Assédio moral nas relações trabalhistas

29/07/2016

Por Jessyka Zanella Costa - 29/07/2016

“Você é mesmo difícil... Não consegue aprender as coisas mais simples! Até uma criança faz isso... e só você não consegue!”; “Não quer trabalhar... fique em casa! Lugar de doente é em casa!”; “Ela faz confusão com tudo... É muito encrenqueira! É histérica! É mal casada! Não dormiu bem... vamos ver que brigou com o marido!”. Frases como essa são corriqueiras em ambientes de serviço que reproduzem o assédio moral[1]. Uma pesquisa realizada pelo site Vagas.com[2] e publicada pela BBC Brasil apontou que dos 4.975 profissionais ouvidos pelo país todo, 52% disseram ter sido vítimas de assédio moral ou sexual. E, destes que não passaram pela situação, 34% disseram que presenciaram algum episódio de abuso.

O assédio moral atinge ambos os sexos. Não obstante, sabe-se que a diversidade nem sempre é respeitada determinando impactos diferenciados no acesso e nas relações laborais. No entanto, as mulheres são as principais atingidas com essa forma de violência no ambiente de trabalho. Segundo pesquisa realizada pela médica do trabalho Margarida Barreto[3], as mulheres são mais assediadas moralmente do que os homens - 65% das entrevistadas relatam atos repetitivos de violência psicológica , contra 29% dos entrevistados.

No mesmo sentido, estudos[4] realizados pela Organização Internacional do Trabalho, em parceria com a Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM), demonstram que as discriminações e as desigualdades tornam-se mais evidentes no espaço social do trabalho, no qual a mulher fica relegada ao desempenho de papéis/funções outorgados por outras pessoas, sob a ótica de uma ideologia, ainda dominante, de que a divisão de papéis é naturalmente determinada pela diferenciação biológica.

Dificultar ou impedir que as gestantes compareçam à consultas médicas fora da empresa; interferir no planejamento familiar das mulheres, exigindo que não engravidem ou desconsiderar recomendações médicas às gestantes na distribuição de tarefas são alguns exemplos específicos de assédio moral contra as mulheres.

Mas o que é o assédio moral?

O assédio moral é toda e qualquer conduta realizada pelo assediador e direcionada a vítima[5]. Essa conduta caracteriza-se por meio de gestos, palavras (orais ou escritas) e/ou comportamentos de natureza psicológica que expõem a(o) trabalhadora(o) a situações humilhantes e/ou constrangedoras, trazendo danos à sua personalidade, dignidade ou integridade física ou psíquica[6].

São situações repetitivas ou sistematizadas de humilhação, degradação, vexatórias, hostis, vulgares ou agressivas: gritar, xingar, apelidar, contar piadas para caluniar, ridicularizar, ordenar tarefas impossíveis ou incompatíveis com a capacidade profissional, isolar a(o) trabalhadora(o), entre outras que ocorrem no ambiente de trabalho, durante o horário de trabalho e no exercício da função do trabalhador, visando diminuir a auto-estima do ofendido ou a sua desvinculação ao posto de trabalho. Para sua caracterização, são indispensáveis a habitualidade da conduta e a intencionalidade (o fim discriminatório)[7].

De acordo com a professora Margarida Maria Silveira Barreto[8] (2000), o assédio moral ocorre quando os trabalhadores são expostos a situações humilhantes e constrangedoras de forma repetitiva durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções.

Apesar de ser comum a visão que o assédio moral ocorre apenas nas relações hierárquicas, o mesmo pode ocorrer em três espécies: assédio moral vertical, assédio moral horizontal, assédio moral misto e assédio moral coletivo[9].

O assédio moral vertical é aquele que ocorre entre as pessoas com níveis hierárquicos diversos[10]. Como nos casos de empregador x empregado, superior x subordinado. Esses casos são muito comuns, pois normalmente o superior abusa de seu poder sobre seus subordinados, fazendo esses acreditarem que tal situação é comum, e não uma coisa anormal e errada (como realmente é).

Já o assédio moral horizontal é aquele que ocorre entre sujeitos de mesmo nível profissional, ou seja, de colega para colega, inexistindo entre eles relação de subordinação[11]. As possíveis razões nessas situações são de inveja e competitividade, visto que há, cada vez mais, exigência de escolaridade, eficiência, competência e produtividade[12]. As empresas estimulam essa situação de competitividade por acreditarem que estão gerando funcionários mais competentes.

Por sua vez, o assédio moral misto exige a presença de pelo menos três sujeitos: o assediador vertical, o assediador horizontal e a vítima[13]. Aqui a vítima é agredida tanto por seus superiores quanto pelos seus colegas. Ocorre nos casos em que o superior começa a excluir a vítima e os outros empregados fazem o mesmo por medo ou por quererem se posicionar ao lado do superior.

O assédio moral coletivo é aquele cometido pela empresa contra vários de seus trabalhadores[14]. Os exemplos mais recorrentes são aqueles que envolvem políticas ‘motivacionais’ de venda ou de produção, nas quais os empregados que não atingem determinadas metas são submetidos a situações vexatórias e humilhantes.

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) regulamenta o assédio moral em seu artigo 483[15]. A regulamentação ocorre nesse artigo porque, na maioria das vezes, a(o) trabalhadora(o), não suporta a carga psíquica da humilhação e pede a rescisão do contrato de trabalho, realizando, assim, a vontade do empregador ou dos colegas[16].

A teoria do assédio moral tem assento no princípio da dignidade da pessoa humana[17], um dos fundamentos da República, como prevê o art. 1º, inciso III, da Constituição Federal. Decorre também do direito à saúde, mais especificamente, à saúde mental, abrangida na proteção conferida pelo art. 6º e o direito à honra, previsto no art. 5º, inciso X, ambos da Carta Magna.

Importante ressaltar que o assédio moral causa sérios danos à saúde física e mental da(o) trabalhadora(o), além de prejudicá-la(o) no seu desempenho profissional, social e familiar. Por isso, a Constituição Federal, em seus arts. 5° e 7°, XXX, e a CLT, art. 483, protegem a integridade da(o) trabalhadora(o) no seu direito à intimidade, dignidade, igualdade, honra e vida privada.

Mas como ocorre a responsabilização do assediador?

Quem assedia pode ser responsabilizado nas esferas administrativa (infração disciplinar) ou trabalhista (arts. 482 e 483 da CLT), civil (danos morais e materiais) e criminal (dependendo do caso, os atos de violência poderão caracterizar crime de lesão corporal, crimes contra a honra, crime de racismo, etc).

Se a violência está sendo cometida entre colegas constituem motivos para demissão por justa causa as hipóteses previstas no artigo 482 da CLT[18].

Agora, se o assediador é o supervisor, chefe, gerente, ou seja, está num nível hierarquicamente diferente da vítima, aplica-se o disposto no artigo 483 que aduz que o empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando ocorrerem as hipóteses previstas no artigo. Desta forma, a CLT protege a(o) empregada(o) que sofrer tais situações elencadas resguardando seu direito à indenização[19].

Como em muitos casos a vítima acaba pedindo demissão ou abandona o caso, esse dano pode gerar perdas de caráter material e moral, o que deve ser indenizado. Contudo, a indenização por danos materiais depende da comprovação do fato(assédio), do prejuízo e da relação de causalidade entre eles[20].

Ou seja, sob a ótica da vítima do assédio moral, a(o) assediada(o) pode requerer a rescisão indireta do contrato de trabalho, ou seja, requerer que o contrato seja rompido como se ela(ele) tivesse sido demitida(o), pleiteando também as verbas rescisórias que seriam devidas nessa situação (dentre as quais, o aviso prévio indenizado, a multa do FGTS, etc)[21].

O assediador, normalmente, também comete crime de calúnia e difamação, ficando obrigado a pagar indenização por danos materiais e morais[22].

No entanto, não existe previsão no Código Penal de crime de assédio moral, mas existem várias situações que podem ser caracterizadas em condutas já tipificadas no Código Penal, tornando possível a responsabilização penal do assediador (lesão corporal, eventual instigação ao suicídio, ameaça, etc.)[23].

Assim, ao praticar tais crimes, o assediador também pode ser penalizado na esfera criminal.

E como prevenir o assédio moral?

Algumas atitudes simples podem ser eficazes no combate ao assédio moral. Empregador, empregados e sindicato podem atuar na prevenção do problema.

O empregador pode realizar campanhas de conscientização que informem aos trabalhadores sobre o assédio moral e sobre as formas de responsabilização dos assediadores; definir claramente as atribuições e condições de trabalhos dos empregados; indicar local e modo como as eventuais vítimas de assédio podem obter ajuda; estabelecer procedimentos formais de queixa sobre eventuais situações de assédio; produzir documentos que se refiram expressamente que são proibidos e não serão tolerados quaisquer atos de assédio no local de trabalho.

Os empregados podem evitar contato com o agressor, sem testemunhas; anotar e documentar todas e quaisquer humilhações que venham a sofrer (de preferência com data, nome do agressor, conteúdo da humilhação e testemunhas); procurar ajuda de colegas e chefia; relatar as agressões no setor de Recursos Humanos, como também procurar ajuda do Sindicatos, Ministério Público e Justiça do Trabalho.

Os sindicatos podem se empenhar na criação de um ambiente de trabalho sem violência; assegurar a distribuição regular de informação sobre a política de prevenção de assédio nos locais de trabalho; promover ações de formação sobre prevenção de assédio no trabalho a todo o pessoal, incluindo as chefias; divulgar informações sobre o que é o assédio, quais as suas consequências e quais as sanções que pode implicar; fornecer informações sobre os serviços de aconselhamento e de apoio.

O assédio moral, sem dúvida alguma, gera muitas consequências jurídicas, incluindo a possibilidade de ocorrência de dano moral, justificando reparação pecuniária a ser exigida do empregador.

Portanto, ao informar, combater o assédio moral e responsabilizar o assediador, cria-se um ambiente de trabalho com menos violência e mais harmonioso para todos.


Notas e Referências:

[1] Frases retiradas do site www.assediomoral.org.br.

[2] Pesquisa publicada e retirada do site http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/06/150610_assedio_trabalho_pesquisa_rb. Acesso em 05 jul. 2016.

[3] Na mesma pesquisa, a pesquisadora aponta que no Brasil, o assédio moral atinge 36% da população economicamente ativa. Entre 2001 e 2005, de um universo de 42,4 mil trabalhadores de empresas públicas e privadas, governos e organismos não-governamentais, dez mil haviam sofrido algum tipo de humilhação no trabalho. Em países europeus, pesquisas comprovam a prática de assédio moral nas relações de trabalho. Exemplificativamente, citam-se: Reino Unido - 16,3%, Suécia - 10,2%, França -9,9% e Alemanha - 7,3%. A pesquisa foi citada na Cartilha de Assédio Moral e Sexual do Programa Pró-Equidade de Gênero e Raça do Senado Federal. BRASIL. Senado Federal. Assédio Moral e Sexual. Brasília, 2011, p. 05. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/institucional/programas/pro-equidade/pdf/cartilha- de-assedio- moral-e- sexual>. Acesso em: 01 jul. 2016.

[4] Estudos citados na Cartilha de Assédio Moral e Sexual do Programa Pró-Equidade de Gênero e Raça do Senado Federal. BRASIL. Senado Federal. Assédio Moral e Sexual. Brasília, 2011, p. 07. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/institucional/programas/pro-equidade/pdf/cartilha- de-assedio- moral-e- sexual>. Acesso em: 01 jul. 2016.

[5] Conceito adaptado do citação original da estudiosa Marie-France Hirigoyen. Aqui, assédio moral é “é qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude) que atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho”. HIRIGOYEN. Marie-France. Assédio Moral: A Violência Perversa no Cotidiano. Trad. Maria Helena Kühner. 10 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008, p. 83.

[6] HIRIGOYEN.Marie-France.Op. cit.,  p.68.

[7] AGUIAR, Maria Rita Manzarra Garcia de. Assédio moral: problema antigo, interesse recente. Revista Eletrônica do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. Ano IV, n. 63, 2ª quinz. Set/2008. Disponível em: <http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/journals/2/articles/23981/public/23981-23983-1-PB.pdf.>, p. 5. Acesso em: 01 jul. 2016.

[8] BARRETO, Margarida Maria Silveira. Violência, saúde, trabalho: uma jornada de humilhações. São Paulo: EDVC ed da PUC - São Paulo. 2000, p. 49.

[9] Assédio Moral na Relação de Emprego: Noções Conceituais. Rodolfo Pamplona Filho. Material disponível em: http://www.editoramagister.com/doutrina_23570394_ASSEDIO_MORAL_NA_RELACAO_DE_EMPREGO_NOCOES_CONCEITUAIS.aspx. Acesso dia 01 jul. 2016.

[10] NASCIMENTO, Sônia Mascaro. Assédio moral. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 3.

[11] NASCIMENTO, Sônia Mascaro. Op. cit, p. 3

[12] HIRIGOYEN. Marie-France. Op. cit, p.70.

[13] NASCIMENTO, Sônia Mascaro. Op. cit, p. 4.

[14] MUÇOUÇAH, Renato de Almeira Oliveira. Assédio Moral Coletivo nas Relações de Trabalho: uma análise sob a perspectiva dos direitos humanos fundamentais dos trabalhadores. 217 p. Dissertação - Universidade de São Paulo. São Paulo, 2009, p. 18.. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2138/tde-26092011-105745/pt-br.php>. Acesso em: 01 jul. 2016.

[15] BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Decreto lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm>. Acesso em: 01 jul. 2016.

[16] KODAMA, Teresa Cristina Della Monica. Cartilha de orientação sobre os direitos trabalhistas da mulher. São Paulo: OAB, 2012., p. 41. Disponível em: <file:///C:/Users/Estagi%C3%A1rio/Downloads/CARTILHA%20DE%20ORIENTACaO%20SOBRE%20OS%20DIREITOS%20TRABALHISTAS%20DA%20MULHER.pdf>. Acesso em: 05 jul. 2016

[17]  PEDUZZI, Maria Cristina Irogoyen. Assédio moral. Revista TST, Brasília, v. 73, nº2. Abril/junho 2007, p. 206.  Disponível em: <http://www.tst.jus.br/documents/1295387/1312860/1.+Ass%C3%A9dio+moral>. Acesso em : 01 jul. 2016.

[18]  KODAMA, Teresa Cristina Della Monica. Op. Cit. p. 41.

[19] Teresa Cristina Della Monica Kodama relata que, “ainda sem regulamentação jurídica, o assédio moral pode ser caracterizado por condutas previstas no art. 483 da CLT (...). No caso do assédio ser praticado pelo preposto a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em seus artigos 482 e 483 vem positivar as condições pelas quais o empregado pode ser dispensado por justa causa relacionado ao assédio moral ou sexual para que tenha o seu contrato rescindido, o legislador coloca as condições para ambas as partes”. KODAMA, Teresa Cristina Della Monica. Cartilha de orientação sobre os direitos trabalhistas da mulher. São Paulo: OAB, 2012., p. 41. Disponível em: <file:///C:/Users/Estagi%C3%A1rio/Downloads/CARTILHA%20DE%20ORIENTACaO%20SOBRE%20OS%20DIREITOS%20TRABALHISTAS%20DA%20MULHER.pdf>. Acesso em: 05 jul. 2016.

[20] NASCIMENTO. Sônia Mascaro. Op. cit., p. 138.

[21] SINDICATO NACIONAL DOS SERVIDORES DO MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO. Cartilha sobre Assédio Moral. Brasília, SINASEMPU, 2005, p. 16. Disponível em: <http://www.ouvidoria.mppr.mp.br/arquivos/File/cartilha.pdf>. Acesso em: 29 jun. 2016.

[22] NASCIMENTO, Sônia Mascaro. Assédio Moral. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 129.

[23] MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho. São Paulo, Atlas, 2013. p. 95.

BARRETO, Margarida Maria Silveira. Violência, saúde, trabalho: uma jornada de humilhações. São Paulo: EDVC ed da PUC - São Paulo. 2000, p. 49.

BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Decreto-Lei nº 5.442, de 01.mai.1943. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del5452compilado.htm. Acesso dia 01 jul. 2016.

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MARTINS. Sérgio Pinto. Assédio moral no emprego. 2ª Ed. São Paulo: Atlas, 2013.

NASCIMENTO, Sônia A. C. Mascaro. Assédio Moral no ambiente de trabalho. Revista LTR, São Paulo, 2004.

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Jessyka Zanella Costa. Jessyka Zanella Costa é Graduanda em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina. Servidora Pública da SES/SC. Pesquisadora do GT Direito do Trabalho do Projeto de Pesquisa e Extensão “Direito das Mulheres” – UFSC. Lattes: http://lattes.cnpq.br/1958296154857583. Email: jessykazc@gmail.com .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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