Contrato de Shopping Center: honorários advocatícios convencionais, a transferência da responsabilidade ao Lojista/Locatário e a prevalência do princípio da autonomia privada

05/05/2022

O tema aqui proposto converge com outros temas trabalhados nesta mesma coluna de direito empresarial do Empório do Direito, em que tratamos do contrato de shopping center e suas características fundamentais, cujas referências estão apontadas ao final[i]

Em que pese o contrato de shopping seguir determinado padrão de mercado, segundo variações do segmento, não significa ser ele de adesão (com ressalvas aos instrumentos complementares, do tipo, regimento interno), e que sua força seja então diminuída para o efeito da revisão do seu conteúdo.

Trata-se de um contrato interempresarial, tendo de um lado o empreendedor (Locador) e de outro o lojista (Locatário), de natureza mista, com elementos típicos da locação comercial tradicional e outros atípicos derivados da liberdade maior de contratar, regido pelo artigo 54 da Lei 8.245/1991 ao estabelecer: “nas relações entre lojistas e empreendedores de shopping center, prevalecerão as condições livremente pactuadas nos contratos de locação respectivos e as disposições procedimentais previstas nesta lei”.

Diante das características e da prevalência do princípio da autonomia privada dos contratos de natureza empresarial (entendido como aquele em que as partes assumem obrigações simétricas/paritárias), cabe avaliar a cláusula que transfere ao lojista/locatário a obrigação de pagar os honorários advocatícios contratuais/convencionais.

Lembre-se que os honorários contratuais não se confundem com aqueles decorrentes da sucumbência, sendo estes atribuídos pelo juiz em razão da condenação em ação judicial. Os honorários convencionais são aqueles regulados entre o advogado e o cliente para dar atendimento a determinada demanda. Seria possível transferir essa conta para o devedor, ou seja, para quem deu causa a demanda?

Sabe-se que é possível o ressarcimento por danos processuais (aí incluídos os honorários), bem como por prejuízos decorrentes da execução da tutela de urgência ao final frustrada (CPC, art. 302).

Por analogia, o raciocínio aqui não é diferente, pois a regulação sobre a transferência dessa obrigação (honorários contratuais invertidos) decorre do inadimplemento. Por que, então, não estabelecer prévia e contratualmente o percentual de honorários cobertos em razão da inadimplência? Não se defende a fixação aleatória e a valores vultuosos, mas em percentual sobre os valores inadimplidos, situação que não contrastará com a realidade do pacto, sendo coerente o percentual de 20%, até Observe-se o foco: “transferência motivada de uma obrigação”.

É lícito às partes regular sobre a transferência motivada de uma obrigação, tendo como causa o inadimplemento. Na prática, os contratos de shopping tratam dessa obrigação ou da transferência dela ao lojista no tópico “consequências do inadimplemento”.

Dentre as consequências do inadimplemento pecuniário, no que diz respeito as seguintes contraprestações: aluguel mínimo, aluguel variável/percentual, 13º aluguel, encargos da locação e fundo promocional, invariavelmente se estabelece: a) correção monetária pelo IGP-DI ou pela média do IGP/INPC; b) juros de mora de 1% ao mês; c) multa moratória de 10%; d) honorários advocatícios de 20% sobre o valor total inadimplido, caso seja necessária a intervenção de advogado para mediar, conciliar ou judicializar.

Deste modo, se não houver o inadimplemento não haverá transferência de obrigação alguma. O pagamento, pelo lojista, dos honorários contratuais devidos pelo empreendedor ao advogado depende de duas condições: inadimplemento e a intervenção de advogado.  

No REsp sob nº 1910582/PR[ii], de Relatoria da Ministra Nancy Andrighi a 3ª Turma do STJ decidiu pela licitude da cláusula pautada na lógica dos contratos empresariais e do princípio da autonomia privada. Confira-se a ementa:

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. LOCAÇÃO DE ESPAÇO EM SHOPPING CENTER. EXECUÇÃO. HONORÁRIOS CONTRATUAIS. REPASSE AO LOCATÁRIO. CLÁUSULA CONTRATUAL. POSSIBILIDADE.

1- Recurso especial interposto em 5/7/2020 e concluso ao gabinete em 18/5/2021.

2- O propósito recursal consiste em dizer se: a) estaria caracterizada negativa de prestação jurisdicional; e b) é lícito, por meio de cláusula contratual inserta em contrato de locação de espaço em shopping center, o repasse ao locatário do dever de arcar com os honorários advocatícios convencionais.

(...)

4- Nos contratos empresariais deve ser conferido especial prestígio aos princípios da liberdade contratual e do pacta sunt servanda, reconhecendo-se neles verdadeira presunção de simetria e paridade entre os contraentes, sendo imprescindível observar e respeitar a alocação de riscos definida pelas partes.

5- Na hipótese dos autos, infere-se do exame da cláusula em apreço - transcrita no acórdão recorrido - que a fixação do valor dos honorários contratuais não ficou sequer ao arbítrio do locador, porquanto o montante foi fixado em porcentagem sobre o valor total da dívida.

6- Desse modo, tendo em vista que os honorários advocatícios contratuais não se confundem com os honorários sucumbenciais e que o contrato de locação de espaço em shopping center representa verdadeiro contrato empresarial celebrado entre agentes econômicos que se presumem ativos e probos, inexistindo, na hipótese dos autos, elementos que justifiquem a intromissão do Poder Judiciário no negócio firmado, deve ser considerada válida e eficaz a cláusula contratual em apreço, que transfere custos do locador ao locatário, impondo a este o dever de arcar com os honorários contratuais previamente estipulados.

7- Recurso especial provido.

(REsp 1910582/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/08/2021, DJe 20/08/2021).

A pertinência da regulação contratual referida e, portanto, da validade da cláusula, também possui uma lógica financeira. Explica-se: se não houver inadimplemento do locatário/lojista, não há necessidade do investimento na contratação de um advogado. Observe-se!  Caso não haja o ressarcimento dos honorários convencionais, o fardo (ônus) recai sobre quem não inadimpliu, no caso o empreendedor (locador), pois parte dos seus recebíveis serão comprometidos (destinados) ao pagamento dos honorários contratados, beneficiando o devedor em desfavor do credor.

Entende-se, assim, que o julgado acima além de pertinente e adequado, possui efeito pedagógico, acarretando externalidades positivas, pois repercute em incentivos ao adimplemento.

 

Notas e Referências

[i] ZOLANDECK, João Carlos Adalberto. A configuração ou não do caráter adesivo ao contrato de shopping center e aos instrumentos complementares: um dissenso em relação a lógica do contrato de consumo. Disponível em: < https://emporiododireito.com.br/leitura/a-configuracao-ou-nao-do-carater-adesivo-ao-contrato-de-shopping-center-e-aos-instrumentos-complementares-um-dissenso-em-relacao-a-logica-do-contrato-de-consumo-por-joao-carlos-adalberto-zolandeck >. Acesso em: 03 de maio de 2022.

ZOLANDECK, João Carlos Adalberto. O contrato de shopping center e suas particularidades. Disponível em: <https://emporiododireito.com.br/leitura/o-contrato-de-shopping-center-e-suas-particularidades-por-joao-carlos-adalberto-zolandeck >. Acesso em: 03 de maio de 2022.

ZOLANDECK, João Carlos Adalberto. Ação renovatória e a proteção do ponto empresarial nas locações empresariais puras e nas complexas (shopping center): pontos convergentes e divergentes. Disponível em:  https://emporiododireito.com.br/leitura/acao-renovatoria-e-a-protecao-do-ponto-empresarial-nas-locacoes-empresariais-puras-e-nas-complexas-shopping-center-pontos-convergentes-e-divergentes-por-joao-carlos-adalberto-zolandeck>. Acesso em: 03 de maio de 2022.

ZOLANDECK, João Carlos Adalberto. Cláusula de raio e cláusula degrau em contratos de shopping center: uma leitura sob o enfoque do princípio da autonomia privada e do direito concorrencial. Disponível em: https://emporiododireito.com.br/leitura/clausula-de-raio-e-clausula-degrau-em-contratos-de-shopping-center-uma-leitura-sob-o-enfoque-do-principio-da-autonomia-privada-e-do-direito-concorrencial-por-joao-carlos-adalberto-zolandeck>. Acesso em: 03 de maio de 2022.

ZOLANDECK, João Carlos Adalberto. As contrapartidas em um negócio de sucesso: o aluguel percentual e o direito de fiscalização, aluguel dobrado, fundo de promoção, encargos de locação e a cessão de direitos nos contratos de shopping center. Disponível em: mporiododireito.com.br/leitura/as-contrapartidas-em-um-negocio-de-sucesso-o-aluguel-percentual-e-o-direito-de-fiscalizacao-aluguel-dobrado-fundo-de-promocao-encargos-de-locacao-e-a-cessao-de-direitos-nos-contratos-de-shopping-center-por-joao-carlos-adalberto-zolandeck>. Acesso em: 03 de maio de 2022.

[ii] REsp 1910582/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/08/2021, DJe 20/08/2021.

 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura