Até que ponto o Novo CPC altera o sentido dos Embargos Infringentes no crime?

19/01/2016

Por Rômulo de Andrade Moreira e Alexandre Morais da Rosa – 19/01/2016

Uma questão que sempre suscitou divergência na jurisprudência e na doutrina foi a questão da interposição dos embargos infringentes e de nulidade em relação a um mesmo acórdão condenatório, cujo conteúdo seja "objetivamente complexo", tendo o órgão fracionário do Tribunal analisado concomitantemente mais de uma questão (seja de mérito, seja de cunho processual, ou ambas), sendo que em uma das decisões houve unanimidade de votos (o que impede a interposição do recurso ordinário) e relativamente à outra parte do julgado, houve divergência, ensejando a impugnação pelos embargos, nos termos do art. 609, parágrafo único, do Código de Processo Penal.

Neste caso, na parte dispositiva do acórdão decidida de forma não unânime foram apresentados embargos infringentes (ou de nulidade para impugnar uma matéria de cunho processual) que aguardarão o regular julgamento para, se for o caso, posteriormente, serem apresentados os recursos constitucionais (Extraordinário e Especial).

E em relação à outra questão, cuja decisão não encontrou nenhuma divergência? O acusado deve logo interpor o Recurso Extraordinário (ou o Especial ou ambos), sob pena de intempestividade, ou deve primeiro aguardar o julgamento dos embargos opostos?

Em razão da omissão do Código de Processo Penal, há duas posições a respeito:

1) Uma majoritária, que nos filiamos, segundo a qual a interposição de ambos os embargos (de nulidade e infringentes) sobrestariam o prazo para a apresentação tempestiva dos recursos constitucionais, invocando-se, o art. 498 do Código de Processo Penal, com a reforma dada pela Lei nº. 10.352/2001. Esse entendimento prevalece na Justiça Comum Federal e já foi adotado pelo Superior Tribunal de Justiça no Agravo Regimental em Recurso Especial nº. 767.545/MG, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, j. 09/03/06 e Recurso Especial nº. 881.847/PE, Rel. Ministro Félix Fischer, j. 22/05/2007.

2) Outra corrente, com a qual não concordamos, prevalecente na Justiça Comum Estadual, preconiza que é obrigatória, sob pena de intempestividade, a interposição simultânea dos recursos constitucionais e dos embargos, devendo o acusado, desde logo, oferecer em dez dias, a partir da publicação do acórdão, os embargos (de nulidade ou infringentes), relativamente à parte da decisão não unânime e, em quinze dias, o Recurso Especial ou Extraordinário (ou ambos), cabível quanto à matéria decidida sem divergência. Esse entendimento é sustentado pelo Enunciado 355 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, segundo o qual "em caso de embargos infringentes parciais, é tardio o recurso extraordinário interposto após o julgamento dos embargos, quanto à parte da decisão embargada que não fôra por eles abrangida." Nesse caso, o julgamento do Recurso Especial ou Extraordinário ficará sobrestado até o julgamento dos embargos.

Vejamos:

O art. 498 do ainda vigente Código de Processo Civil dispõe que "quando o dispositivo do acórdão contiver julgamento por maioria de votos e julgamento unânime, e forem interpostos embargos infringentes, o prazo para recurso extraordinário ou recurso especial, relativamente ao julgamento unânime, ficará sobrestado até a intimação da decisão nos embargos." (Redação dada pela Lei nº 10.352/01). Outrossim, caso sejam "interpostos embargos infringentes, o prazo relativo à parte unânime da decisão terá como dia de início aquele em que transitar em julgado a decisão por maioria de votos." (parágrafo único, incluído pela Lei nº. 10.352/01).

O problema advirá com a vigência do novo Código de Processo Civil que, como se sabe, não mais prevê os embargos infringentes, apenas estabelecendo, no art. 942, como uma técnica de julgamento, que, "quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores."

E agora, não mais havendo a previsão no Código de Processo Civil dos Embargos Infringentes e, consequentemente, a possibilidade legal do sobrestamento do prazo para os recursos constitucionais, como ficará a questão em matéria criminal?

Se, antes da vigência do novo Código de Processo Civil, primeiro deveriam ser interpostos os embargos e, depois do julgamento destes, começaria o prazo para os Recursos Especial e Extraordinário, parece-nos que, doravante, o uso da analogia não mais será possível (por óbvio!), devendo ser aplicado o Enunciado 355 da súmula do Supremo Tribunal Federal. Mudamos o nosso entendimento, forçosamente, em razão do desaparecimento do dispositivo da lei processual civil, o que impede a utilização do art. 3º, do Código de Processo Penal. Lamentamos...

Uma outra questão diz respeito aos processos relativos a infrações penais praticadas (ação ou omissão, nos termos do art. 4º. do Código Penal) antes da vigência do novo Código de Processo Civil. A solução passa pela matéria relativa ao direito intertemporal.

Sabemos que há dois princípios que regem o direito intertemporal em matéria criminal: a lei penal não retroage, salvo para beneficiar o acusado (art. 2°, parágrafo único, do Código Penal e art. 5°, XL da Constituição da República) e a lei processual penal aplica-se imediatamente (art. 2°. do Código de Processo Penal: tempus regit actum). O princípio da irretroatividade da lei penal, salvo quando benéfica, insere-se no Título dos Direitos e Garantias Fundamentais da Constituição, tendo força vinculante, “no sólo a los poderes públicos, sino también a todos los ciudadanos”, como afirma Perez Luño[i], tendo também uma conotação imperativa, “porque dotada de caráter jurídico-positivo[ii].

Logo, à vista desses dois princípios, haveremos de analisar o disposto no art. 309, parágrafo único, do Código de Processo Penal e no art. 498 do Código de Processo Civil. Desde logo, é preciso definir o fundamento dos dispositivos legais: teriam eles conteúdo processual ou material? É certo que tratam de recurso e prazo recursal, tendo, assim, conotação claramente processual, visto que define um modo de impugnação de uma decisão judicial, estabelecendo o sobrestamento de prazos em determinadas hipóteses. Se admitirmos serem dispositivos processuais não há que se falar, obviamente, em retroatividade ou mesmo em ultratividade, fenômenos jurídicos típicos do direito intertemporal relativos às normas penais.

Porém, é preciso atentar que o direito ao recurso diz respeito à garantia ao duplo grau de jurisdição, matéria de direito material, constitucional e convencional (Pacto de São José da Costa Rica). Logo, sob este prisma, trata-se também de norma de caráter material. É, portanto, uma norma processual material, decorrente do devido processo legal substancial[iii], ainda que tal diferença, em alguns casos, não seja tão perceptível. Klaus Tiedemann, por exemplo, “destaca a exigência metodológica e a importância prática da distinção das normas processuais em normas processuais meramente formais ou técnicas e normas processuais substancialmente materiais.[iv]

No Brasil, comentando a respeito de tais normas, Tucci entende que elas “deverão ser aplicadas, em face da conotação prevalecente de direito penal material das respectivas normas, as disposições legais mais favoráveis ao réu, ressalvando-se sempre, como em todos os sucessos ventilados, a possibilidade de temperança pelas regras de direito transitório, – estas excepcionais por natureza.”[v]

No mesmo sentido é a opinião de Grandinetti Castanho de Carvalho: “Se a norma processual contém dispositivo que, de alguma forma, limita direitos fundamentais do cidadão, materialmente assegurados, já não se pode defini-la como norma puramente processual, mas como norma processual com conteúdo material ou norma mista. Sendo assim, a ela se aplica a regra de direito intertemporal penal e não processual.[vi] Atente-se “que a natureza processual de uma lei não depende do corpo de disposições em que esteja inserida, mas sim de seu conteúdo próprio.[vii]

Assim, sendo normas processuais materiais, possível a sua aplicação a partir de uma visão mais benéfica para o suposto autor do fato, para fazer incidir a regra (do jogo) anterior (em uma espécie de “ultratividade”) para casos passados. Isso porque no momento em que o crime é imputado necessário rebater-se no espaço e tempo a normativa em vigor, sendo que alteração posterior não pode prejudicar o acusado, nem restringir a ampla defesa, com os recursos a ela inerentes.

Entretanto, no “Caso Nardoni”, apesar de o fato imputado ter se dado em março de 2008, antes, portanto, da revogação do “protesto por novo Júri”, recurso então previsto no art. 607, do CPP, pela Lei n. 11.689/2008, de 10 de junho de 2008, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário n. 752.988/SP, decidiu que deveria se considerar a data da sentença e não do fato imputado: “O protesto por novo júri, que constituía prerrogativa de índole processual e exclusiva do réu, cumpria função específica em nosso sistema jurídico: a invalidação do primeiro julgamento, que se desconstituía para todos os efeitos jurídico-processuais, a fim de que novo julgamento fosse realizado, sem, contudo, afetar ou desconstituir a sentença de pronúncia e o libelo-crime acusatório (HC 67.737/RJ e HC 70.953/SP, Rel. Min. Celso de Mello). II – Esse recurso sui generis era cabível nas condenações gravíssimas (vinte anos ou mais), com o escopo de realizar-se novo julgamento, sem invalidar totalmente a sentença condenatória, que, em face do princípio da soberania dos veredictos dos jurados, somente poderia ser alterada ou cassada pelo próprio Tribunal do Júri. (...) IV - Nos termos do art. 2º do CPP, “a lei processual aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior”. Desse modo, se lei nova vier a prever recurso antes inexistente, após o julgamento realizado, a decisão permanece irrecorrível, mesmo que ainda não tenha decorrido o prazo para a interposição do novo recurso; se lei nova vier a suprimir ou abolir recurso existente antes da prolação da sentença, não há falar em direito ao exercício do recurso revogado. Se a modificação ou alteração legislativa vier a ocorrer na data da decisão, a recorribilidade subsiste pela lei anterior. V - Há de se ter em conta que a matéria é regida pelo princípio fundamental de que a recorribilidade se rege pela lei em vigor na data em que a decisão for publicada (GRINOVER. Ada Pellegrini; GOMES FILHO. Antonio Magalhães; FERNANDES, Antonio Scarence. Recursos no processo penal: teoria geral dos recursos em espécie, ações de impugnação, reclamação aos tribunais, 5ª ed. São Paulo: RT, 2008, p. 63). VI - No caso em exame, os recorrentes foram condenados pelo Tribunal do Júri de São Paulo em 26 de março de 2010. No ato de interposição do recurso de apelação, formalizaram o pedido alternativo de recebimento da impugnação recursal como “protesto por novo júri”, pleito que não foi acolhido porque esse recurso sui generis fora extinto pela Lei 11.689, que entrou em vigor em 8 de agosto de 2008, antes, portanto, da prolação da sentença penal condenatória.” A decisão do STF peca por não compreender o sentido do devido processo legal substancial.

Concluindo: a partir da vigência do novo Código de Processo Civil, o Recurso Extraordinário e o Recurso Especial, nos casos de um acórdão objetivamente complexo e de interposição de embargos infringentes ou de nulidade em relação a uma das partes da decisão, devem ser interpostos a partir da intimação da decisão recorrida, nos termos do Enunciado 335 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, ressalvados os casos em que a ação penal refere-se à acusação pela prática de crime anterior à mudança legislativa, dado que o direito se incorporou ao patrimônio jurídico do acusado, segundo nosso entendimento, contrário ao do STF. Se for o caso, não vale a pena arriscar e seguir o verbete sumular.


Notas e Referências

[i] PEREZ LUNO, Antonio Enrique. Los Derechos Fundamentales, Madrid:  Tecnos, 1993, p. 67.

[ii] FRANCO, Alberto Silva. Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 7ª, 2001, p. 62.

[iii] GIACOMOLLI, Nereu. O devido processo legal substancial. São Paulo: Atlas, 2014.

[iv] Apud Taipa de Carvalho, Sucessão de Leis Penais, Coimbra: Coimbra Editora, p. 220.

[v] TUCCI, Rogério Lauria. Direito Intertemporal e a Nova Codificação Processual Penal, São Paulo: José Bushatsky Editor, 1975, p. 124.

[vi] CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho. O Processo Penal em Face da Constituição, Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 137.

[vii] COUTURE, Eduardo J.. Interpretação das Leis Processuais, Rio de Janeiro: Forense, , 2001, p. 36.


Rômulo Moreira

Rômulo de Andrade Moreira é Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor de Direito Processual Penal da UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela UNIFACS.

Alexandre Morais da Rosa é Professor de Processo Penal da UFSC e do Curso de Direito da UNIVALI-SC (mestrado e doutorado). Doutor em Direito (UFPR). Membro do Núcleo de Direito e Psicanálise da UFPR. Juiz de Direito (TJSC).

Email: alexandremoraisdarosa@gmail.com  Facebook aqui           


Imagem Ilustrativa do Post: Willard Rouse // Foto de:  Jeff Kubina // Sem alterações Disponível em: https://www.flickr.com/photos/kubina/956968107/in/photostream/ Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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