Corrupção: “Você sabe com quem está falando?”

05/02/2017

Por Affonso Ghizzo Neto – 05/02/2017

A corrupção nacional, como fenômeno cultural e visivelmente presente no cotidiano dos brasileiros, mereceu também, por parte do pesquisador Roberto DaMatta, uma abordagem científica, de onde se destaca uma significativa abordagem que merece nossa análise e considerações, o que pode ajudar a evidenciar a certeza do posicionamento no sentido da institucionalização da corrupção nacional.

Vale, portanto, uma rápida abordagem específica sobre a expressão “Você sabe com quem está falando?”, consagrada pelo antropólogo Roberto DaMatta[1], como representação maior do caráter hierárquico dos cidadãos brasileiros, em sentido oposto ao princípio da igualdade e frontalmente inverso ao efetivo exercício da democracia e à preservação das garantias fundamentais, ou, como assevera DaMatta: “(...) avesso à crítica honesta, ao estudo sério e à impessoalidade das regras universais sempre distorcidas em nome de uma relação pessoal importante.[2]

O brasileiro, com sua cultura patrimonial, elitista, hierárquica e pessoal, adotou o uso da expressão “Você sabe com quem está falando?” no seu cotidiano, indicando a aceitação social de um comando universalmente estabelecido, não se cuidando de uma simples mania ou de um modismo circunstancial.[3]

Conforme a necessidade e as circunstâncias, com hipóteses variáveis, a expressão é utilizada em determinadas situações em que o indivíduo procura um resguardo através da sua “importante posição social”. É o que DaMatta chama de “consciência de posição social”. Aléxis de Tocqueville, lembrado pelo autor, afirma que: “Nas comunidades aristocráticas, onde um pequeno número de pessoas dirige tudo, o convívio social entre os homens obedece a regras convencionais estabelecidas. Todos conhecem ou pensam conhecer exatamente as marcas de respeito ou atenção que devem demonstrar, e presume-se que ninguém ignore a ciência da etiqueta.[4]

Segundo DaMatta, algumas pessoas de determinados seguimentos sociais que estariam incapacitadas teoricamente de fazer uso da expressão – pertencentes a grupos inferiorizados, dominados e/ou sem poder – acabam utilizando essa espécie de identificação social vertical mediatizando a utilização da expressão, mesmo na condição subalterna. O sujeito inferiorizado se projeta na posição social de seu superior para exercer o domínio sobre terceiro, com ele identificado na condição de inferioridade. É o caso hipotético do motorista de um Senador da República, que ao ser detido numa blitz, assevera: “Você sabe com quem está falando? Eu sou o motorista do Senador!”. Como se percebe, a utilização autoritária da expressão em questão, a exemplo de tantos outros procederes culturais de características patrimoniais, está verdadeiramente institucionalizada. Como observa o autor: “O poder de tais usos e a nossa familiaridade com essa forma de identificação social revelam seu impacto e a sua frequência no cenário brasileiro.[5]

Enfim, o que é importante aqui registrar – e aí está a relevância da análise da expressão “Você sabe com quem está falando?” para o nosso trabalho – é que em sociedades como a brasileira, de caráter patrimonial, hierárquico, autoritário e avesso à impessoalidade, apresentam- se as condições perfeitas à reprodução de um ciclo vicioso e persistente, legitimado por todos os atores da cena: dominantes e dominados, rei e súditos.


Notas e Referências:

[1] MATTA, Roberto da. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. 6 ª ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.

[2] ___. IDEM. p. 201-202.

[3] ___. IDEM. p. 187.

[4] ___. IDEM. p. 188. in (1969: 257-58).

[5] ___. IDEM. p. 190.


affonso-ghizzo-neto. . Affonso Ghizzo Neto é Promotor de Justiça. Doutorando pela USAL. Mestre pela UFSC. Idealizador do Projeto “O que você tem a ver com a corrupção?”. aghizzo@gmail.com / aghizzo@usal.es. .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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