Por Affonso Ghizzo Neto - 12/12/2016
O fenômeno da corrupção é tão antigo quanto a história da humanidade, comum aos países desenvolvidos, assim como aos em via de desenvolvimento. Entretanto, modernamente – ao contrário do que ocorreu no passado – vem merecendo uma maior atenção por parte dos organismos internacionais, especialmente em razão da compreensão coletiva e universal de um fenômeno com efeitos nefastos também para a economia (macro e micro) mundial.
Também o mundo acadêmico começou a ver a necessidade de identificar e de compreender o fenômeno da corrupção como problema coletivo. Por certo se trata de um fenômeno complexo, onde a educação pode se converter em uma poderosa ferramenta para a ruptura dos grandes esquemas criminais característicos das estruturas tradicionais infiltradas nos governos e muitas vezes aceitas e banalizadas na própria sociedade.
O dilema de ação coletiva ocorre naquelas situações em que, se todos os indivíduos que formam parte de um grupo humano atuarem de maneira racional, atendendo seus próprios interesses, darão causa a um problema coletivo que atingirá a todos os indivíduos. Assim, em sociedades com instituições débeis, onde a coletividade já aguarda o pior dos poderes constituídos e dos próprios concidadãos, torna-se muito difícil o controle dos interesses particulares, havendo uma tendência natural à satisfação imediata destes e, em consequentemente, da criação de um problema de ação coletiva.
O fenômeno da corrupção, como alerta JIMÉNEZ[1], pode se apresentar como um problema de ação coletiva, similar aos problemas de sustentabilidade ambiental. Assim sendo, é preciso encontrar instrumentos efetivos para resolver este complexo problema de ação coletiva. A luta contra a corrupção, confirma JIMÉNEZ[2], enquanto problema de ação coletiva, presente uma situação de armadilha política, não encontra incentivo suficiente para a superação em sociedades com instituições débeis como a sociedade brasileira. Somente quando presentes conjunturas críticas que ameacem as regras vigentes do jogo, é que se abrem oportunidades para a quebra dos respectivos ciclos viciosos clientelistas presentes nestas sociedades.
Nesta situação, a clientela tem a possibilidade não apenas de protestar por não receber o esperado, como é capaz de advertir sobre o problema da ação coletiva reproduzido por instituições políticas que geram estabilidade social, mas com um custo elevado e de resultados coletivos precários. Evidentemente, o fato de que tais oportunidades ocorram, não quer dizer que irão ser aproveitadas pelas sociedades como revelam outros exemplos históricos.
Um aspecto importante, portanto, passa pela compreensão global do fenômeno da corrupção como problema de ação coletiva. É preciso investigar quais instrumentos, ações, métodos e políticas educativas, destinadas ao convívio social consciente e partilhado, que poderão ajudar neste processo de reinvenção do comprometimento social e coletivo.
Outra questão imprescindível encontra-se na confirmação (ou não) da hipótese do rompimento dos ciclos viciosos decorrentes da formação de redes clientelistas, notamente em sociedades onde o funcionamento parcial das instiuições cria mecanismos facilitadores para a corrupção. Como esses arranjos clientelistas estimulam a impunidade e, consequentemente, incentivam a continuidade da corrupção.
JIMÉNEZ e CARBONA[3], ao estabelecerem os elementos imaginários da corrupção, com destaque para a utilização criminosa de cargos públicos e a ideia generalizada de impunidade, abordam um elemento persuasivo muitas vezes presente nestes pactos informais negativos, qual seja, a fatalidade da corrupção.
Assim sendo, é a partir de valores sociais existentes que a coletividade institucionaliza suas respectivas regras de convivência. A sociedade se reflete a partir de suas próprias instituições. Ao ter acesso às instituições fortes, confiáveis e imparciais, a sociedade acaba por estabelecer um pacto virtuoso de obediência incondicionada às regras impostas. Instituições fortes representam igualdades de oportunidades, livre acesso ao mercado de trabalho, à educação, aos serviços básicos, com a valorização do mérito, enfim, ao pleno exercício da cidadania.
Em sociedades com alta percepção social da corrupção, estabelecidos círculos viciosos clientelistas, a desconfiança social incentiva o funcionamento parcial das instituições de governo, situação de difícil resolução. Com políticas de governo ineficientes, parciais e corruptas, o desenvolvimento de uma ética social solidária resta inviabilizada, havendo uma desconfiança generalizada em toda a sociedade.
O fenômeno da corrupção, independentemente da cultura, das origens ou dos hábitos de um povo ou, mesmo, da formalidade de suas instituições, resta evidenciado quando do funcionamento ineficiente e ineficaz das políticas públicas institucionais. O agente político, servidor público ou particular, ao se relacionar com suas instituições débeis, frágeis, parciais e desacreditadas, desvia-se deliberadamente da conduta social esperada, não havendo o estímulo necessário para a consolidação e o respeito a uma ética social solidária.
O que se concluí, em definitivo, é a necessidade de abordar o fenômeno da corrupção como problema de ação coletiva para, então, se valer de políticas que aumentem a confiança social e fomentem a criação de ciclos virtuosos e, consequentemente, o rompimento dos ciclos viciosos. Para tal tarefa o Estado deve instrumentalizar a criação de oportunidades para que as pessoas, uma vez instruídas, obtenham o conhecimento necessário para o rompimento da lógica clientelista e a efetiva libertação do regime de dependência dos respectivos líderes corruptos.
Especialmente em entornos institucionais débeis, onde a chamada teoria da agência[4], por si só, não consegue solucionar a reprodução em série de ciclos viciosos clientelistas e, consequentemente, a prática banalizada da corrupção, é preciso atuar na perspectiva da ação coletiva. É que as reformas institucionais inspiradas na teoria da agência, ao partirem da premissa de que o principal sempre estará interessado em controlar o agente para que este atue em defesa de seus interesses - situação que bastaria para introduzir melhorias para solução do problema -, não levam em consideração a hipótese do principal não ter verdadeiro interesse em controlar a corrupção do agente que atua em seu nome. Como observada Person et al (2013), referido por JIMÉNEZ [5], encontramos um principal “sem princípios”.
Em sociedades com alta percepção social da corrupção, ao se reproduzirem círculos viciosos que alimentam a desconfiança de toda a coletividade, o funcionamento parcial das instituições é aceito com normalidade, sendo natural que as políticas governamentais sejam formatadas a partir de uma lógica particularista. Como adverte JIMÉNEZ [6], nestas sociedades a problemática da corrupção não coincide com o diagnóstico feito pela teoria da agência, sendo obrigatória uma reavaliação do diagnóstico a partir da compreensão da corrupção como problema de ação coletiva.
Notas e Referências:
[1] JIMÉNEZ, Fernando Sanchez. La trampa política: la corrupción como problema de acción colectiva. Texto original: 23920_GobernabilidadCiudadania.indd. pp. 157- 74.
[2] JIMÉNEZ, Fernando Sanchez. __ IDEM. pp. 157- 74.
[3] "El quinto elemento persuasivo de estas conversaciones transmite la ideia de la inevitabilidad de la corrupción. En nuestra sociedad lo normal es funcionar así. La cosa funciona aasí, el sistema funciona así. Lo raro sería que se tuvieran expectativas diferentes." JIMÉNEZ, Fernando Sanchez y CARBONA, Vicente, Esto funciona así. Anatomía de la corrupción en espanã, Dossier Corrupción en Espanã, Letras Libres, febrero 2012.
[4] Segundo a teoria da agência, os problemas da relação entre agente e principal se concentram em dois âmbitos. O primeiro ponto diz respeito ao fato do principal e o agente não compartilhem exatamente os mesmos interesses que, via de regra, são divergentes, o que acaba por incentivar que este atue em defesa dos seus interesses particulares. O segundo ponto se refere à circunstancia de não ser comum que o principal tenha pleno conhecimento e informações absolutas sobre o comportamento do agente. Assim sendo, com frequência se cria uma assimetria de informação entre principal e agente. Essas situações estabelecem oportunidades para que o agente opte em atuar contra as ordens e os comandos determinados pelo principal.
[5] JIMÉNEZ, Fernando Sanchez. Obra citada. pp. 157- 74.
[6] JIMÉNEZ, Fernando Sanchez. __ IDEM. pp. 157- 74.
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. . Affonso Ghizzo Neto é Promotor de Justiça. Doutorando pela USAL. Mestre pela UFSC. Idealizador do Projeto “O que você tem a ver com a corrupção?”. aghizzo@gmail.com / aghizzo@usal.es. .
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