Deve haver algum lugar onde o mais forte não consegue escravizar quem não tem chance: a proteção aos direitos de personalidade do trabalhador em face do assédio moral

04/10/2016

Por Guilherme Wünsch e Felipe Pruinelli – 04/10/2016

O assédio moral no ambiente laboral vem se propagando como um dos mais sérios problemas encontrados na sociedade atual, visto que se constata que provém de um conjunto de fatores, tais como a globalização econômica, a qual visa, única e exclusivamente, a produção e o lucro, bem como a atual conjectura do sistema empresarial, caracterizada pela perene competição e pela humilhação moral – principal quesito da prática do assédio moral caracterizado pelo abuso do poder diretivo no ambiente da empregadora.

Neste sentido, necessário se faz mencionar o entendimento de Maria Aparecida Alckimin[1], a qual compreende que o assédio moral ou agressão psicológica na relação de emprego tem como pressuposto um fato social que ocorre no meio social, familiar, estudantil e, mais intensamente, no ambiente de trabalho, abrangendo tanto o setor privado como a administração pública, e, embora na atualidade tenha atraído estudos no campo da Psicologia, Sociologia, Medicina do Trabalho e do Direito, tem origem histórica na organização do trabalho, tendo em vista a relação domínio-submissão entre o capital e a força de trabalho.

Já Sônia Mascaro Nascimento[2] preconiza que as práticas mais comuns para o desenvolvimento do assédio moral consistem em: (i) desaprovação velada e sutil a qualquer comportamento da vítima; (ii) críticas repetidas e continuadas em relação à sua capacidade profissional; (iii) comunicações incorretas ou incompletas quanto à forma de realização do serviço, metas ou reuniões, de forma que a vítima sempre faça o seu serviço de forma incompleta, incorreta ou intempestiva, e ainda se atrase para reuniões importantes; (iv) apropriação de ideias da vítima para serem apresentadas como de autoria do assediador; (v) isolamento da vítima de almoços, confraternizações ou atividades junto aos demais colegas; (vi) descrédito da vítima no ambiente de trabalho mediante rumores ou boatos sobre a sua vida pessoal ou profissional; (vii) exposição da vítima ao ridículo perante colegas ou clientes, de forma repetida e continuada; (viii) alegação pelo agressor, quando e se confrontados, de que a vítima está paranoica, com mania de perseguição ou não tem maturidade emocional suficiente para desempenhar as suas funções; e (ix) identificação da vítima como “criadora de caso” ou indisciplinada.

O abuso do poder diretivo do empregador constitui-se em um dos fundamentos para ocorrência do assédio moral, se instalando de forma gradativa, mormente através de pequenas manifestações hostis no ambiente laboral. O trabalhador começa a ficar deprimido, sentindo-se humilhado, especialmente nos casos de assédio moral descendente, que se caracteriza quando um subordinado é agredido pelo superior hierárquico, ou seja, no caso da empresa que deixa um indivíduo dirigir seus subordinados de maneira tirânica ou perversa, ou porque isto lhe convém, ou porque não lhe parece ter a menor importância. Pode ser simplesmente um caso de abuso de poder, quando um superior se prevalece de sua posição hierárquica de maneira desmedida e persegue seus subordinados por medo de perder o controle. É o caso do poder dos pequenos chefes[3].

Também, por este prisma, é o entendimento de Maria Aparecida Alckimin, que perfilha o mesmo pensar, ao asseverar que o assédio cometido pelo empregador, descendente, é o mais corriqueiro, justamente devido à moderna organização do trabalho, pois, sob a influência do neoliberalismo, cresceu a corrida pela competitividade e lucratividade a baixo custo, exigindo-se da força de trabalho humano uma parcela de responsabilidade pelos prejuízos e manutenção do emprego, devendo o moderno trabalhador se ajustar às políticas de reestruturação e flexibilização, além de ter uma performance polivalente para se ajustar ao mercado globalizado e de escassez de emprego.[4]

Neste sentido, cometerá ato ilícito o empregador ou aquele que receber poderes deste – poder de direção e comando -, e exceder manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico e social, pela boa-fé e pelos bons costumes. Como leciona Cavalieri Filho[5], o principal fundamento do abuso de direito é impedir que o direito sirva-se como forma de opressão. Tal ato é formalmente legal, mas o titular do direito se descia da finalidade da norma, transformando-o em ato ilícito, pois, não basta à conduta estar em harmonia com a norma legal, se, o restante está em rota com os valores éticos, sociais e econômicos – em profundo confronto com a norma explícita.

Por derradeiro, não agindo desta forma, levando-se em conta o direito de o empregador exercer o poder diretivo do empreendimento, vez que assume os riscos de tal negócio, no caso do abuso em que se exterioriza me­diante atitudes tendentes a macular a imagem do trabalhador, humilhá-lo ou submetê-lo a condutas discriminatórias por meio do uso exagerado do poder de comando que lhe é conferido, ou também, sendo a vítima, em contato de revista com "ofensivos apalpes na cintura", tais iniciativas advindas do empregador são caracterizadoras do assédio moral -, sendo que o empregador deverá responder de forma objetiva, posto que desrespeitando os limites impostos pelos contratos de trabalho e dos direitos personalíssimos, estará abusando do seu direito de dirigir o negócio empresarial.

Sergio Cavalieri Filho[6] entende os danos morais como os direitos da personalidade que englobam outros aspectos da pessoa humana que não estão diretamente vinculados à sua dignidade da pessoa humana. Nessa categoria incluem-se também os chamados novos direitos da personalidade: a imagem, o bom nome, a reputação, sentimentos, relações afetivas, aspirações, hábitos, gostos, convicções políticas, religiosas, filosóficas, direitos autorais. Em suma, os direitos da personalidade, abrangem todas as ofensas à pessoa, considerada esta em suas dimensões individual e social, ainda que sua dignidade não seja arranhada. Como se vê, hoje o dano moral não mais se restringe à dor, tristeza e sofrimento, estendendo a sua tutela a todos os bens personalíssimos, os complexos de ordem ética, razão pela qual revela-se mais apropriado chamá-lo de dano imaterial ou não patrimonial, como ocorre no Direito português. Em razão dessa natureza imaterial, o dano moral é insuscetível de avaliação pecuniária, podendo apenas ser compensado com a obrigação pecuniária imposta ao causador do dano, sendo esta mais uma satisfação do que uma indenização, como deve ocorrer nos casos em que o abuso do poder de direção do empregador viole os direitos personalíssimos do empregado, como se pode verificar em casos julgados pelo TST:

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. XINGAMENTOS PROFERIDOS PELO PREPOSTO NO AMBIENTE DE TRABALHO. Tratam os autos de pedido de indenização por danos morais em face de assédio moral praticado pelo superior hierárquico do reclamante. De acordo com o Regional, ficaram configurados "os elementos comprovadores da culpabilidade do empregador, ante a alegada situação do reclamante/recorrido (ataque a sua honra e dignidade, ao lhe dirigir impropérios na presença de colegas de trabalho)". No caso, o Juízo de procedência do pedido de indenização por dano moral está amparado - como constou da narrativa dos fatos provados no curso da instrução processual consignada no acórdão regional, insuscetível de reexame nesta instância recursal de natureza extraordinária, nos termos da Súmula nº 126 do Tribunal Superior do Trabalho - na conclusão de que não ficou configurada a ocorrência dos elementos necessários a ensejar a reparação pretendida, o que, por consequência, inviabiliza a análise da aventada afronta ao artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal. Agravo de instrumento desprovido. (...)." (ARR - 943-22.2014.5.20.0009, Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento: 30/03/2016, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 01/04/2016)

RECURSO DE REVISTA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. I. O Tribunal Regional registrou que a prova oral confirma as atitudes lesivas do superior hierárquico do Reclamante. Afirmou ainda a comprovação de que o referido chefe, ao conversar com outros empregados, se referia ao Reclamante com adjetivos pejorativos, em razão de sua condição pessoal. II. Além disso, consta do acórdão recorrido que o superior hierárquico se recusava a conversar com o Reclamante e não lhe dava ordens diretamente, revelando hostilidade no ambiente de trabalho. III. A indenização por dano moral se caracteriza quando há constrangimento ou humilhação e, por conseguinte, afeta a dignidade da pessoa do empregado. IV. Assim, ao entender que não ficaram caracterizados os danos morais, embora tenha registrado as ofensas e xingamentos ao Reclamante, o Tribunal Regional violou o art. 5º, X, da CF/88. V. Recurso de revista de que se conhece, por violação do art. 5º, X, da CF/88, e a que se dá provimento." (RR - 124900-07.2012.5.21.0008, Relatora Desembargadora Convocada: Cilene Ferreira Amaro Santos, Data de Julgamento: 20/04/2016, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 29/04/2016)

Por derradeiro, a ocorrência do assédio moral no ambiente de trabalho atinge diretamente a saúde psíquica e física deste, haja vista que a vítima injustamente atingida em sua dignidade e personalidade de homem e trabalhador suporta significativas perdas, passando a viver no ambiente de trabalho tenso e hostil em constante estado de incômodo psicofísico, capaz de gerar distúrbios psicossomáticos, refletindo em desmotivação, estresse, isolamento e prejuízos emocionais de toda ordem, comprometendo sua vida pessoal, profissional, familiar e social.


Notas e Referências:

[1] ALCKIMIN, Maria Aparecida. Assédio Moral na relação de emprego. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2006, p. 35.

[2] NASCIMENTO, Sônia Mascaro. Assédio moral. 2. São Paulo: Saraiva, 2010 – (Livro eletrônico)

[3] HIRIGOYEN, Op.cit., p. 75.

[4] ALKIMIN, Op.cit., p. 62.

[5] FILHO, Sérgio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. 10. ed.rev.ampl. São Paulo: Atlas, 2012, p. 173.

[6] FILHO, Sérgio Cavalieri, Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Malheiros, 2006. p.102.


Guilherme WunschGuilherme Wünsch é formado pelo Centro Universitário Metodista IPA, de Porto Alegre, Mestre em Direito pela Unisinos e Doutorando em Direito pela Unisinos. Durante 5 anos (2010-2015) foi assessor jurídico da Procuradoria-Geral do Município de Canoas. Atualmente, é advogado do Programa de Práticas Sociojurídicas – PRASJUR, da Unisinos, em São Leopoldo/RS; professor da UNISINOS e professor convidado dos cursos de especialização da UNISINOS, FADERGS, FACOS, FACENSA, IDC e VERBO JURÍDICO.


felipe-pruinelli. Felipe Pruinelli é Advogado, atuante nas áreas de Direito do Trabalho e Direito Civil, no escritório RP PRUINELLI ADVOGADOS. É pós-graduado em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS/RS), com atuação nas cidades de Bento Gonçalves/RS, Caxias do Sul/RS, entre outras..


Imagem Ilustrativa do Post: Despairing businessman at his desk // Foto de: Miranda Mylne // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/143134916@N06/28805709134

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura