não funcionam bem assim. O usuário não consegue visualizar que mal ele faz a outrem no momento que ele decide, recreativamente, fazer uso de determinada substância entorpecente. Para piorar, esse sentimento enrijece quando o mesmo percebe que outras substâncias entorpecentes, que fazem tão mal quanto, ou ainda, fazem mal maior, são permitidas por critérios nada esclarecidos. Isso alimenta o sentimento que ele não faz mal a ninguém, além de si próprio ao decidir fazer uso de algum tipo de droga, o que fomenta o mercado consumidor a se manter em alta, mesmo após mais de cem anos de proibicionismo pelo mundo afora.

Neste sentido, demonstrando o fracasso da política proibicionista em relação aos delitos de drogas, Varella (2011) afirma:

é ilusão imaginarmos que a polícia vencerá a guerra contra o tráfico. Basta olharmos para os americanos que investem US$ 10 bilhões anuais para manter o mais organizado aparato policial de repressão que se tem notícia: são os maiores consumidores de drogas ilícitas do mundo. Na década de 1960, cerca de 100 mil americanos fumavam maconha regularmente; em dezembro de 2003, havia 14 milhões de usuários habituais e 70 milhões de usuários ocasionais. As razões para o fracasso da estratégia repressiva são múltiplas e fáceis de entender. Vejamos algumas delas: [...] Para o sucesso comercial de determinado produto, o custo do transporte é crucial. Plantar tomates no norte de Mato Grosso para vendê-los nas feiras livres de São Paulo levaria o produtor à falência. Quando a mercadoria é uma droga ilícita, no entanto, o custo do transporte fica desprezível. Senão vejamos: um quilo de cocaína na Colômbia ou na Bolívia custa US$ 2.000. Em São Paulo ou Rio de Janeiro, depois de “batizada” para aumentar o rendimento, essa quantidade de droga poderá render US$ 20 mil. Se um vendedor encomendar 500 quilos e o traficante pedir a absurda quantia de US$ 500 mil para trazê-la dos países vizinhos, que diferença fará? Apesar de o aumento de mil dólares por quilo representar 50% do preço do produto, a margem de lucro continuará estratosférica. Lucros dessa magnitude, numa atividade não sujeita à taxação pela Receita Federal, recolhimento de obrigações trabalhistas e demais impostos que sufocam a produção em nosso país, têm um poder de corrupção irresistível. Não sejamos ingênuos: bocas-de-fumo são pontos de comércio estabelecidos em endereços acessíveis aos usuários. Se eles, e até os cidadãos que não consomem drogas, sabem onde podem ser encontradas, só a polícia treinada para combatê-las é que não tem ideia dos locais em que se situam? Quando os jornais noticiam que apenas na favela da Rocinha o tráfico movimenta 10 milhões de reais por semana, como as autoridades não conseguem identificar os mecanismos financeiros empregados na lavagem de quantias tão astronômicas? Por que razão os traficantes mais poderosos escapam das cadeias pela porta da frente graças a habeas corpus impetrados por advogados de saber jurídico precário? Quantos representantes do povo são eleitos às custas do dinheiro do tráfico? Por razões como essas alguns especialistas sugerem que a única forma eficaz de combater o tráfico seria acabar com a ilegalidade da comercialização. Sem entrar no mérito da discussão técnica, tal sugestão é de pouco valor, porque não existe a menor possibilidade de ser colocada em prática. Primeiro, porque a sociedade não está disposta a assistir ao aumento expressivo do número de consumidores, que certamente ocorreria numa primeira fase. A experiência com a legalização de drogas como o álcool e a nicotina mostra que o número de usuários dependentes passa a ser contado aos milhões. Segundo, porque o Ocidente jamais permitiria. Enquanto os norte-americanos não abandonarem a política de guerra militar contra as drogas como estratégia-mãe para combatê-las, as experiências de trazer o consumo para a legalidade ficarão restritas ao comércio de maconha em países desenvolvidos como a Holanda. O que fazer, então? A lei da oferta e da procura garante sobrevivência perene ao tráfico. [...] Independentemente da necessidade de encontrarmos alternativas mais sensatas para combater o tráfico do que o simples uso da força bruta necessitamos urgentemente multiplicar pelo país o número de centros para tratamento de dependência química e de programas educativos agressivos que ensinem já na escola primária, em casa e através dos meios de comunicação de massa que as drogas psicoativas modificam a arquitetura do cérebro, provocando uma doença neurológica crônica, destruidora, que acaba com os prazeres da vida. (Grifo nosso). 

Interessante observar que, o artigo produzido pelo ilustríssimo Doutor Dráuzio Varella é de 2011, anterior à abertura americana de discussão às drogas que datam de 2013 para cá, e, ao contrário do previsto, a legalização inclusive para fins recreativos não acarretou em aumento considerável do consumo.

Defendendo a continuação da política proibicionista, Miranda (2012) afirma que:

não acredito que a descriminalização das drogas contribuirá para a redução do tráfico e da violência. [...] se a droga for liberada haverá o aumento do consumo, do tráfico (a disputas pelos pontos de venda), e também da criminalidade. A descriminalização vai gerar um problema de segurança pública: o aumento da criminalidade e a explosão do sistema público de saúde gerado, causado pelo crescimento da demanda por tratamento. Estamos abordando apenas a ponta do problema. É necessário conscientizar a traumatizar nossas crianças, a partir dos 6/7 anos. Mostrar o perigo das drogas, e ao mesmo tempo alertar pais e educadores para a importância de dialogar melhor com nossas crianças e adolescente sobre o problema. A chave do problema [...] é a diminuição do mercado consumidor, que não será resolvida com a liberação, mas sim com a atuação integrada de todos. Se não agirmos assim, não daremos conta do combate que já estamos enfrentando. As pessoas que defendem a liberação precisam ouvir um pouco mais a realidade dos profissionais da segurança, de saúde e dos familiares e vítimas desse mal.

O que vemos hoje é justamente um movimento contrário por parte dos traficantes em relação à descriminalização ou legalização, pois seu poder está justamente atrelado à proibição. O traficante só existe porque a venda de determinadas drogas é proibida, se fosse permitida e regulamentada, o traficante sequer existiria.

Do mesmo modo como abordado em capítulo anterior, Al Capone somente se tornou um dos maiores traficantes de álcool nos EUA com forte influência, riqueza e poder, justamente porque a venda de álcool era proibida na década de 20. Bastou os EUA voltar atrás, e legalizar novamente a venda de álcool, que tanto Al Capone, quanto todos os outros poderosos traficantes de álcool, sumirem e perderem seu poder e influência.

Outros argumentos favoráveis à manutenção da criminalização vêm da análise crítica de Lima (2014):

os defensores do proibicionismo creem que a criminalização é capaz de aconselhar o individuo a não fazer uso de drogas. Acredita-se que a criminalização, portanto, seja capaz de dificultar a disseminação do vício, promover a reabilitação do dependente e a ressocialização dos envolvidos na trama. Dessa forma, atuaria na contramotivação do uso, através da coação psicológica, na recuperação de dependentes e no combate à proliferação da violência, evitando o cometimento de crimes em razão do uso de drogas. O sistema repressivo atua de forma direta, ao condicionar os consumidores através de sanções, e indireta, ao tentar definir a disponibilidade das drogas, justificando a ação no fato do consumo causar ofensa ao bem jurídico saúde, pois essa conduta propaga a droga e causa danos à coletividade e à saúde de toda a população. Além de tudo, sustenta-se que o consumo de drogas aumenta a violência urbana, pois o usuário este diretamente compreendido com a violência domestica e em crimes patrimoniais, como furtos e roubos, os até mesmo crimes contra a vida para subsidiar do vicio, sendo responsável direto pelo fortalecimento e crescimento do trafico de drogas, afinal se não tivesse tantos usuários o tráfico não seria tão intenso e dominador. Portanto, embora o usuário não pratique a conduta mais grave, é o consumo que sustenta a pratica de crimes mais severos, como a produção e o tráfico de drogas, sendo fundamental sua criminalização para manter o ciclo de atuação estatal fechado, pois este é, ainda, o único dispositivo efetivo que o Estado possui para prevenir a pratica de determinadas condutas nocivas à saúde pública. Logo, a manutenção da criminalização das drogas ilícitas é imune porque o uso além de gerar a dispersão do vício, fomentado, pois, o risco à sociedade, harmoniza a manutenção do narcotráfico e do crime organizado, além de ser fomentador da prática de crimes patrimoniais e domésticos para subsistência do vício, o que acaba por gerar mais violência e criminalidade na sociedade. No entanto, quando o problema do vício é analisado sob o viés da família, da escola, da saúde e da segurança pública, e não apenas sobre a visão do indivíduo, verifica-se verdadeira sensação de pânico e angústia que vivenciam as pessoas, especialmente familiares, que precisam enfrentar sujeitos drogados, que comprometem toda a sua formação e relações familiares, desassossegar a todos que o cercam. Tudo isso que é impossível aceitar alegação que essa conduta não viole ou coloque em risco bens jurídicos de terceiros, pois os efeitos do uso são sentidos por todas as pessoas que coabitar com o consumidor. À vista disso, a dependência química acaba por afetar e ceifar toda a vida do dependente que inicia com o consumo eventual até chegar à dependência e perda total de controle sobre o vicio, acabando por perder o emprego, deixar os estudos e, posteriormente, passa a cometer, primeiramente, pequenos furtos dentro da própria casa. Nos vizinhos, e, quando já não encontra meios para o sustento desses vicio nesses locais, parte para invasão de domicílios, roubos e latrocínios, tudo com o fim de satisfazer o vicio e, consequentemente, alimentando o trafico.

Infelizmente, o viés proliferado, é que todo usuário é dependente. Importante, porém, observar que apenas 1/9 dos usuário são viciados, ou seja, a imensa maioria dos usuário de drogas o fazem de modo recreativo e sem nenhum tipo de vício ou dependência, logo, não praticam crimes para sustentar o uso. Ademais, o número de viciados em álcool supera em muito, guardadas as proporções, aos viciados nas drogas ilícitas. Maria Lúcia Karam (apud LIMA, 2014) afirma que:

os maiores danos relacionados às drogas ilícitas advém do próprio proibicionismo, e não da sua circulação, e atingem os direitos fundamentais dos cidadãos, o que abala a própria preservação do modelo de Estado Democrático de Direito. Diante disso, defende que está na hora de legalizar a produção, a distribuição e o consumo de todas as substâncias psicoativas, regulando essas atividades, através de regras efetivamente preocupadas com a saúde pública e o bem-estar da população, bem como respeitando a dignidade de cada cidadão.

Ainda em Lima (2014) podemos verificar que:

rebatendo argumento lançado por aqueles que defendem sistemas repressivos, embora se aponte a estreita ligação entre o consumo de drogas e a delinquência, não há nenhum estudo que demonstre relação de causalidade entre eles, uma vez que é extremamente difícil verificar se o uso de drogas levou a prática do ilícito ou se o individuo já havia cometido crime antes e posteriormente passou a fazer uso de drogas. Ademais, essa relação torna-se ainda mais difícil de ser estabelecida diante do fato de que usualmente chegam ao Poder Judiciário apenas os crimes cometidos por sujeitos marginalizados, excluídos socialmente, e, portanto, mais afetos ao problema das drogas, bem como que as pessoas consomem drogas por motivos íntimos e particulares. Não bastasse isso, a clandestinidade da produção, distribuição e consumo das drogas consideradas ilícitas impedem o controle de qualidade dos entorpecentes consumidos, o que aumenta os riscos de adulteração, impurezas e desconhecimentos dos potenciais das substâncias usadas, bem como por estar na esfera da ilegalidade, impõe aos usuários a noção de que devem consumir o mais rápido possível e da forma mais fácil encontrada, o que auxilia na proliferação de doenças transmissíveis.

Não se pode mais acreditar que, com a criminalização da conduta, os sujeitos deixarão de consumir drogas. O consumo existe, sempre existiu e continuará existindo. O que o Estado precisa fazer é encontrar meios de amenizar os resultados oriundos do consumo desenfreado (política de redução de danos).

Vemos, portanto, que existe uma forte possibilidade do poder do tráfico ser diminuído drasticamente com a legalização das drogas, dos crimes conexos ao tráfico também reduzir drasticamente, bem como os impactos sobre a segurança pública e o sistema carcerário.

Continua a ser um problema a ser resolvido não pelo direito penal, e nem mesmo pelo próprio direito em si, a questão das drogas, pois, ao passo que o consumo não vem aumentando nos países que legalizaram a venda, o mesmo também não diminuiu, o que demonstra que está na família, na educação e em campanhas educativas e com forte intervenção do Estado a possível solução para uma política concreta de redução de usuários de drogas.


* Artigo elaborado a partir da monografia apresentada para obtenção do título de bacharel em Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL. 06/2016.


Rodrigo Darela de Souza. . Rodrigo Darela de Souza é Graduado em História, Graduado em Direito, Especializado em Direito Penal e Processo Penal. . .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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