Por Felipe Halfen Noll e Alfredo Copetti Neto - 25/04/2015
O filme “A Experiência”, dirigido por Oliver Hirschbiegel, trata de um projeto experimental com humanos voluntários, que são relacionados por meio de classificados de jornal. Aos recrutas não lhes é informado muito. Rapidamente são expostos a um ambiente degradado, conduzidos por uma equipe de cientistas sociais, que lhes impõem regras taxativas. Pretendiam, tais cientistas, observar o comportamento humano em um ambiente de submissão hierárquica, por meio de uma prisão simulada. A obra cinematográfica impacta, sobretudo pela exposição, sem freios, da natureza humana, que se mostra, mesmo na mímese, surpreendentemente violenta.
O projeto experimental consiste na contratação de vinte civis, que se dividem em prisioneiros e guardas. Na simulação, os detentos foram destituídos de seus principais direitos, dentre os quais os referentes à privacidade, flertando diretamente com a realidade carcerária atual.
Aos guardas caberia zelar pela ordem no complexo penitenciário e, para tanto, tinham apenas uma restrição: não poderiam fazer uso de violência física. A restrição foi praticamente desconsiderada; interpretada, pode-se dizer, levianamente. Os guardas, na verdade, não cumpriram a rigor os seus papéis fictícios e violaram uma série de direitos dos prisioneiros, evidenciando práticas antigarantistas, mas legitimadas pela necessidade de contenção, de um lado; e pelo caráter mimético da situação, de outro.
Todos, inicialmente, assimilaram a perspectiva do projeto a partir de um caráter jocoso. Houve uma certa dificuldade para os atores do projeto (que até então estavam na condição de civis) se submeterem ao acordado. Eles se divertiam e, até mesmo, desenvolviam atividades esportivas conjuntamente. No entanto, o ambiente descontraído vai aos poucos se desvanecendo, e os resultados do projeto começam a atingir patamares descontrolados.
Os encarcerados se recusavam a seguir as ordens dos carcereiros, que por muitas vezes agiam de forma autoritária. Mesmo sendo o objetivo da experiência observar as relações de dominação do homem por meio da sanção, fica evidente que os impulsos levaram o projeto às últimas consequências. Os guardas aceitaram suas posições com naturalidade e a tutela da ordem na prisão foi apenas um pretexto para justificar atos condenáveis, naturalmente violentos e ilegítimos.
Em um contexto de total desordem estrutural no ambiente penitenciário, Berus, um dos guardas que pouco havia se manifestado até então, propõe a humilhação e a degradação como forma de conter os rebelados. Mesmo não sendo caracterizado um motim geral por parte dos presos, todos são despidos e forçados a dormir no chão. A prática punitiva – e não de correção – foi uma forma recorrente de regrar o comportamento humano no ambiente carcerário. O antigarantismo evidenciado pelos protagonistas, os atos abusivos de poder e a violência policial como regra, recorrente na conduta dos atores, trazem à tona a compreensão quotidiana do papel do policial. É como se não existisse outra alternativa, a relação ordem e transgressão se dá, inexoravelmente, desse modo: atores são fidedignos!
Assim, supondo que o experimento tenha refletido a realidade das instituições penitenciárias, causando extremo impacto, até mesmo aos pesquisadores, surgem questionamentos: será que um processo punitivo violento, humilhante e autoritário tem o poder de conduzir à reabilitação? Como é possível atingir o fim da pena, se é que há um fim, para além da mera retribuição do mal, tendo como base um sistema falido e cruel, que trabalha com a percepção da “psique” humana construída no medievo?
O sistema de incentivos à condutas humanas, no âmbito público estatal, pode ser desenvolvido para além da mera restrição da liberdade e de seus percalços, oriundos das práticas degradantes da dignidade humana.
Na verdade, a violência da natureza humana é despertada cientificamente pelo experimento e a própria exacerbação da conduta humana violenta levou-o ao fracasso: mortos, feridos e, inclusive, novas práticas, (re)formando a arte violenta.
A solução, talvez, seja apontada por um sistema de garantias, delito, pena e processo, e não pela restrição arbitrária de direitos fundamentais. Se antes o indivíduo não tinha acesso ao trabalho, por exemplo, a reabilitação pode compreender esse direito, mesmo que relativamente, pois a possibilidade de manter-se adequadamente vivo é condição elementar da vida digna e um incentivo adequado à não violência. Aliás, violência tem alguma ligação com a pobreza, mas obviamente, resolvendo-se a questão da pobreza nada garante a solução total da violência. Não se conhece, historicamente, nenhuma civilização não violenta, mas se sabe, historicamente, que reduzindo-se a pobreza, reduz-se, sobremaneira, a violência. Afinal, ainda, e se nada disso ocorrer, a integridade física e moral do encarcerado é dever fundamental de proteção do Estado e não alvo do seu poder punitivo.
Felipe Halfen Noll é acadêmico do Curso de Direito da UNIJUÍ-RS e bolsista voluntário no projeto de pesquisa "Direito e Economia às Vestes do Constitucionalismo Garantista", coordenado pelo Prof. Dr. Alfredo Copetti Neto.
Alfredo Copetti Neto é Doutor em Direito pela Università di Roma, Mestre em Direito pela Unisinos. Cumpriu estágio Pós-Doutoral CNPq/Unisinos. Professor PPG-Unijuí. Unioeste e Univel. Advogado OAB-RS.)
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