Breve esboço psicanalítico do pensamento extremista

29/08/2017

Por Paulo Incott – 29/08/2017

Aportes de psicologia são fundamentais para qualquer estudo em ciências sociais. Sociologia e direito precisam se alimentar de seus ensinos.

Os achados da psicologia acerca do pensamento extremista garantem-nos uma compreensão mais abrangente de muitos discursos contemporâneos de ódio e segregacionismo. Há muito a ser pesquisado e discutido. Aqui apenas se esboçam alguns pontos fundamentais.

Análises clínicas permitem discernir em muitos dos que manifestam uma posição acirrada, apaixonada, entusiasticamente internalizada a favor de ideologias ou sistemas de pensamento, seja no campo religioso, social ou político, o retrato de uma enorme insegurança pessoal, muitas vezes centrada justamente nos temas sobre os quais o indivíduo se manifesta mais enfaticamente. Isso funciona como mecanismo de defesa: a pessoa se aferra a uma posição, uma opinião, uma ideia, uma “corrente de pensamento”, um “lado da discussão”, de forma sentimental, criando com aquela ideologia uma ligação quase mística, na tentativa de fazer frente às suas próprias angústias quanto ao fato de não encontrar respostas definitivas, seguras e concretas sobre problemas viscerais, quer de ordem pessoal, quer de ordem global.

Esta conexão sentimental com determinada crença ou ideia, em geral reduzida a algum maniqueísmo com o propósito de formar identidade (nós x eles), solidifica-se na tentativa de suprir a fragilidade gerada pelo fato de que respostas definitivas, em muitos campos sociais, simplesmente não existem.

O apego com determinadas ideias e sistemas de pensamento também proporciona diversos “ganhos secundários”[1].

Alguns deles: sentimento de grupo – ao se “filiar” a uma corrente de pensamento, uma escola, um “lado” político, automaticamente o indivíduo sente-se parte de algo maior. Passa a encarar como “amigos” pessoas com as quais nunca conviveu, pelo simples motivo de compartilharem, em alguma medida, a mesma visão apaixonada sobre aquele assunto.

Outro ganho secundário tem que ver com a autoimagem – adotar entusiasticamente uma ideologia permite a criação de uma identidade melhor desenhada no aparelho psíquico, criando rótulos e delineando previamente comportamentos, sem a necessidade de constante adaptação. A manifestação dessa identidade é externada com sentimento de orgulho: eu sou “ateu”, eu sou “do partido A, B ou C”, eu sou “marxista”, eu sou “liberal”. Esse mecanismo garante ao indivíduo a sensação de fixação a um “lugar” seguro, propiciando-lhe respostas prontas para problemas complexos, já que ele está “filiado a uma corrente de pensamento” que dará as respostas A, B ou C para estes problemas, tornando desnecessário que enfrente pessoalmente estas questões. Além disso, assegura um padrão de comportamento prévio diante de diversas situações de relacionamento social – influenciando o que vestir, onde ir, o que dizer, que gírias usar, etc.

É interessante notar que, principalmente a partir do séc. XIX, a superação de visões metafísicas e/ou religiosas de mundo deixaram a humanidade diante de encruzilhadas angustiantes. O abandono de uma visão de vida voltada a algo transcendental para o futuro, como a vida eterna ou algo neste sentido, traz consigo a necessidade de substituir essas crenças e os valores a ela adjacentes por algo diverso.

A visão pragmática de vida, já presente no epicurismo ou estoicismo, ou mesmo em sua versão hedonista ou fatalista, podem ser extremamente atraentes, mas não conseguem corresponder à realidade do que se compreende hoje acerca do ser humano como um todo complexo.

Ainda que generalizações sejam sempre perigosas e redutoras, não é possível negar o fato de que o ser humano parece possuir uma necessidade inata por crenças, valores, princípios que superem uma vida voltada simplesmente a satisfazer seus instintos orgânicos.

A criação de uma ética desconectada da metafísica ou de valores “dominantes” é, quem sabe, um dos maiores desafios diante do abandono da ideia de que a humanidade deveria se reportar a um conteúdo “natural” ou “divino” do que é bom ou mau.

O que se quer demonstrar com isso é que a tendência pelo ardor em defender certas “causas”, passa por esta percepção da psicologia acerca da necessidade humana de criar apego emotivo a algo que repute superior a si mesmo, a sua expectativa efêmera de vida e ao aparente acaso do devir, diante das angustias existenciais que se formam a partir da negação de uma base externa ao empírico.

Como ponto principal: a ligação sentimental de indivíduos com ideias possui, muitas vezes, fundamentos desconectados das ideias em si. Funcionam como mecanismos de defesa, garantia de aceitação em grupo, busca por uma identidade pessoal segura, ancoradouro para angústias existenciais, etc.

Compreender isso pode ajudar a questionar nossas próprias convicções, fazer frente a movimentos extremistas, aumentar nossa empatia e capacidade de diálogo e construir de modo mais sólido limites éticos mínimos que não se esfacelem em meio a discussões ideológicas dicotômicas.


Notas e Referências:

[1] O termo é usado aqui no sentido empregado pela psicanálise, quando trata das vantagens advindas da neurose, como alívio da tensão psíquica e não exatamente no sentido dos benefícios subconscientes de transtornos específicos

ADORNO, T. W. et alii. The Authoritarian Personality. New York: Harper & Row, 1950. 

FREUD, Sigmund. Obras complestas – vol 16: O eu e o id, “autobiografia” e outros textos. São Paulo: Companhia das letras, 2011.

LACAN, Jacques. Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998


paulo-incott. Paulo Incott é Mestrando em Direito pela UNITER. Pós-graduando em Direito Penal e Processual penal pela AbdConst. Diretor Executivo do Sala de Aula Criminal. Membro do IBCCRIM. Membro da ABRACRIM. Advogado. . .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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