Defensoria entra com HC Coletivo na Tutela dos Direitos Fundamentais de Crianças e Adolescentes

30/08/2017

Por Paulo Antônio Coêlho dos Santos - 30/08/2017

Desde maio de 2017 tramita no STF o Habeas Corpus coletivo nº 143988, impetrado pela Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo e que visa a tutela da liberdade ambulatorial de todos os adolescentes custodiados na Unidade de Internação Regional Norte (UNINORTE), no município de Linhares, haja vista a constância de situações envolvendo superlotação[1], supostos atos de agressões, torturas, condições indignas[2] de habitação e mortes[3], [4] no local.

No documento apresentado ao Tribunal Constitucional consta que a unidade de internação tem capacidade para apenas 90 (noventa) adolescentes, de acordo com o plano político pedagógico do Instituto de Atendimento Socioeducativo (IASES)[5], que administra o sistema.

Contudo, no período compreendido entre 11/05/15 a 02/03/17, a Defensoria Pública verificou que a capacidade do local esteve constantemente superada. De fato, o número de internos variou de 187 (cento e oitenta e sete) a 262 (duzentos e sessenta e dois), mantendo-se, em regra, lotação superior a 200 (duzentos) internos.

Dentre outros pedidos a DPES requer a aplicação da regra chamada de numerus clausus[6], a fim de que seja fixado judicialmente um limite intransponível para o ingresso de internos na unidade. Da mesma forma, pugna pelo estabelecimento de um fluxo de ingressos e saídas de adolescentes a fim de que a taxa de ocupação possa se aproximar da média nacional[7], além da progressão para semiliberdade e medidas em meio aberto do excedente de internos.

Instada a se manifestar, a Procuradoria da República entendeu que o Habeas Corpus coletivo não deve ser aceito, na esteira da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (HC 135.169/DF e HC 81.348/RJ), que em decisões pretéritas fundamentou que a coletividade de pacientes inviabilizaria não só a de apreciação do constrangimento, mas também a expedição de salvo-conduto.

Todavia, o STF deverá trilhar por outro caminho. Isso porque a utilização do remédio constitucional em detrimento da tradicional ação civil pública se explica pelos seguintes motivos:

  1. O objetivo da Defensoria éa tutela da liberdade ambulatorial dos internos, sendo o habeas corpus o instrumento cabível, conforme art. 5º, LXVIII, da CR/88;
  2. O Ministério Público estadual ajuizou ação coletiva pugnando pela ampliação de vagas na Comarca, tendo obtido êxito em 1ºgrau. Todavia, a sentença foi reformada em grau recursal;
  3. A tutela dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes é, nos termos do artigo 227 da CF/88, absoluta prioridade, o que justifica a releitura do remédio constitucional;
  4. A proteção coletiva da liberdade ambulatorial é admitida pelo sistema interamericano de direitos humanos, haja vista a possibilidade de deferimento de medidas cautelares e provisórias pela Comissão e Corte Interamericana que por vezes tutelam a liberdade, vida e integridade física de pessoas presas diante de casos graves e urgentes, tal como o versado na UNINORTE.

O caso concreto permite identificar com certa clareza uma diferença entre os instrumentos processuais adotados pela Defensoria e Ministério Público, uma vez que na ação coletiva foram pleiteadas obrigações de fazer, tutelando indiretamente a liberdade ambulatorial dos adolescentes. Entretanto, no habeas corpus se busca de forma direta e imediata a tutela da liberdade ambulatorial e integridade física e psíquica dos internos.

Assim, não há margem para se confundir os objetivos de cada ação ou mesmo para se defender a desnecessidade da impetração de habeas corpus para a tutela dos adolescentes.

Nesse sentido, o recente voto do Ministro Ricardo Lewandowski, de agosto de 2017, nos autos do HC Coletivo nº 143.641/SP, mostra um indicativo suficiente para acreditarmos na alteração de posicionamento da Corte, ao afirmar que “numa sociedade burocratizada, a lesão pode assumir caráter coletivo e, neste caso, o justo consiste em disponibilizar um remédio efetivo e funcional para a proteção da coletividade  mormente de coletividades vulneráveis socioeconomicamente”.


Notas e Referências:

[1] Fonte: http://g1.globo.com/espirito-santo/noticia/2015/08/superlotacao-provoca-fugas-na-unis-de-linhares-diz-defensoria-do-es.html, acesso em 10.08.2017.

[2] Recentemente, a Comissão Interamericana expediu medida cautelar contra o estado da Guatemala: Resolución 17/17 - MC 161-17 Centros Juveniles de Privación de Libertad, Guatemala - El 12 de junio de 2017, la CIDH decidió solicitar la adopción de medidas cautelares a favor de las y los adolescentes que se encuentran en el Centro Juvenil de Privación de Libertad para Varones II San José Pinula, el Centro Juvenil de Privación Provisional para Varones, el Centro Juvenil de Privación de Libertad para Varones Anexo II y el Centro Juvenil de Privación de Libertad para Mujeres, en Guatemala. La solicitud de medidas cautelares alega que existe una situación de riesgo a la vida e integridad personal de las y los adolescentes en los cuatro centros debido a una serie de múltiples factores de riesgo que afectarían de manera desproporcionada a las y los adolescentes privados de libertad en tales centros. Tales fuentes de riesgo incluirían tanto aspectos de salubridad, infraestructura de los centros, atención de salud, como de seguridad, entre otros. Tras analizar las alegaciones de hecho y de derecho, la CIDH considera que la información presentada demuestra, en principio, que los beneficiarios se encuentran en una situación de gravedad y urgencia. En consecuencia, de acuerdo con el artículo 25 del Reglamento de la CIDH, la Comisión solicitó a Guatemala que adopte las medidas necesarias para proteger la vida e integridad personal de las y los adolescentes de los cuatro centros, que tome las acciones necesarias para mejorar las condiciones de detención de detención de las y los adolescentes de acuerdo a los estándares internacionales; que fortalezca la seguridad en los cuatro centros de privación de libertad; que adopte las medidas necesarias para contar con planes de emergencia ante la posible materialización de los factores de riesgo identificados; que concierte las medidas a adoptarse con los beneficiarios y sus representantes, y que informe sobre las acciones adoptadas a fin de investigar los hechos alegados que dieron lugar a la adopción de la presente medida cautelar y evitar su repetición. Lea la resolución. Fonte:http://www.oas.org/es/cidh/decisiones/cautelares.asp, acesso em 21.08.2017.

[3] Fonte: http://g1.globo.com/espirito-santo/noticia/2014/04/menor-e-espancado-em-unidade-do-iases-e-morre-em-hospital-do-es.html, acesso em 21.08.2017

[4] Fonte: http://www.folhavitoria.com.br/policia/noticia/2016/12/interno-e-espancado-ate-a-morte-em-unidade-do-iases-em-linhares.html, acesso em 10.08.2017.

[5] https://iases.es.gov.br/Media/iases/Arquivos/PPPI_VERSAO_FINAL_1.pdf

[6] Nesse sentido, a defesa do Estado Brasileiro na audiência pública de 19 de maio de 2017 na Corte Interamericana de Direitos Humanos no chamado “supercaso”, que pode ser conferida no seguinte link:  https://www.youtube.com/watch?v=CPhRVJGLfYM

[7] Total de 119,2% em 2013, segundo estudo do CNMP, Fonte: http://www.cnmp.mp.br/portal/images/stories/Destaques/Publicacoes/Relat%C3%B3rio_Interna%C3%A7%C3%A3o.PDF, p. 17, acesso em 21.08.2017. Ver também recente decisão de 26 de maio de 2017, proferida em face do Haiti, na qual a Comissão interamericana de Direitos Humanos solicitou ao Estado a adoção de ações “[...] inmediatas para reducir progresivamente el hacinamiento al interior de la Penitenciaría civil de Puerto Príncipe, de acuerdo a estándares internacionales.” http://www.oas.org/es/cidh/decisiones/pdf/2017/13-17MC125-17-HA.pdf


Paulo Antônio Coêlho dos Santos. . Paulo Antônio Coêlho dos Santos é defensor público do Estado do Espírito Santo. . . .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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