Dispensa por Justa Causa

10/12/2015

Por Rodrigo Wasem Galia - 10/12/2015

Considerando que o empregado é subordinado juridicamente ao empregador, pode o obreiro sofrer as seguintes sanções disciplinares: advertência (verbal ou escrita), suspensão disciplinar e dispensa por justa causa.

No presente estudo, importante ressaltar a diferença entre justa causa e falta grave.

Justa causa é o efeito emanado de ato ilícito do empregado que viola alguma obrigação legal ou contratual, explícita ou implícita, permitindo ao empregador, no exercício do poder disciplinar, a resolução do contrato de trabalho. [1]

Complementando essa ideia, Renato Saraiva aduz que “na justa causa há a quebra da boa-fé, confiança, poder de obediência e diligência, o que torna incompatível a continuidade da relação de emprego”. [2]

Destarte, justa causa é a forma de dispensa e a falta grave é a conduta irregular do empregado.

A configuração da dispensa por justa causa depende da comprovação dos seguintes requisitos objetivos:

Tipicidade/Previsão legal: Não é qualquer ato faltoso que justifica a resolução contratual. Deverá existir correspondência entre a conduta praticada pelo empregado e a hipótese configuradora da dispensa por justa causa contida na lei trabalhista. [3]

O artigo 482 da Consolidação das Leis do Trabalho estabelece, de forma taxativa, as hipóteses de resolução do contrato de trabalho em razão de falta grave praticada pelo empregado.

Gravidade da falta: a conduta faltosa deve ser grave e o dolo e a culpa do empregado devem ser apreciados no caso concreto, levando-se em conta, ainda, os fatores sociais, usos e costumes da sociedade em determinada época, entre outros.

Proporcionalidade da pena: a punição aplicada ao empregado deve ser proporcional à falta grave cometida.

O exercício do poder disciplinar pelo empregador exige cautela, já que a aplicação de penalidade demasiadamente severa pode macular o histórico laboral do empregado, impedindo que este obtenha novo posto de trabalho após a despedida. Assim, devem ser observados, sobretudo, os critérios de adequação, proporcionalidade e razoabilidade, de modo que a punição aplicada pelo cometimento da falta não exorbite tais limites.

Imediatidade: a penalidade deve ser aplicada após o conhecimento e a apuração da falta do empregado sob pena de caracterização do perdão tácito. A demora na aplicação da penalidade importa em renúncia pelo empregador ao direito de punir o obreiro.

Nexo de causalidade: somente poderá ser punido o autor da falta grave, ou quem concorreu, direta ou indiretamente, para que o gravame ocorresse. Vinculação entre a conduta do empregado e a falta grave. [4]

Singularidade da punição: Para cada falta somente se admite uma única punição (non bis in idem).

Renato Saraiva, acrescenta ainda, como requisito subjetivo na configuração da justa causa, a comprovação da conduta dolosa ou culposa (negligência, imprudência ou imperícia) do empregado. [5]

Por derradeiro impende realçar que as justas causas que autorizam o empregador a romper o pacto de trabalho motivadamente, enumeradas no art. 482 da CLT, devem resultar de grave falta praticada pelo trabalhador a tornar insuportável a continuidade do contrato de trabalho. Desta forma, exigem ser inequivocamente comprovadas em face do princípio da continuidade da relação de emprego e da melhor aptidão que o empregador detém para a prova, sendo ônus da reclamada a prova dos fatos que ensejaram a aplicação da punição do empregado.

Hipóteses de falta grave previstas nas alíneas do artigo 482 da Consolidação das Leis do Trabalho

Ato de Improbidade (art. 482, “a”)

Probo significa honesto. Destarte, improbidade é o ato doloso do empregado, comissivo ou omissivo que atente ao patrimônio do empregador ou de terceiro, com o objetivo de alcançar vantagem para si ou para outrem, não importando o valor, mas sim o ato do obreiro.

Nesse aspecto, Carmen Camino ressalta que caberá ao juiz, na análise do caso concreto, avaliar a extensão e a gravidade do ato ou da omissão praticados pelo empregado e socorrer-se dos ensinamentos do direito penal, analisando subsídios importantes – agravantes, excludentes e atenuantes - com o intuito de caracterizar ou descaracterizar o ato de improbidade.  [6]

Incontinência de Conduta ou Mau Procedimento (art. 482, “b”)

A tipificação por incontinência de conduta ou mau procedimento prevista como causa de justa resolução do contrato de trabalho pelo empregador se refere à prática de condutas culposas pelo empregado que ofendam a moral e comprometam a continuidade da relação de emprego, sobretudo em sua conduta social dentro e fora da empresa, conforme se depreende do julgado abaixo colacionado:

EMENTA: JUSTA CAUSA. AGRESSÃO A COLEGA DE TRABALHO. Em razão da gravidade da conduta e de sua repercussão direta no ambiente laboral, configura justa causa por mau procedimento a agressão praticada contra colega de trabalho na saída do expediente, ainda que na via pública, a cerca de 300 metros da sede do empregador. Acórdão do processo 0000483-70.2010.5.04.0025 (RO) Redator: RAUL ZORATTO SANVICENTE Participam: VANIA MATTOS, ALEXANDRE CORRÊA DA CRUZ Data: 12/04/2012 Origem: 25ª Vara do Trabalho de Porto Alegre.

Incontinência de conduta é o desregramento do empregado ligado à sua vida sexual, que leva à perturbação do ambiente de trabalho ou prejudica o cumprimento de suas obrigações contratuais, como a prática de atos libidinosos no ambiente de trabalho e envio de e-mail pornográfico a colegas de trabalho [7], bem como o assédio sexual e a prática de atos de pedofilia na empresa. [8]

Sobre o tema, Maurício Godinho Delgado leciona que[9]:

Incontinência de conduta (alínea 'b', ab inítio). Consiste na conduta culposa do empregado que atinja a moral, sob o ponto de vista sexual, prejudicando o ambiente laborativo em suas obrigações contratuais. A falta está vinculada à conduta sexual imoderada, desregrada, destemperada ou, até mesmo, inadequada, desde que afete o contrato de trabalho ou o ambiente laborativo. Obviamente, que desaparecerá a justa causa se não se verificar a repercussão no emprego do trabalhador incontinente.

Outrossim, Carmen Camino afirma que a incontinência de conduta poderá estar ligada à conduta do empregado a ponto deste perder a respeitabilidade e a boa reputação, considerando a qualificação da natureza da atividade exercida pelo empregado, bem como o seu local de trabalho e o círculo social de convivência, exemplificando o caso do professor que se exibe em público, costumeiramente, com pessoas de má índole e que convive com indivíduos de reputação duvidosa. A repercussão não seria a mesma se o empregado exercesse a atividade de capinador ou pedreiro. [10]

Por sua vez o mau procedimento é o comportamento incorreto do empregado com relação às normas morais de convívio social, excluída a sexual, prejudicando o ambiente de trabalho ou as obrigações contratuais do obreiro, sendo a mais ampla das justas causas, haja vista que qualquer conduta faltosa poderá ser enquadrada nessa hipótese, tais como pichar paredes do estabelecimento, dirigir veículo da empresa sem habilitação ou autorização, traficar ou utilizar-se de tóxico na empresa, entre outras. [11]

Negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço (art. 482, “c”)

Inicialmente, importante ressaltar que o dispositivo legal em estudo não impede que o trabalhador exerça mais de uma atividade, já que não é requisito do vínculo de emprego a exclusividade do empregado.

A lei veda a atividade produtiva paralela, sem autorização do empregador, que resulte em concorrência ao empregador ou que seja prejudicial à execução do contrato de trabalho, haja vista que entendimento diverso implicaria em intolerável interferência na autonomia pessoal do empregado.

Complementando essa ideia, Wagner Giglio aduz que [12]:

Constitui ponto pacífico na doutrina e jurisprudência, por isso, ser lícito ao empregado, como regra, trabalhar para mais de um empregador, ter dois ou mais empregos, ou, com maior razão, ser subordinado a uma empresa e, nas horas de folga, exercer outras atividades como trabalhador autônomo, ou até como empregador, desde que essas outras atividades não concorram com as do primeiro empregador nem sejam prejudiciais ao serviço contratado. A atividade será prejudicial quando acarretar uma diminuição do rendimento normal do subordinado, no serviço. O empregado que não comparece à empresa para cuidar de suas outras atividades, por exemplo, prejudica o serviço. Assim também acontece com aquele que se revela desatento por ter suas preocupações voltadas para suas próprias atividades extra-empresariais, causando uma baixa em sua produção normal.[...] Em conclusão: haverá justa causa para o despedimento se o empregado, sem autorização do empregador, expressa por escrito ou verbalmente, exercer de forma habitual, atividade concorrente, isto é, explorar o mesmo ramo de negócio, como subordinado de outro empregador, trabalhador autônomo ou como empresário, ou exercer habitualmente outra atividade que, embora não concorrente, prejudique o exercício de suas funções na empresa (grifou-se).

O consentimento do empregador desqualifica a justa causa. Assim, se o empregador sempre tolerou a realização por seu empregado, em suas horas de folga, de atividades idênticas às exercidas na empresa, tolerou reiterados atrasos e o descumprimento da integralidade da carga horária pelo empregado, em razão do mesmo trabalhar em outro emprego, permitiu ou tolerou a negociação habitual de produtos diversos no ambiente de trabalho, causando desordem e prejudicando as atividades laborais do setor, não há como aplicar a justa causa.

Condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena (art. 482, “d”)

A condenação criminal privativa de liberdade sem suspensão da execução da pena ou benefício concedido pela Justiça Criminal (sursis, habeas corpus e regime semiaberto), é fato objetivo que impede a execução do contrato de trabalho.

Diferentemente das demais justas causas – decorrentes de ato, omissão ou conduta social inadequada do empregado – a resolução contratual justificada nesta alínea, somente será legal se constatados dois requisitos cumulativos: o trânsito em julgado da decisão penal e a reclusão do empregado, impedindo-o de exercer suas atividades laborais. [13]

Não é a condenação criminal transitada em julgado a causa determinante da resolução contratual – haja vista que a pena imposta poderá decorrer da prática de delito sem qualquer relação com o contrato de trabalho, como por exemplo, crime passional, atropelamento com vítima fatal, lesões corporais, entre outros -, mas sim a impossibilidade da execução do contrato de trabalho em razão da pena privativa de liberdade. Nesse aspecto, Carmen Camino aventa a possibilidade do prosseguimento do contrato de trabalho se o empregado condenado exerce suas atividades no âmbito domiciliar, cujo serviço possa ser realizado, sem nenhuma dificuldade, no próprio presídio, desde que haja permissão da autoridade competente. [14]

Desídia no desempenho das respectivas funções (art. 482, “e”)

A conduta desidiosa do empregado, como causa justificadora da resolução do contrato de trabalho prevista na alínea “e” do art. 482 da CLT representa infração aos deveres de assiduidade, pontualidade e diligência na prestação dos serviços.

A desídia decorre da ação ou omissão culposa do empregado como a negligência, imprudência, imperícia, má-vontade, displicência, desleixo, desatenção, indiferença, desinteresse, preguiça, entre outras. Excepcionalmente poderá restar caracterizada em um só ato culposo muito grave. Todavia, se o ato for doloso, não se tratará de desídia, devendo ser enquadrada nas outras hipóteses de justa causa.[15]

Nas lições de Maurício Godinho Delgado, a desídia “remete à ideia de trabalhador negligente, relapso, culposamente improdutivo. A desídia é a desatenção reiterada, o desinteresse contínuo, o desleixo contumaz com as obrigações contratuais”. [16]

Carmen Camino leciona que a conduta desidiosa do trabalhador põe à prova o poder disciplinar do empregador que não poderá punir por atos passados nem tampouco, aplicar dupla punição, medidas rechaçadas pela jurisprudência. Assevera que, mesmo sem punições anteriores, o quadro de desídia poderá ser caracterizado através de uma conduta pregressa marcada pela inexecução faltosa do contrato de trabalho, haja vista que “a tolerância do empregador não implica direito adquirido do empregado de ser desidioso”, sendo que as punições anteriores apenas constituem circunstância agravante na caracterização da desídia. [17]

Destarte, a configuração da resolução contratual pela desídia impõe, via de regra, um comportamento reiterado e contínuo do empregado, como por exemplo, repetidas faltas injustificadas, reiterados atrasos, falta de zelo nas tarefas laborais, ou seja, pequenas faltas que demonstrem a indolência e a morosidade do empregado. Na prática, tais atos desidiosos devem ser punidos, oportunamente, através de sanções disciplinares - advertência ou suspensão – sob pena de presumir-se que a conduta faltosa do obreiro era tolerada pelo empregador. [18]

Embriaguez habitual ou em serviço (art. 482, “f”)

Inicialmente, cumpre esclarecer que a alínea “f” do art. 482 da CLT elenca dois tipos de faltas graves envolvendo o uso de álcool ou outro entorpecente pelo empregado: a embriaguez habitual e a embriaguez em serviço. Consoante leciona Sérgio Pinto Martins, “o legislador usou a conjunção alternativa ou indicando que não são idênticas ou sinônimas as hipóteses, mas distintas”. [19]

Em relação à embriaguez habitual, a moderna jurisprudência vem sustentando como solução o encaminhamento do trabalhador para tratamento médico (suspensão do contrato de trabalho), em lugar da punição disciplinar, dado o caráter sabidamente patológico do alcoolismo e a consequente importância da atenção do Estado e do empregador para esse grave problema social.

RECURSO DE REVISTA. ALCOOLISMO CRÔNICO. JUSTA CAUSA (NÃO CONFIGURAÇÃO). A decisão regional encontra-se em consonância com a pacífica jurisprudência desta Corte, no sentido de que o alcoolismo crônico é uma doença que deve ser tratada, e não motivo de punição para o empregado, capaz de ensejar a dispensa por justa causa. Incidência da Súmula n.º 333 do TST. Recurso de Revista não conhecido. (RR - 91900-72.2008.5.01.0247 , Relatora Ministra: Maria de Assis Calsing, Data de Julgamento: 07/03/2012, 4ª Turma, Data de Publicação: 09/03/2012)

Sobre o assunto, Carmen Camino alerta sobre a incapacidade relativa dos ébrios habituais prevista no artigo 4º, inciso II do Código Civil[20], atraindo sua incidência ao direito do trabalho, por força do artigo 8º da Consolidação das Leis do Trabalho, concluindo pela incapacidade relativa do empregado portador de síndrome de dependência alcoólica ou tóxica, desde que o mesmo venha a sofrer a competente interdição. Assim, entende que seria prudente ao juiz do trabalho, diante de uma alegação de justa causa fundamentada na embriaguez habitual, providenciar a verificação das condições do reclamante, mediante perícia médica, a fim de constatar se a embriaguez habitual já é sintoma da síndrome de dependência alcoólica ou tóxica. Caso positivo, caberá ao juiz comunicar o Ministério Público do Trabalho, determinando a suspensão do processo, até que o juízo competente decida ou não pela interdição, visto que, se o empregado mostra-se relativamente incapaz para os atos civis, também será relativamente incapaz para a prática de falta disciplinar. [21]

A segunda hipótese, embriaguez em serviço, a qual possui caráter ocasional, consubstancia descumprimento do contrato de emprego e, dependendo da função ocupada pelo empregado, o estado de ebriedade no qual há o comparecimento ao trabalho pode comprometer significativamente a continuidade do pacto laboral. A esse respeito, leciona Maurício Godinho Delgado[22]:

No caso de embriaguez em serviço, ela afeta diretamente o contrato de trabalho, sem dúvida. Em conformidade com a função do trabalhador (motorista ou segurança armado, por exemplo), esta afetação pode ser muito grave, uma vez que coloca em risco a saúde e bem-estar da própria coletividade, o que tende a ensejar a imediata dispensa por justa causa.

Cumpre realçar o entendimento jurisprudencial nesse sentido:

JUSTA CAUSA. Tendo o Tribunal Regional consignado o estado de embriaguez do reclamante, aliado à posse de arma de fogo, está caracterizada a falta grave capaz de justificar a dispensa por justa causa. Incólume o art. 482, alínea -f-, da CLT). Recurso de Revista de que não se conhece. (RR - 791-41.2010.5.12.0007 , Relator Ministro: João Batista Brito Pereira, Data de Julgamento: 23/11/2011, 5ª Turma, Data de Publicação: 16/12/2011)

Violação de segredo da empresa (art. 482, “g”)

Trata-se de infração do dever de fidelidade, praticada, em regra, por funcionários detentores de cargo de alta confiança.

É prática de caráter doloso. O empregado que, culposamente, revelar segredo industrial ou comercial da empresa será punido por desídia, haja vista a inexistência do elemento volitivo caracterizador do dolo. [23]

Segredos da empresa são todos os fatos, atos ou coisas de seu conhecimento exclusivo, que não possam ou não devam ser tornados públicos, sob o risco de lhe causar prejuízo. Constitui o tipo, a transmissão do segredo ou o seu uso, como estratégias de marketing, patentes de invenção, fórmulas de produtos comercializados com exclusividade pelo empregador, segredos industriais, negociações visando incorporações, fusões ou cisões, entre outros. Se o processo ou método está ao alcance de todos, não ocorre a violação (ex: admitir que o diferencial de uma empresa é a venda por preços competitivos, não é revelar segredo).

Desde que determinado por autoridade competente, a revelação não será ilícita. Atos ilícitos praticados pelo empregador, para auferir lucro em detrimento da comunidade em geral, não estão protegidos e não há obrigação de mantê-los em segredo.

Ato de indisciplina ou de insubordinação (art. 482, “h”)

Implica infração ao dever de obediência do empregado, onde a indisciplina é gênero e a insubordinação, espécie.

Indisciplina é descumprimento de ordem do empregador, dirigidas de forma impessoal ao quadro geral de empregados através de regulamentos, instruções, ordens de serviço, recomendações ou atos afins (ex: inobservância das medidas de segurança imposta pelo empregador para adentrar em determinado setor da empresa, exigência de habilitação para condução de empilhadeira, proibição de fumar em certos locais, etc.). Insubordinação é a desobediência à determinada ordem pessoal dirigida a pequeno grupo ou diretamente ao empregado, quer quanto ao aspecto técnico, quer quanto ao aspecto pessoal (ex: não observância dos critérios para realização de determinado trabalho, como o transporte de uma máquina, utilização de determinado tipo de ferramenta). [24]

Na lição de Alice Monteiro de Barros “o empregado que pratica essas faltas [indisciplina e insubordinação] subverte a hierarquia interna da empresa e compromete sua organização”. [25]

O empregado somente se insubordina a ordens legítimas do empregador. A desobediência à ordem ilícita não justificará a resolução do contrato de trabalho por justa causa.

Abandono de emprego (art. 482, “i”)

Configura-se pela ausência injustificada por, aproximadamente, trinta dias – conforme jurisprudência dominante baseando-se na legislação celetista, artigos 472, § 1º[26], artigo 474[27] e artigo 853[28] -, podendo ser inferior, desde que outras circunstâncias comprovem a intenção de abandono (ex: admissão em novo emprego no mesmo horário do anterior).

Dois elementos devem estar presentes para a caracterização do abandono de emprego: o elemento objetivo consistente no real afastamento do empregado ao serviço, injustificadamente, por determinado lapso temporal; e o subjetivo, que materializa-se pela intenção, o desejo, a clara intenção do empregado em não mais comparecer ao trabalho.

Destarte, após trinta dias contínuos de ausência injustificada [29], a intenção de abandonar é presumida. Nesse caso, é do empregado o ônus da prova de que não tinha a intenção de abandonar o emprego. Caso haja um justo motivo, o período será considerado de suspensão.

A jurisprudência não vem reconhecendo como regular o convite de retorno ao trabalho feito por órgãos de imprensa, tendo em vista que o obreiro não tem obrigação de acompanhar os noticiários da imprensa escrita e falada, bem como porque, tal diligência, expõe o empregado à censura pública, atingindo sua imagem, sendo passível de indenização por dano moral.[30] A convocação deverá ser feita por carta com aviso de recebimento, telegrama, notificação extrajudicial ou judicial, no endereço do trabalhador que é de conhecimento do empregador e não expõem o empregado à execração pública.

Ressalte-se que o abandono de serviço não é o mesmo que abandono de emprego. Aquele, consiste em saída fora do horário estipulado ou contrariando ordens, podendo ensejar justa causa por insubordinação ou indisciplina, bem como restará configurada a desídia, caso as faltas injustificadas do empregado sejam descontínuas.

Ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem (art. 482, “j”)

Refere-se à injúria, calúnia, difamação e às agressões físicas praticadas contra terceiros e não contra o empregador.

O ato pode ser praticado no estabelecimento ou onde a empresa exerça suas atividades (ex: empresa terceirizada, na sede do tomador dos serviços). Não é necessário que o trabalhador esteja em serviço, mas no âmbito da empresa ou submetido ao poder do empregador (ex: horas in itinere, na entrada ou saída do serviço).

A excludente (legítima defesa) só se justifica se a agressão sofrida for injusta e inevitável, e a defesa for atual e moderada. Sua prova cabe ao empregado.

Ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem (art. 482, “k”)

Configura-se pela injúria, calúnia, difamação e agressões físicas praticadas contra o empregador ou superiores hierárquicos, sendo irrelevante onde e quando ocorre o ato faltoso. A legítima defesa, utilizada de forma moderada, exclui o tipo trabalhista.

Nesta hipótese, a justa causa poderá configurar-se mesmo que o contrato de trabalho esteja suspenso ou interrompido. Assim, mesmo em férias, se o empregado desentender-se com seu superior hierárquico, dirigindo-lhe ofensas morais, comete falta capaz de ensejar a resolução do contrato de trabalho por justa causa. [31]

Ainda, dependendo das atividades do empregado, sua conduta fora do ambiente de trabalho deve ser compatível às peculiaridades de seu cargo, sob pena de macular a imagem e a honra de seu empregador.

Prática constante de jogos de azar (art. 482, “l”)

São os jogos em que o ganho e a perda dependam exclusivamente ou principalmente da sorte. [32]

Para caracterização, requer habitualidade, apostas em dinheiro e que a conduta afete a relação ou o ambiente de trabalho, como no caso dos empregados que, durante a jornada de trabalho, insistem em jogar cartas ou dominó, apostando dinheiro.

Mesmo se tratando de jogos proibidos, praticados fora do ambiente de trabalho e sem lhe afetar, não justificam a dispensa motivada.

Atos atentatórios à segurança nacional (art. 482, parágrafo único)

Resquício da ditadura militar, esse dispositivo considera como justa causa para a dispensa do empregado a prática, devidamente comprovada em inquérito administrativo, de atos atentatórios à segurança nacional, como terrorismo, subversão etc.

 Eduardo Saad entende que o inquérito administrativo deverá realizar-se perante a Justiça do Trabalho, onde o empregado poderá exercer amplamente sua defesa. Se comprovada a prática do crime resultando em pena de reclusão, haverá a impossibilidade material do cumprimento do contrato de trabalho. [33]

Entretanto, para alguns doutrinadores, o dispositivo não foi recepcionado pela Constituição. [34] Outros entendem que a norma em comento deve sofrer revisão, uma vez que, comprovado o ato atentatório à segurança nacional, a justa causa poderá ser enquadrada entre os atos de improbidade (alínea “a”) ou mau procedimento (alínea “b”). [35]

Outras hipóteses de justa causa não previstas no art. 482 da CLT

Embora pacífico que o rol constante no artigo 482 da Consolidação das Leis do Trabalho seja taxativo, cabe lembrar que o conjunto de infrações não se restringe ao contido no artigo em comento. Há outros casos previstos no Estatuto Consolidado e leis esparsas que consistem em faltas ensejadoras da resolução contratual por justo motivo, e que não podem ser ignoradas. São tipos jurídicos especiais, porque se referem aos trabalhadores em situações específicas ou integrantes de determinadas categorias.


Notas e Referências:

[1] CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 27. ed. atual. e ampl. por Eduardo Carrion.  São Paulo: Saraiva, 2002. p. 358.

[2] SARAIVA, Renato. Direito do Trabalho para Concursos Públicos. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2010. p.251.

[3] Conceito preliminar de tipicidade adotado por Damásio de Jesus: “é a correspondência entre o fato praticado pelo agente e a descrição de cada espécie de infração contida na lei penal incriminadora”. JESUS, Damásio E. de.  Direito Penal. v. 1. Parte Geral. 24. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 260.

[4] ALMEIDA, André Luiz Paes de. Direito do Trabalho: material, processual e legislação especial. 6. e. São Paulo: Rideel, 2009. p. 156.

[5] SARAIVA, Renato. Direito do Trabalho para Concursos Públicos. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2010. p.252.

[6] CAMINO, Carmen. Direito Individual do Trabalho. 4. Ed. Porto Alegre: Síntese, 2003. p. 483-484.

[7] ZIMMER, Carolina Mayer Spina; HAINZENREDER JÚNIOR, Eugênio; GÓES, Maurício de Carvalho. Direito do Trabalho e Processo do Trabalho. Porto Alegre: Sapiens, 2010. p. 104.

[8] SARAIVA, Renato. Direito do Trabalho para Concursos Públicos. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2010. p.253.

[9] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2009. p. 1098.

[10] CAMINO, Carmen. Direito Individual do Trabalho. 4. Ed. Porto Alegre: Síntese, 2003. p. 486.

[11] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2009. p. 1098.

[12] GIGLIO, Wagner D. Justa causa: teoria, prática e jurisprudência: dos arts. 482 e 483 da CLT. São Paulo: LTr, 2.ª edição, 1985. p. 93-99.

[13] ALMEIDA, André Luiz Paes de. Direito do Trabalho: material, processual e legislação especial. 6. e. São Paulo: Rideel, 2009. p. 160.

[14] CAMINO, Carmen. Direito Individual do Trabalho. 4. Ed. Porto Alegre: Síntese, 2003. p. 498.

[15] CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 27. ed. atual. e ampl. por Eduardo Carrion.  São Paulo: Saraiva, 2002. p. 362.

[16] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2009. p. 1194-1195.

[17] CAMINO, Carmen. Direito Individual do Trabalho. 4. Ed. Porto Alegre: Síntese, 2003. p. 498-499.

[18] ZIMMER, Carolina Mayer Spina; HAINZENREDER JÚNIOR, Eugênio; GÓES, Maurício de Carvalho. Direito do Trabalho e Processo do Trabalho. Porto Alegre: Sapiens, 2010. p. 105.

[19] MARTINS, Sérgio Pinto. Manual da Justa Causa. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 110.

[20] Art. 4º CC: “São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:  II – os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido;

[21] CAMINO, Carmen. Direito Individual do Trabalho. 4. Ed. Porto Alegre: Síntese, 2003. p. 489-490.

[22] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2009. p.1196-1197.

[23] CAMINO, Carmen. Direito Individual do Trabalho. 4. Ed. Porto Alegre: Síntese, 2003. p. 495.

[24] CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 27. ed. atual. e ampl. por Eduardo Carrion.  São Paulo: Saraiva, 2002. p. 363.

[25] BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 5. ed. rev. ampl. São Paulo: LTr, 2009, p. 869.

[26] Art. 472: “O afastamento do empregado em virtude das exigências do serviço militar ou de outro encargo público não constituirá motivo para a alteração ou rescisão do contrato de trabalho por parte do empregador. § 1º Para que o empregado tenha direito a voltar a exercer o cargo do qual se afastou em virtude de exigência do serviço militar ou de encargo público, é indispensável que notifique o empregador dessa intenção, por telegrama ou carta registrada, dentro do prazo máximo de trinta dias, contados da data em que se verificar a respectiva baixa ou a terminação do encargo a que estava obrigado”.

[27] Art. 474: “A suspensão do empregado por mais de 30 dias consecutivos importa na rescisão injusta do contrato de trabalho”.

[28] Art. 853: “Para a instauração do inquérito para apuração de falta grave contra empregado garantido com estabilidade, o empregador apresentará reclamação por escrito à Vara ou Juízo de Direito, dentro de 30 dias, contados da data da suspensão do empregado”.

[29] Entendimento jurisprudencial corroborado pelo TST, conforme Súmula 32: “Abandono de emprego. Presume-se o abandono de emprego se o trabalhador não retornar ao serviço no prazo de 30 (trinta) dias após a cessação do benefício previdenciário nem justificar o motivo de não o fazer”.

[30] CAMINO, Carmen. Direito Individual do Trabalho. 4. Ed. Porto Alegre: Síntese, 2003. p. 500.

[31] CAMINO, Carmen. Direito Individual do Trabalho. 4. Ed. Porto Alegre: Síntese, 2003. p. 491.

[32] Art. 50, 3º, alínea “a” do Decreto Lei nº 3.688/41.

[33] SAAD, Eduardo Gabriel. Consolidação das Leis do Trabalho Comentada. 42. ed. rev. atual. São Paulo: LTr, 2009.p. 370.

[34] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2009. p.1199; SARAIVA, Renato. Direito do Trabalho para Concursos Públicos. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2010. p.259; CAMINO, Carmen. Direito Individual do Trabalho. 4. Ed. Porto Alegre: Síntese, 2003. p. 502.

[35] RUSSOMANO, Mozart Victor; RUSOOMANO, Victor Júnior; ALVES, Geraldo Magela. Consolidação das Leis do Trabalho Anotada. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 135.


Rogrigo Galia

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Rodrigo Wasem Galia é Doutorando e Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Professor da graduação e Pós-graduação em Direito. Autor de diversas obras jurídicas na temática de Direito do Trabalho e Constitucional do Trabalho. Palestrante. Advogado.

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Imagem Ilustrativa do Post: Le Jour ni l’Heure 5575 (...) // Foto de: Renaud Camus // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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