Direito Comum da Humanidade  

06/01/2019

 

Encerrada a leitura do Volume I, Tomo I, de “História do Direito Comum da Humanidade: Ius Commune Humanitatis ou Lex Mundi?”, Dissertação de doutoramento em Ciências Histórico-Jurídicas apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa por Eduardo Vera-Cruz Pinto, Professor Catedrático da mencionada instituição, merecem destaque abordagens fundamentais da obra, que impressiona inicialmente já pela extensa bibliografia pesquisada e devidamente anotada, sendo mais de cento e trinta páginas, além do vasto número de obras indicadas nas notas de rodapé, não constantes da bibliografia.

Vera-Cruz censura a abordagem jurídica da atualidade, avaliação bem exposta na obra “O Futuro da Justiça”, na qual faz críticas aos sistemas de ensino, judicial e político, dizendo ser necessária uma radicalidade filosófico-jurídica, reconstruindo a realidade intelectual a partir da desconstrução da existente, por meio de uma grande ruptura daqueles sistemas para a realização plena da Justiça, destacando a necessidade de restaurar a auctoritas dos jurisprudentes, dentro de uma determinada leitura do Estado Constitucional, para que este seja um Estado de Direito. A autoridade é fundamental na comunidade humana, como já exposto no artigo “Autoridade” (http://emporiododireito.com.br/leitura/autoridade), urgindo seja resgatada em sua concepção correta e original.

O retorno às origens é indispensável, e como se pode extrair do artigo “Estado, Cristo e culto” (http://emporiododireito.com.br/leitura/estado-cristo-e-culto) a noção moderna de Estado surge após a chamada Paz de Westfália (1648), havendo uma tendência em grande parte das doutrinas jurídica e política no sentido de negar ou ignorar, por influência do positivismo, os milênios de evolução do conhecimento que antecederam a modernidade, pois os fundamentos antigos da vida social, política e jurídica eram religiosos e metafísicos, pelo que seria exigida uma fundamentação na ciência positiva para se alcançar o último estágio mental da humanidade.

De outro lado, como tenho sustentado, o último estágio mental da humanidade, com adoção da verdadeira Ciência, foi atingido por Jesus Cristo em sua metodologia unitária e monoteísta de mundo, científica, metafísica e religiosa, pela qual conheceu a Verdade, integrando plenamente em sua vida a conduta ajustada à ordem cósmica, com o Logos, a Razão que fundamenta a realidade em todos os seus níveis, entendimento que pode ser vislumbrado no plano teórico-científico a partir da física moderna, na leitura dada por David Bohm, e da psicologia coletiva, consciente e inconsciente, sistematizada pelos princípios estudados por Carl Jung.

Contudo, ainda prevalece no meio universitário uma ojeriza à visão científica de mundo que seja compatível com ideias espirituais e religiosas, e com os sistemas filosóficos respectivos, no que se inclui o idealismo, especialmente o de Hegel, o que também explica a rejeição a Jung e a Bohm, sendo majoritária a ideologia materialista fundada em autores como Marx e Freud, e em um neodarwinismo eminentemente dogmático, e materialisticamente religioso.

Grandes autores e teorias do passado, e mais recentes, são rejeitados de plano, pois se considera que o verdadeiro conhecimento científico deve ser iniciado pelas leituras de mundo de Marx e Freud, o último amparado no niilismo existencialista de Nietzsche, sendo mister a rejeição dessas ideologias, para redirecionar o conhecimento à Verdade e à Ciência da totalidade do mundo, com o sentido espiritual nele existente.

Nessa mesma linha, Vera-Cruz desenvolve a ideia de Ius Commune Humanitatis como “conceito jurídico com raízes no Ius Romanum, cuja tematização, no plano metodológico, tem sua sedes materiae na História do Direito Romano e, no plano antropológico, na visão cristã do Homem” (Eduardo Vera-Cruz Pinto. História do Direito Comum da Humanidade: Ius Commune Humanitatis ou Lex Mundi? Vol. I. Tomo I. Lisboa: Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 2003, pp. 170-171).

Divergindo parcialmente de Vera-Cruz, entendo que também no plano metodológico se inclui a visão cristã do Homem, o que decorre da leitura teológica segundo a qual a trindade não é um conceito cristão, e considerando que o Reino de Deus é deste mundo e será realizado na História da Humanidade, ao contrário do entendimento dominante no Cristianismo pelo qual o Reino não é deste mundo.

Ainda assim, porque Vera-Cruz concede a devida relevância histórica e teórica às ideias de Cristo, há compatibilidade filosófica e pragmática entre a minha e a sua abordagem do Direito, especialmente quando ele afirma:

“Como conjunto de normas jurídicas materiais concretas, como um Direito de direitos, o Ius Commune Humanitatis preenche, mais que uma ideia de Direito como ideal de Justiça, uma instância de regulação objectiva ao serviço da dignidade humana, não de mera técnica de concertação de interesses e pacificação de conflitos ou descrição lógico-conceitual da realidade humana, mas meio de responsabilizar, fazendo recuar o inhumanum-iniustum” (Idem, pp. 171-172).

Trata-se de restaurar a cosmovisão de mundo que contém verdades morais absolutas, transcendendo o relativismo moral materialista em direção à natureza religiosa, transpessoal e mítica do humano, com seu fundo psíquico comum, unidade psíquica a ser trazida da inconsciência instintiva para a consciência da dignidade humana, esta decorrente do Monoteísmo e da visão espiritual de Cristo, maior herói e líder da Humanidade, o Messias judeu.

“Enquanto a moderna historiografia, com o seu viés personalista, se inclina a representar os eventos coletivos da vida das nações e da humanidade como dependentes dos impulsos personalistas de monarcas e líderes, o mito reflete a realidade transpessoal através dos eventos singulares da vida do herói” (Erich Neumann. História da Origem da Consciência. 5 ed. Trad. Margit Martincic. São Paulo: Cultrix, 2014, p. 152).

É preciso, destarte, reinterpretar Cristo, deixando de vê-lo como membro de uma trindade para entendê-lo não como Deus e sim como o mais Humano dos humanos, e assim plena imagem e semelhança de Deus, significando o mito, enquanto realidade psíquica arquetípica, do herói que realiza em si a Humanidade completa, no tempo e fora do tempo, indicando o Caminho que deve ser seguido por todos os que pretendem se tornar plenamente humanos, portanto imagem e semelhança de Deus, encarnação do Logos, tanto no mundo psíquico interior como na realidade objetiva.

Política e juridicamente, Cristo ou Messias é o modelo de líder a ser imitado pelos governantes, realizando a Razão da Humanidade, o Logos, no plano público oficial, no Estado, na nação, na comunidade internacional, como serviço coletivo da dignidade humana, que independe de nacionalidade, segundo sua (da dignidade humana) concepção autêntica e cristã.

Daí porque o Cristianismo é a Ciência da transformação da realidade objetiva, adequando os comportamentos da vida material, nos níveis individual e coletivo, portanto normativo, à Ordem mais profunda do universo, ao Cosmos, ao Logos, a Teoria de Tudo que é não só Física como também Biológica, Psíquica e Jurídica.

Por isso está com razão Vera-Cruz ao dizer ser necessária a responsabilização de cada um, pelo Direito, para que todos sejam responsáveis pela dignidade humana, sejam heróis em suas batalhas individuais para alcançar a Humanidade, apontando para

“uma responsabilidade mais intensa, não só jurídico-política mas também moral (ligação dever-moral, obrigação cívica e responsabilidade civil) (…), é preciso investir na consciência da ‘ilicitude’ como base da responsabilidade. (...)

A construção de um Ius Commune Humanitatis só pode partir de uma perspectiva não materialista da vida e do Homem, que dê primazia ao espiritual” (Obra citada, p. 173).

O Direito Comum da Humanidade exige, destarte, ontologicamente, um conceito de humanidade, um conceito de consciência, que seja compatível com o primeiro, e um sistema jurídico no qual a perspectiva da vida e do Homem seja fundada no Espírito, pelo que o Direito Comum da Humanidade é a transposição do Cristianismo de mera religião espiritual, de salvação individual, para o seu devido lugar como Ciência, também no aspecto religioso da vida humana, incluindo as realidades política e jurídica da vida social, porque o Cristo é o Messias, e este é essencialmente um conceito político-jurídico dentro da visão Monoteísta (e Espiritual) da realidade, que inclui a natureza e o governo das nações.

É preciso passar do não-sistema materialista de mundo para o único sistema de conhecimento possível, fundado na unidade de um Espírito e um Corpo, governado por Cristo, em nome Daquele que é Santo e Perfeito, Clemente e Misericordioso, o Autor do Direito e da Justiça.

Adorai a Iahweh no seu santo esplendor, terra inteira, tremei em sua frente! Dizei entre as nações: ‘Iahweh é Rei! O mundo está firme, jamais tremerá. Ele governa os povos com retidão’. Que o céu se alegre! Que a terra exulte! Estronde o mar, e o que ele contém! Que o campo festeje, e o que nele existe! As árvores da selva gritem de alegria, diante de Iahweh, pois ele vem, pois ele vem para julgar a terra: ele vai julgar o mundo com justiça, e as nações com sua verdade” (Sl 96, 9-13).

 

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