COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL: ARTIGO 28-A, §§ 4º E 5º

02/10/2010

Coluna Isso Posto / Coordenadores Ana Paula Couto e Marco Couto 

Ouça a leitura do artigo aqui.

Seguimos comentando os artigos do Código de Processo Penal, dando continuidade às nossas colunas anteriores elaboradas neste sentido.

Art. 28-A.........................................................................................................................

§4º Para a homologação do acordo de não persecução penal, será realizada audiência na qual o juiz deverá verificar a sua voluntariedade, por meio da oitiva do investigado na presença do seu defensor, e sua legalidade.

§5º Se o juiz considerar inadequadas, insuficientes ou abusivas as condições dispostas no acordo de não persecução penal, devolverá os autos ao Ministério Público para que seja reformulada a proposta de acordo, com concordância do investigado e seu defensor.

O art. 28-A, § 4º, do CPP, trata da homologação do acordo de não persecução penal. O primeiro ponto a ser destacado refere-se ao juízo competente para proferir tal sentença de homologação. O art. 3º-B, XVII, do CPP, dispõe que cabe ao juiz das garantias homologar o acordo de não persecução penal e de colaboração premiada, quando formalizados durante a investigação.

Na nossa ótica, o referido dispositivo deixa clara a possibilidade de o acordo de não persecução penal ser celebrado após o oferecimento da denúncia, tanto que se refere especificamente à hipótese em que o mesmo é celebrado antes do oferecimento da denúncia. É claro que, em regra, o acordo deve ser celebrado na fase de investigação, justamente para evitar o oferecimento da denúncia e a deflagração do processo criminal. Mas nada impede que, de forma excepcional, o acordo seja celebrado após o oferecimento da denúncia.

Então, havendo essas duas possibilidades de celebração do acordo – antes e depois do oferecimento da denúncia –, a competência irá variar. Se o acordo for celebrado na fase de investigação, cabe ao juiz das garantias homologá-lo. De outro lado, se o acordo for celebrado após o oferecimento da denúncia, cabe ao juiz da instrução e do julgamento celebrá-lo.

Não custa lembrar que o art. 3º-B do CPP se encontra com a eficácia suspensa por força de decisão liminar proferida no Supremo Tribunal Federal. Mas o acordo de não persecução penal se encontra aplicável atualmente. Isso significa que, ao menos até o Supremo Tribunal Federal julgar as ações diretas de inconstitucionalidade que geraram a suspensão da eficácia do mencionado dispositivo, o acordo de não persecução penal deve ser homologado pelo juiz natural, o qual tem competência para atuar tanto antes quanto depois do oferecimento da denúncia. Tratamos das referidas ações diretas de inconstitucionalidade em texto próprio[1].

Outra questão importante refere-se à necessidade de realização de uma audiência para a homologação do acordo. O legislador podia ter previsto a necessidade da prolação da sentença de homologação dispensando a realização de uma audiência para tanto. Todavia, a sua realização é fundamental para que o juiz verifique a voluntariedade do investigado, o que não seria possível apenas com a leitura dos termos do acordo. É mesmo importante ver de que forma o investigado se manifesta na audiência, a fim de que não haja dúvida quanto ao fato de o ato ser voluntário. Veja-se que não se exige espontaneidade, mas sim voluntariedade. Em outras palavras, os termos do acordo podem não ter surgido por iniciativa do investigado, bastando que ele adira aos termos propostos pelo Parquet sem ser coagido para tanto. A audiência, segundo o legislador, também serve para aferir a legalidade do acordo. Em verdade, a sua legalidade poderia ser verificada apenas com o exame dos termos do acordo, mesmo que não fosse realizada qualquer audiência. De toda forma, a opção do legislador, ao exigir a realização de uma audiência, destaca a cautela que o juiz deve ter ao examinar os termos do acordo de não persecução penal. Deverão participar da audiência, além do juiz, o membro do Ministério Público, o defensor e o investigado, sendo certo que o ato não se destina à negociação dos termos do acordo, mas sim apenas ao exame da voluntariedade do investigado e da legalidade do acordo, cujos termos já devem ter sido previamente examinados, discutidos e acordados entre os envolvidos.

A problemática maior decorre do art. 28-A, § 5º, do CPP, o qual se refere às hipóteses em que o juiz considera inadequadas, insuficientes ou abusivas as condições. É interessante registrar esse exame deve ser feito pelo juiz antes da designação da audiência prevista no art. 28-A, § 4º, do CPP. Isso significa que o juiz deve receber os termos do acordo e verificar se as condições são inadequadas, insuficientes ou abusivas. Se reputar adequadas, suficientes e não abusivas as condições, cabe ao juiz designar a mencionada audiência para examinar a voluntariedade do investigado e a legalidade do acordo. Veja-se que o exame da adequação, da suficiência e da não abusividade não se refere propriamente à legalidade. Isso porque é possível que os termos pactuados não violem qualquer dispositivo legal e, ainda assim, não se adequem ao caso concreto, podendo ser inadequados, insuficientes ou abusivos.

Sendo assim, no primeiro momento, o juiz examina a adequação, a suficiência e a não abusividade dos termos pactuados. Caso concorde com os referidos termos fazendo tal exame, o juiz deve designar a audiência para verificar a voluntariedade do investigado e a legalidade do acordo. Porém, caso entenda que o acordo é inadequado, insuficiente ou abusivo, o juiz deve devolver os autos ao Ministério Público, a fim de que seja reformulada a proposta de acordo.

Evidentemente, podia o legislador deixar que os envolvidos se entendessem por si mesmos, sem envolver a opinião do juiz quanto à adequação, à suficiência e à não abusividade. Na nossa ótica, seria uma evolução retirar o juiz do acordo nesse sentido, a exemplo do que ocorre em muitos estados norte-americanos, no que se refere à plea bargaining. Se isso ocorresse, bastaria o juiz examinar a voluntariedade do investigado e a legalidade do acordo. Convém destacar que o investigado, necessariamente, é assistido por um advogado ou por um defensor público, ao qual cabe negociar com o Ministério Público. Por isso, não se pode, sem um dado concreto nesse sentido, concluir que o investigado não soube negociar o acordo.

Mas o legislador demonstrou certa cautela na adoção de um instituto novo que pode, realmente, alterar de forma significativa a justiça criminal, evitando a deflagração de processos criminais e logrando compor os conflitos de interesses através de acordos. Somos entusiastas do acordo de não persecução penal e torcemos para que o dia a dia forense permita a sua adoção em larga escala. Por isso, torcemos para que, com o passar do tempo, o legislador tenha coragem de limitar ainda mais a atuação do juiz, no sentido de que ele não se intrometa nos termos do acordo, fazendo tão somente o exame da voluntariedade do investigado e da legalidade dos termos acordados pelos envolvidos.

De toda forma, considerando a lei processual existente neste momento, é preciso lembrar que a nova proposta de acordo, reformulada por força de determinação judicial, também deve ser submetida ao investigado e ao seu defensor, a fim de que, se for o caso, havendo nova concordância dos envolvidos, a mesma seja novamente examinada pelo juiz.

 

Notas e Referências

[1] COUTO, Ana Paula; COUTO, Marco. O pacote anticrime: as liminares dos Ministros Toffoli e Fux. Disponível em: https://emporiododireito.com.br/leitura/o-pacote-anticrime-as-liminares-dos-ministros-toffoli-e-fux. Acesso em: 02 set. 2020.

 

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