Por Fábio Piló - 27/04/2017
1 INTRODUÇÃO
O presente texto tem por finalidade demonstrar a inconstitucionalidade do preceito secundário do artigo 16 da lei 10.826/03, especificamente no que toca ao crime de posse de arma de uso restrito, por afronta aos princípios constitucionais da proporcionalidade e da isonomia.
Para tanto, inicialmente, cabe apresentar ao leitor uma breve conceituação acerca da norma penal incriminadora, a qual nada mais representa do que um regramento descritivo de um fato socialmente repugnado (preceito primário), conjugado à penalidade a ser imposta pelo Magistrado àquele que infringir tal normativa (preceito secundário).
Trazido o conceito de norma penal incriminadora, passa à apresentação dos princípios da proporcionalidade, o qual é demonstrado juntamente aos subprincípios da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, bem como o princípio da isonomia, os quais, no capítulo 3, serão confrontados com as normas constantes da lei 10.826/03, também chamada de Estatuto do Desarmamento.
Alicerçado o conteúdo, o Estatuto do Desarmamento é apresentado, do qual são avocados ao debate os tipos penais insculpidos nos artigos 12, 14, 16, 17 e 18, bem como a causa de aumento de pena prevista no artigo 19, todos da lei supra numerada.
As normas chamadas tratam, especificamente, dos crimes de posse de arma de uso permitido, porte de arma de uso permitido, posse e porte de arma de uso restrito, comercialização de armamento de fogo de uso permitido sem autorização e contrabando de armamento de fogo de uso permitido, sendo, por fim, o artigo 19, o qual informa acerca do aumento de metade da pena se os crimes previstos nos artigos 17 e 18 abarcarem armamento de uso restrito.
Informadas as normas acima, em confronto do mencionado artigo 16, especialmente no que toca ao crime de posse, ao qual é cominada a mesma reprimenda do porte de arma de uso restrito, pois que ambas as condutas (possuir e portar) estão alojadas no mesmo preceito primário, mesmo sendo condutas diversas, uma com potencial de dano social maior do que a outra, passa a ser discutida a possibilidade de declaração de inconstitucionalidade da norma.
Assim, será proposta a possibilidade de buscar a declaração de inconstitucionalidade da norma, nos termos apresentados acima, mediante controle difuso de inconstitucionalidade, para que, em tal sendo reconhecida, em caso de cometimento do crime, a sanção penal não seja aplicada, o que deverá ocorrer em razão da ausência de norma anterior que trate do crime de posse de arma de uso restrito, inexistindo, assim, o efeito repristinatório da norma, bem como da proibição de analogia in malam partem, a qual proíbe a aplicação de penalidade de outro fato típico análogo. Em tal hipótese, deverá a norma ser encaminhada ao legislador para que sane o vício declarado.
2 NORMA PENAL INCRIMINADORA
Como é sabido, por imposição do princípio penal que informa não existir crime sem legislação penal anterior ao fato, nullum crimen sine lege, quando o legislador, representando a vontade social, quer impor ou proibir condutas, necessariamente deve se valer de uma norma, uma legislação que trate da matéria. Ao descrever a ação ou omissão proibidas, o legislador criou o que se convencionou chamar por tipos penais.
Nas palavras de Greco (2012, 155), “tipo, como a própria denominação diz, é o modelo, o padrão de conduta que o Estado, por meio de seu único instrumento, a lei, visa impedir que seja praticada ou determinada que seja levada a efeito por todos nós”.
O tipo penal nada mais faz do que descrever condutas, ações ou omissões, as quais devem ser observadas por todos aqueles sujeitos à norma penal incriminadora, e, ainda, traz a previsão de penalidades aplicáveis àquele que transgredir o tipo penal específico vindo a causar lesão a bem jurídico.
Assim, fala-se em uma subdivisão do tipo penal incriminador em preceito primário ou principal (preceptum iuris) e preceito secundário ou sancionador (sanctio iuris), sendo o primeiro responsável por descrever a ação ou omissão repudiados pela sociedade e o segundo por apresentar a penalidade a ser imposta a quem descumprir o mandamento previsto no preceito primário.
Como exemplos, observa-se os artigos 12 e 14 e 16, todos da lei 10.826/03, os quais informam:
Posse irregular de arma de fogo de uso permitido
Art. 12. Possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, no interior de sua residência ou dependência desta, ou, ainda no seu local de trabalho, desde que seja o titular ou o responsável legal do estabelecimento ou empresa: (Preceito primário) (Complemento nosso)
Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. (Preceito secundário) (Complemento nosso)
Porte ilegal de arma de fogo de uso permitido
Art. 14. Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar: (Preceito primário) (Complemento nosso)
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. (Preceito secundário) (Complemento nosso)
Posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito
Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso proibido ou restrito, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar: (Preceito primário) (Complemento nosso)
Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. (Preceito secundário) (Complemento nosso)
Cabe ressaltar que o tipo penal possui diversas classificações, tais como tipo simples e misto, tipo complexo, tipos fechados e abertos, tipos normais e anormais, tipos congruentes e incongruentes, etc, classificações que não serão aprofundadas no presente ensaio tendo em vista o foco ser outro.
3 PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E ISONOMIA
O princípio da proporcionalidade será aqui tratado em seus aspectos amplo e estrito, sendo destacada, quanto ao primeiro, a proibição do excesso e da proteção deficiente. Quanto ao segundo, considerado espécie do primeiro, a ênfase ficará na adequação dos meios utilizados pelo legislador aos fins almejados quando da confecção de leis penais.
Nos moldes em que foi decomposto por Canotilho (2003, p. 269- 271), o princípio da proporcionalidade pressupõe a análise da propriedade da medida para a prossecução do fim a que se propõe [Geeignetheit], do menor “custo” dela para o cidadão [Erforderlichkeit] e aferida a necessidade e a adequação da medida, se o resultado é proporcional à carga coativa dessa [Verhältnismässigkeit].
Com escólio em Canotilho, leciona Sarlet (online) que
o princípio (ou postulado, se assim preferirmos) da proporcionalidade (na sua função precípua como proibição de excesso) desdobra-se em três elementos (no que parece existir elevado grau de consenso, ainda que subsistam controvérsias no tocante a aspectos pontuais), notadamente, a) as exigências (ou subprincípios constitutivos, como propõe Gomes Canotilho) da adequação ou conformidade, no sentido de um controle da viabilidade (isto é, da idoneidade técnica) de alcançar o fim almejado por aquele(s) determinado(s) meio(s), b) da necessidade ou, em outras palavras, a exigência da opção pelo meio restritivo menos gravoso para o direito objeto da restrição, para alguns designada como critério da exigibilidade, tal como prefere Gomes Canotilho), e c) a proporcionalidade em sentido estrito (que exige a manutenção de um equilíbrio (proporção e, portanto, de uma análise comparativa) entre os meios utilizados e os fins colimados, no Revista Direito Ambiental e sociedade, v. 4, n. 1, 2014 (p. 41-64) 47 sentido do que para muitos tem sido também chamado de razoabilidade (ou justa medida, de acordo novamente com a terminologia sugerida por Gomes Canotilho) da medida restritiva), já que mesmo uma medida adequada e necessária poderá ser desproporcional. (2005, p. 136).
Sobre a adequação e a conformidade, traduzem eles a necessidade de que a medida adotada pelo Estado, a qual intervirá no direito fundamental de terceiro, mostre-se hábil aos fins almejados, pretendidos pelo titular do jus puniendi, sempre se levando em conta que tais fins devem ser válidos. Assim, compete ao legislador e àquele que aplica a lei penal fazer uma análise crítica dos fins almejados e dos meios a serem empregados para alcançar o desejado.
No tocante à legitimidade dos fins, não se exige que esteja previsto expressamente no ordenamento; basta, para sua legitimidade, que não seja por ele proibido, explícita ou implicitamente. (PACHECO, 2007, p. 153). Quanto aos meios adotados para se chegar a determinado fim, deve o legislador verificar se a medida adotada tem (ou não) capacidade para contribuir e alcançar o fim imediatamente sonhado.
O legislador e o aplicador da lei correm, no entanto, grande risco em não observar a referida adequação, já que a aplicação de medidas desproporcionais, para que determinado fim seja alcançado, pode surtir um efeito completamente oposto àquele desejado.
Para ilustrar o que foi dito, jornais e revistas, sensacionalistas que são é verdade, não se cansam de noticiar que tal ou qual cidadão saiu da cadeia e voltou a delinquir. Teria sido a pena pedagógica em casos assim? A desproporcionalidade, sob o aspecto da adequação, não teria contribuído para o novo delito?
Quanto à necessidade e com os olhos voltados à preservação dos direitos fundamentais a serem violados pela medida (meio), deve o legislador, ou o aplicador da lei, através do princípio da necessidade, sopesar se aquela medida, seja ela penal ou não, é necessária ao fim pretendido. No que diz respeito ao Direito Penal, contudo, aqui encontra espaço o chamado princípio da intervenção mínima, uma vez que a criminalização de um fato somente se justifica quando constitui meio necessário à proteção de um determinado bem jurídico de envergadura.
Afirma Luisi (2002, p. 39), nesse sentido, que, diante da análise da necessidade, impõe-se um princípio que oriente e limite o poder de criar delitos: o princípio da necessidade, ou da intervenção mínima, que preconiza que a legitimidade da criminalização de um fato somente estará justificada se ela for realmente necessária à proteção de um determinado bem jurídico, uma vez que, se outras formas de sanção se revelarem suficientes para a tutela desse bem, a criminalização será incorreta.
Outrossim, o espaço aqui é próprio para o princípio da lesividade, eis que o Direito Penal, por seu caráter menos indulgente quanto à responsabilidade, não pode permitir que sejam tipificadas condutas que não representem uma efetiva lesão ao bem jurídico. Nesse sentido, por entender que a lesividade deve ser observada não apenas pelo legislador, mas também pelo juiz diante da análise do caso concreto, adverte Palazzo que, enquanto dotado de natureza constitucional, o princípio
deve impedir o legislador de configurar tipos penais que já hajam sido construídos, in abstracto, como fatores indiferentes e preexistentes à norma. Do ponto de vista, pois, do valor e dos interesses sociais, já foram consagrados como inofensivos. Em nível jurisdicional-aplicativo, a integral atuação do princípio da lesividade deve comportar, para o juiz, o dever de excluir a subsistência do crime quando o fato, no mais, em tudo se apresenta na conformidade do tipo, mas, ainda assim, concretamente é inofensivo ao bem jurídico específico tutelado pela norma. (1989, p. 80).
Assim, cabe ao legislador, quando da elaboração de texto legal, sopesar se a conduta em questão deve, ou não, ser encaixada no rol dos fatos abarcados pelo Direito Penal. Esse deve, afinal, tratar apenas de fatos concretos, de lesões específicas e graves, e não de meras ilações, eis que se fala de um ramo do Direito de extrema complexidade, idôneo, a gerar graves e sérias consequências ao apenado. Afinal, segundo D’AVILA (2009, p. 52),
o modelo de crime como ofensa a bens jurídicos não se restringe a uma compreensão político-ideológica, o que, se assim fosse, não lhe permitiria aspirar à posição de elemento eficaz de garantia, na conformação e delimitação do direito penal contemporâneo. Consiste, na verdade, em uma exigência material do ilícito que se Revista Direito Ambiental e sociedade, refrata principalmente em âmbito constitucional, e que, a partir de uma tal refração, projeta-se como índice crítico de legitimidade tanto no plano de jure condendo, orientando e limitando a produção legislativa em matéria penal, quanto no plano de jure condito, reivindicando uma interpretação da norma, de acordo com as exigências de ofensividade.
Noutro aspecto, a proporcionalidade revela a necessidade de ponderação entre os benefícios alcançados com o ato e os danos por ele causados, ou seja, devem o Legislativo, o Judiciário ou mesmo o administrador, antes de tomar determinada medida, sopesar se haverá equilíbrio entre os efeitos da medida e o seu fim.
Tratado por Gonzáles-Cuéllar Serrano (2000), nos moldes de Canotilho, como um subprincípio do princípio da proporcionalidade, nasce, dessa ponderação, a chamada proporcionalidade em sentido estrito, que consiste no
terceiro subprincípio do princípio constitucional da proibição de excesso ou proporcionalidade em sentido amplo e se aplica, uma vez aceita a idoneidade e necessidade de uma medida, com o fim de determinar, mediante a utilização das técnicas do contrapeso de bens ou valores e da ponderação de interesses segundo as circunstâncias do caso concreto, se o sacrifício dos interesses individuais que comporta a ingerência guarda uma relação razoável ou proporcional com a importância do interesse estatal que se trata de salvaguardar. Se o sacrifício resulta excessivo, a medida deverá considerar-se inadmissível, embora satisfaça o resto de pressupostos e requisitos derivados do princípio da proporcionalidade. (2000, p. 757).
Acerca do assunto, é imperiosa a consideração de que o Tribunal Constitucional Federal alemão, referência mundial sobre o tema, no exame da proporcionalidade em sentido estrito, ou seja, ao avaliar se fatos e consequências são coerentes entre si, inclui, nos dizeres de Burchard (2013, p. 40), uma variedade de aspectos distintos que vão desde o julgamento abstrato e independente quando verifica se fatos e consequências previstas na lei são proporcionais, até o estabelecimento de uma proporcionalidade concreta em cada caso. Segundo o autor,
o anterior é uma interessante “delegação de competência de concreção”. Desta forma, pode-se estabelecer que a falta de equidade nos casos individuais não conduz à inconstitucionalidade de uma lei abstrata-geral, se a jurisprudência encontra a maneira de resolver o caso particular de forma justa – inclusive mediante instituições processuais (configuração por razões de oportunidade), ou a previsão de uma aplicação praeter legem de preceitos penais atenuantes (v. gr., no caso de assassinato, para o qual está prevista cadeia perpétua obrigatória). (2013, p. 40).
Sobre a conceituação do subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito, Gonzáles-Cuéllar Serrano leciona:
O princípio da proporcionalidade em sentido estrito é o terceiro subprincípio do princípio constitucional da proibição de excesso ou proporcionalidade em sentido amplo e se aplica, uma vez aceita a idoneidade e necessidade de uma medida, com o fim de determinar, mediante a utilização das técnicas do contrapeso de bens ou valores e da ponderação de interesses segundo as circunstâncias do caso concreto, se o sacrifício dos interesses individuais que comporta a ingerência guarda uma relação razoável ou proporcional com a importância do interesse estatal que se trata de salvaguardar. Se o sacrifício resulta excessivo, a medida deverá considerar-se inadmissível, embora satisfaça o resto de pressupostos e requisitos derivados do princípio da proporcionalidade (2000, 763).[1]
O critério de proporcionalidade, cuja essência básica é a de fixar limites às constrições aos direitos fundamentais, como sói ser o direito de liberdade, tem sido objeto de amplos estudos pelos juristas contemporâneos. Em verdade, há muito desempenha importante papel no âmbito do direito penal, consagrando o entendimento de que as penas devem ser proporcionais à gravidade dos crimes praticados. O critério de proporcionalidade impõe a obrigação de o Poder Público utilizar meios adequados e interdita o uso de meios excessivos.
Acerca do Princípio da Isonomia, o tratamento igualitário deve preponderar entre situações iguais, sendo o inverso aplicado aos desiguais, ou seja, fatos e situações desiguais devem ser tratados desigualmente. Nesse sentido, Alexandre de Moraes (2004, p. 66) leciona que:
A Constituição Federal de 1988 adotou o princípio da igualdade de direitos, prevendo a igualdade de aptidão, uma igualdade de possibilidades virtuais, ou seja, todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela lei, em consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico. Dessa forma, o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois, o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência do próprio conceito de Justiça, pois o que realmente protege são certas finalidades, somente se tendo por lesado o princípio constitucional quando o elemento discriminador não se encontra a serviço de uma finalidade acolhida pelo direito.
Assim exposto, o princípio da isonomia se apresenta como legitimador da necessidade de tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais, não havendo que se permitir em discriminações, não só em relação às pessoas, mas, também, entre as normas.
4 A LEI 10.826/03, SUAS INOVAÇÕES E CONTRADIÇÕES
A lei 10.826, publicada no Diário Oficial da União do dia 23 de dezembro de 2003, dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional Armas – Sinarm, define crimes e dá outras providências.
Cabe ressaltar que o artigo 35 do Estatuto do Desarmamento foi rejeitado em um referendo no ano de 2005, sendo que tal artigo proibia a comercialização de arma de fogo e munição em todo o território nacional. Assim, nos termos do artigo 6º da lei, poderão portar arma de fogo os responsáveis pela garantia da segurança pública, integrantes das Forças Armadas, policiais civis, militares, federais e rodoviários federais, agentes de inteligência, agentes e guardas prisionais, auditores fiscais e os agentes de segurança privada quando em serviço. Já os civis, mediante ou não a concessão do porte de arma de fogo, só podem comprar agora os maiores de 25 anos que cumpram os requisitos legais previstos no artigo 4º da lei em comento[2].
Observa-se que se trata de uma lei limitativa, restritiva de ações, que trouxe a previsão de crimes para aqueles possuírem ou portarem armamento de fogo sem o prévio preenchimento dos requisitos inseridos na lei.
Cabe aqui diferenciar algumas condutas previstas na lei, a saber a posse e o porte de arma, bem como a comercialização e o tráfico de tal, armamento restrito e permitido.
Segundo o site do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (2015), o crime de posse irregular de arma de fogo, previsto no artigo 12 do referido estatuto, consiste em manter no interior de residência (ou dependência desta) ou no local de trabalho a arma de fogo. Por sua vez, o crime de porte ilegal esta previsto no artigo 14, e pressupõe que a arma de fogo esteja circulando ou esteja fora da residência ou do local de trabalho, o mesmo ocorrendo em relação a arma de uso restrita, que possuirá penas diversas em razão da maior gravidade do fato, nos termos do artigo 16.
Assim, aquele que não possui autorização para portar ou ter a posse de armamento, de uso restrito ou permitido, responde pelos crimes de posse de arma de uso permitido (art.12), porte de arma de uso permitido (art.14) e posse e porte de arma de uso restrito (art.16), com penas que variam de 1 a 6 anos e multa, a depender da gravidade do crime.
Outros crimes apresentados pela lei 10.826/03 referem-se ao comércio ilegal e ao tráfico internacional de armamento de fogo, que vêm insculpidos nos artigos 17 e 18[3], ambos com pena aumentada da metade se o armamento de fogo for de uso restrito, nos termos do artigo 19[4].
4.1 A incongruência entre o preceito secundário do crime de posse e porte de arma de uso restrito
Como informado anteriormente, os crimes de posse de arma de uso permitido e aquele que trata da posse de arma de uso restrito vieram previstos nos artigos 12 e 16, respectivamente, sendo que o último também prevê o crime para o porte de arma de uso restrito, enquanto o crime de porte de arma de uso permitido vem previsto no artigo 14, todos da lei 10.826/03.
Ao analisar o preceito secundário das normas, o fazendo em conjunto com os artigos 17, 18 e 19, que tratam da venda irregular de armamento, do tráfico desse e do aumento de metade da pena em caso de armamento de uso restrito, respectivamente, observa-se que o legislador, ao fixar as mesmas penas em abstrato aos crimes de posse e porte de arma de uso restrito não agiu com o mesmo nivelamento que o fez em relação aos demais crimes supra citados.
Como se observa pela leitura do preceito secundário dos tipos penais, no caso de alguém possuir em sua residência ou trabalho armamento de uso permitido sem autorização, o artigo 12 prevê penalização que varia detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa, ao passo que se o armamento apreendido na mesma residência ou trabalho for de uso restrito tal penalização passa a ser de reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa, enquanto se a mesma pessoa estiver andando pelas ruas portando armamento de uso permitido a sua penalização será de reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa, ao passo que se tal armamento for de uso restrito a pena será de reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa, a mesma pena cominada a quem apenas mantêm tal armamento em casa ou no trabalho.
Ainda, para reafirmar que agiu com desatenção o legislador ordinário, os artigos 17 e 18, quando tratarem de armamento de uso permitido, possuem a mesma reprimenda, qual seja reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa, ao passo que se o armamento comercializado ou traficado for de uso restrito a penalização passa a ser aumentada de ½ (metade).
Nesse caso, agiu com zelo e coerência o legislador ao fixar penas mais graves quando o armamento for de uso restrito, eis que tal é de acesso exclusivo das forças armadas e possui um maior poder de fogo, bem como sabidamente, o risco ao bem jurídico incolumidade pública da arma de fogo de uso permitido é maior do que o daquele armamento de uso restrito, raciocínio idêntico quando da análise de ser o risco social de se portar uma arma ser maior do que aquele apresentado no caso da guarda de armamento no alto do armário (posse de arma).
Logo, ao contrariar a própria linha de raciocínio utilizada nos crimes diversos já citados, determinando penas idênticas para aquele que possui ou porta armamento de fogo de uso restrito, acaba o legislador por afrontar os primados constitucionais da proporcionalidade em sentido estrito e da isonomia, ao passo que traz pena demasiadamente elevada ao crime de posse de arma de uso restrito e trata de maneira igual situações fáticas completamente desiguais.
5 DA POSSIBILIDADE JURÍDICA DE DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE VIA CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE
O que se pretende com a elaboração presente artigo é demonstrar a incongruência entre a norma infraconstitucional e os primados constitucionais da proporcionalidade e da isonomia, especificamente a inconstitucionalidade do preceito secundário do artigo 16 da lei 10.826/03, no que toca ao crime de posse de arma de uso restrito.
Para tanto, a via eleita foi o controle difuso de constitucionalidade, a qual é mais acessível aos operadores do direito tendo em vista que tal modalidade se desenrola em processo inter parts, ou seja, em demanda onde o objeto principal não é a análise de inconstitucionalidade, ao contrário do que ocorre em controle concentrado.
O controle difuso, por suas especificidades, é, pois, importante ferramenta de proteção de direitos subjetivos consagrados pela Constituição, em razão de poder provocar o judiciário para ver analisada (dentro dos autos da demanda principal) a questão constitucional.
Em sede de controle difuso, sendo proposta a inconstitucionalidade de determinada norma ou parte dela, em havendo entendimento pela plausibilidade da demanda, o órgão fracionário, nos termos do artigo 97 da CRFB/88, deverá remeter a demanda ao órgão colegiado do tribunal. Nesse sentido, Pavan (2008, p.168):
Em atenção ao procedimento previsto no art.97 da CF, o órgão Fracionário do Tribunal remete a prejudicial de inconstitucionalidade, surgida em processo inter parts, para apreciação do órgão plenário ou especial, que analisará somente o incidente de inconstitucionalidade, também chamado de argüição de inconstitucionalidade. Após esse julgamento, o processo retorna ao órgão fracionário que deve aplicar a decisão do Plenário ou do Órgão Especial, relativa à prejudicial – questão de constitucionalidade – e complementar o julgamento.
A título de ilustração, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de Minas Gerais já declarou, em sede de controle difuso, a inconstitucionalidade do preceito secundário dos artigos 272 e 273 do Código Penal Brasileiro:
"Incidente de Inconstitucionalidade. Lei Federal nº 9.677/98 (""Lei dos Remédios""). Alteração dos arts. 272 e 273 do Código Penal. Violação do princípio da individualização da pena. A Constituição consagra a garantia da individualização da pena com a finalidade de obrigar a aplicação da isonomia no Direito Penal. A individualização é concernente à atividade legislativa para evitar que atos criminosos bem distantes em poder ofensivo recebam penalidades iguais. Em caso de declaração de inconstitucionalidade, 'incidenter tantum', aplica-se a legislação revogada, tendo-se em consideração que a lei inconstitucional não produz efeitos jurídicos. Incidente de inconstitucionalidade acolhido para declarar inconstitucionais os arts. 272 e 273 do Código Penal, na redação dada pela Lei Federal nº 9.677, de 1998." (TJMG, Rel. Des. Almeida Melo, Órgão Especial, Arguição de Inconstitucionalidade nº 1.0480.06.084500-9/002, j.10/10/2012, p.07/02/2013).
Ainda, em caso idêntico ao tratado no presente texto, demanda judicial que teve origem em recurso de Apelação distribuído pelo signatário do presente articulado, o relator da Apelação Criminal, distribuída sob o nº1.0024.13.234497-9/001, em voto vencido, se manifestou no sentido de reconhecer a plausibilidade da demanda de inconstitucionalidade e submeter ao Órgão Especial do TJMG aquela questão:
PRELIMINAR – ARGUIÇÃO DE INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE – MATÉRIA A SER SUBMETIDA AO ÓRGÃO ESPECIAL. Tendo o recorrente arguido a inconstitucionalidade art. 16 da Lei 10.826/03, deve a matéria ser levada a julgamento pelo Órgão Especial desse Egrégio Tribunal de Justiça conforme competência legal estampada no art. 97 da Constituição Federal de 1988[5].
Em sendo reconhecida a tese de inconstitucionalidade arvorada perante o Tribunal de Justiça local, este declarará a inconstitucionalidade da norma e aplicará, consequentemente, a norma anterior, revogada por aquele que fora declarada em desconformidade com o texto maior.
Lado outro, em não sendo reconhecida a tese, cabe ao demandante, nos termos do artigo 102,III[6] da Constituição, discutir a questão perante o Supremo Tribunal Federal, o que se dá através da confecção do Recurso Extraordinário, o qual, após a dupla recepção (TJ e STF), analisará acerca da inconstitucionalidade da norma ou parte dela, através da composição pena do tribunal constitucional brasileiro, STF.
Ponto favorável de se discutir a demanda em sede de Recurso Extraordinário se dá na possibilidade de trazer maior segurança jurídica ao jurisdicionado, evitando que cada Tribunal decida de uma maneira e que a inconstitucionalidade, seja estendida a todo o território nacional, Pavan (2008, p.453) leciona no sentido de que a
solução encontrada, por nosso ordenamento, para superar esse estado de incerteza decorrente da circunstância de determinado jurisdicionado não poder prever que sua causa será analisada nos exatos termos em que firmado em precedente análogo a seu caso, foi aquela hoje encartada no art.52, X, da CF, de conferir ao Poder Executivo a faculdade de, diante do reconhecimento, pelo Plenário do STF, em sede de controle difuso de constitucionalidade, da incompatibilidade de uma norma com a Constituição, expedir resolução, subtraindo dela toda e qualquer executoriedade.
Essa fórmula assegura a separação de poderes, uma vez que cabe ao Poder Legislativo, em face do reconhecimento jurisdicional da inconstitucionalidade de determinada lei, em um processo inter parts, suspender a execução, no todo ou em parte, dessa lei e, também, preserva a independência dos magistrados, que restam livres para interpretar e aplicar as leis vigentes.
Sobre o efeito da decisão exarada pelo Supremo Tribunal Federal, Lênio Streck (2008), leciona no sentido de possuir a decisão exarada efeito inter parts e ex tunc.
Assim, na hipótese de o Supremo Tribunal declarar a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo em sede de recurso extraordinário, remeterá a matéria ao Senado da República, para que este suspenda a execução da referida lei (art. 52, X, da CF). Caso o Senado da República efetive a suspensão da execução da lei ou do ato normativo declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, agregará aos efeitos anteriores a eficácia erga omnes e ex nunc”. (...) Suspender a execução da lei não pode significar retirar a eficácia da lei. Caso contrário, não haveria diferença, em nosso sistema, entre o controle concentrado e o controle difuso. Suspender a vigência ou a execução da lei é como revogar a lei. Pode-se agregar ainda outro argumento: a suspensão da lei somente pode gerar efeitos ex nunc, pela simples razão de que a lei está suspensa (revogada), à espera da retirada de sua eficácia. Daí a diferença entre suspensão/revogação e retirada da eficácia. Sem eficácia, a lei fica nula; sendo nula a lei, é como se nunca estivesse existido”.(...)“Dito de outro modo, quando se revoga uma lei, seus efeitos permanecem; quando se a nulifica, é esta írrita, nenhuma”
Assim explanado, resta demonstrada a possibilidade jurídica do de se ver declarada a norma inconstitucional, em sede de controle difuso de constitucionalidade, seja por parte do Tribunal de Justiça dos Estados Membros, seja pelo Supremo Tribunal Federal, pela via do Recurso Extraordinário.
CONCLUSÃO
O presente trabalho, após explanar acerca da conceituação de norma penal incriminadora, a qual é composta pelo preceito primário e por aquele chamado secundário, apresentou os princípios da proporcionalidade e da isonomia, o que se fez necessário para alicerçar a teoria de inconstitucionalidade apresentada.
Assim, aqui, a finalidade principal foi demonstrar a congruência da tese de inconstitucionalidade do preceito secundário do artigo 16 da lei 10.826/03, especificamente no que toca ao crime de posse de arma de uso restrito, por afronta aos princípios constitucionais da proporcionalidade e da isonomia.
Para tanto, necessário se fez um breve estudo do Estatuto do Desarmamento, do qual são trazidos ao debate os tipos penais insculpidos nos artigos 12, 14, 16, 17 e 18, bem como a causa de aumento de pena prevista no artigo 19, todos da lei supra numerada.
As normas avocadas tratam, especificamente, dos crimes de posse de arma de uso permitido, porte de arma de uso permitido, posse e porte de arma de uso restrito, comercialização de armamento de fogo de uso permitido sem autorização e contrabando de armamento de fogo de uso permitido, sendo, por fim, o artigo 19, que trata do aumento de metade da pena se os crimes previstos nos artigos 17 e 18 abarcarem armamento de uso restrito.
Informados as normas acima, em confronto do mencionado artigo 16, especialmente no que toca ao crime de posse, ao qual é cominada a mesma reprimenda do porte de arma de uso restrito, eis que ambas as condutas (possuir e portar) estão alojadas no mesmo preceito primário, mesmo representando condutas diversas, uma com potencial de dano social maior do que a outra, se observa que o legislador não agiu com a mesma linha de raciocínio com que o fez quando da cominação das penas previstas aos demais crimes apresentados, os tendo feito com distinção em relação àqueles praticados com armamento de uso permitido daqueles de uso restrito, tudo em razão de representar o armamento de uso restrito um dano potencial maior à sociedade, eis que se trata de armamento de calibre restrito, capaz de gerar um dano maior, caso seja utilizado em desfavor de alguém ou de algo.
Nesse diapasão, os princípios da proporcionalidade, especificamente no que tange ao seu subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito, bem como o princípio da isonomia se vêem vilipendiados pela norma objeto de combate, o que é constatado pela análise detalhada dos fatos apresentados no parágrafo anterior, que mostrou a clara contradição de raciocínio por parte do legislador ordinário.
Assim, apresenta como solução que se busque a declaração de inconstitucionalidade da norma, nos termos apresentados acima, mediante controle difuso de inconstitucionalidade, para que, havendo o seu reconhecimento, em sendo cometido o crime, a sanção penal não seja aplicada, o que deverá ocorrer em razão da ausência de norma anterior que trate do crime de posse de arma de uso restrito, inexistindo, assim, o efeito repristinatório da norma, bem como da proibição de analogia in malam partem, a qual proíbe a aplicação de penalidade de outro fato típico análogo. Em tal hipótese, deverá a norma ser encaminhada ao legislador para que sane o vício declarado.
Assim sendo, clara se mostra a inconstitucionalidade do preceito secundário do artigo 16 da lei 10.826/03, especificamente quando de sua aplicação ao primeiro verbo típico inserido no preceito primário (possuir), eis que patente a violação aos primados da proporcionalidade, e seu subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito, bem como a isonomia constitucional.
Notas e Referências:
[1] GONZALES, Cuellar Serrano. O Princípio da Proporcionalidade e os Direitos Fundamentais no Processo Penal, Madri: Colex. 2000, p. 757 e 759.
[2] Art. 4º Para adquirir arma de fogo de uso permitido o interessado deverá, além de declarar a efetiva necessidade, atender aos seguintes requisitos:
I – comprovação de idoneidade, com a apresentação de certidões de antecedentes criminais fornecidas pela Justiça Federal, Estadual, Militar e Eleitoral e de não estar respondendo a inquérito policial ou a processo criminal;
II – apresentação de documento comprobatório de ocupação lícita e de residência certa;
III – comprovação de capacidade técnica e de aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo, atestadas na forma disposta no regulamento desta Lei.
[3] Comércio ilegal de arma de fogo
Art. 17. Adquirir, alugar, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, adulterar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.
Parágrafo único. Equipara-se à atividade comercial ou industrial, para efeito deste artigo, qualquer forma de prestação de serviços, fabricação ou comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercido em residência.
Tráfico internacional de arma de fogo
Art. 18. Importar, exportar, favorecer a entrada ou saída do território nacional, a qualquer título, de arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização da autoridade competente:
Pena – reclusão de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.
[4] Art. 19. Nos crimes previstos nos arts. 17 e 18, a pena é aumentada da metade se a arma de fogo, acessório ou munição forem de uso proibido ou restrito.
[5] Des. Paulo Cézar Dias (RELATOR)
V O T O
Da arguição de inconstitucionalidade
Inicialmente, em sede de juízo de preliberação aprecio a arguição de inconstitucionalidade do preceito secundário contido no art. 16 da Lei 10.826/03, alegada pelo recorrente Eric Luiz Fernandes da Silva.
Extrai-se das razões de inconformismo, que o pedido de declaração de inconstitucionalidade da norma supracitada possui fundamento no Princípio da Isonomia e no Princípio da Proporcionalidade em sentido estrito, vez que, segundo o recorrente, o legislador pátrio, quando da elaboração do art. 16 da Lei 10.826/03, não cuidou de separar os tipos penais como houvera feito nos artigos 12 e 14 do mesmo diploma legal. Fixando, ainda, penas mais gravosas para delitos de mesma natureza.
Ao tratar da posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito a Lei 10.826/03 em seu art. 16 estabelece que:
“Posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito
Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso proibido ou restrito, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.
Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem:
I – suprimir ou alterar marca, numeração ou qualquer sinal de identificação de arma de fogo ou artefato;
II – modificar as características de arma de fogo, de forma a torná-la equivalente a arma de fogo de uso proibido ou restrito ou para fins de dificultar ou de qualquer modo induzir a erro autoridade policial, perito ou juiz;
III – possuir, detiver, fabricar ou empregar artefato explosivo ou incendiário, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar;
IV – portar, possuir, adquirir, transportar ou fornecer arma de fogo com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado;
V – vender, entregar ou fornecer, ainda que gratuitamente, arma de fogo, acessório, munição ou explosivo a criança ou adolescente; e
VI – produzir, recarregar ou reciclar, sem autorização legal, ou adulterar, de qualquer forma, munição ou explosivo.
Conforme se depreende, a Lei 10.826/03, realmente, ao tratar do armamento de uso restrito, cuidou de todas as condutas em um mesmo artigo, prevendo pena idêntica para a conduta de portar ou possuir tais armas.
Acerca do Princípio da Isonomia, Alexandre de Moraes (2004, p. 66) leciona que:
“A Constituição Federal de 1988 adotou o princípio da igualdade de direitos, prevendo a igualdade de aptidão, uma igualdade de possibilidades virtuais, ou seja, todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela lei, em consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico. Dessa forma, o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois, o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência do próprio conceito de Justiça, pois o que realmente protege são certas finalidades, somente se tendo por lesado o princípio constitucional quando o elemento discriminador não se encontra a serviço de uma finalidade acolhida pelo direito”.
Já no que tange ao Princípio da Proporcionalidade, assevera Renato Brasileiro de Lima (2015, p. 87) que:
Em sede processual penal, o Poder Público não pode agir imoderadamente, pois a atividade estatal acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade. Daí a importância do princípio da proporcionalidade, que se qualifica, enquanto coeficiente de aferição da razoabilidade dos atos estatais, como postulado básico de contenção dos excessos do Poder Público. Essa é a razão pela qual a doutrina, após destacar a ampla incidência desse postulado sobre os múltiplos aspectos em que se desenvolve a atuação do Estado - inclusive sobre a atividade estatal de produção normativa - adverte que o princípio da proporcionalidade, essencial à racionalidade do Estado Democrático de Direito e imprescindível à tutela mesma das liberdades fundamentais, proíbe o excesso e veda o arbítrio do Poder, extraindo a sua justificação dogmática de diversas cláusulas constitucionais, notadamente daquela que veicula, em sua dimensão substantiva ou material, a garantia do due process of law.
No caso dos autos, em sede de juízo de mera admissibilidade, penso que a alegação merece ser acolhida uma vez que, aparentemente, ocorreu ofensa aos citados princípios, frente a disparidade das penas impostas, pois o Legislador no art. 16 da Lei 10.826/03 não fez distinção entre a posse e o porte de arma de uso restrito como fez nos art. 12 e art.14 referentes às armas de uso permitido, prevendo para ambas as condutas a mesma pena.
Ressalto que a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público somente poderá ser feita pela maioria absoluta dos membros do Tribunal ou de seu órgão especial.
Assim sendo, em obediência ao princípio da Cláusula de Reserva de Plenário descrita no art. 97 da CF/88, arguo o incidente de inconstitucionalidade do preceito secundário contido no art. 16 da Lei 10.826/03, submetendo a matéria ao Órgão Especial deste Egrégio Tribunal de Justiça.
Ante o exposto e com tais considerações, SUSCITO, perante o colendo Órgão Especial, o incidente de inconstitucionalidade do preceito secundário contido no art. 16 da Lei 10.826/03.
[6] Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
(...)
III – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:
a) contrariar dispositivo desta Constituição;
b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;
c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição;
d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.
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. Fábio Piló é Advogado criminalista, professor universitário, especialista e mestre em direito, presidente da Comissão Estadual de Assuntos Carcerários da OAB/MG e presidente do Conselho da Comunidade de Belo Horizonte/MG e vice-presidente do Programa Direito na Escola – OAB/MG. .
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