Aplicação dos princípios no pensamento de Robert Alexy

20/05/2017

Por Luiz Ricardo de Castilhos - 20/05/2017

No âmbito da teoria dos direitos fundamentais, a distinção entre regras e princípios é a mais importante, pois ela é a base dos direitos fundamentais[1], entende Alexy que essa distinção é a chave para solução de problemas da dogmática nos direitos fundamentais, e que sem ela ‘não pode haver nem uma teoria adequada sobre as restrições a direitos fundamentais, nem uma doutrina satisfatória sobre colisões, nem uma teoria suficiente sobre o papel dos direitos fundamentais no sistema jurídico[2]. 

Com essa distinção, Alexy constitui fundamental importância para a dogmática dos direitos de liberdade e igualdade. Esclarece que os problemas dos efeitos dos direitos fundamentais podem ser elucidados junto ao tribunal constitucional. Contudo, as regras e princípios podem ser compreendidas do seguinte modo ‘tanto regras quanto princípios são normas, porque ambos dizem o que deve ser’, complementa ainda que ‘ambos podem ser formulados por meio das expressões deônticas básicas do dever, da permissão e da proibição. Princípios são, tanto quanto regras, razões para juízos concretos de dever-ser, ainda que de espécie muito diferente. A distinção entre regras e princípios é, portanto, uma distinção entre duas espécies de normas[3].

Com isso, para Alexy existe três teses divergentes sobre a distinção de regras e princípios. A primeira, segundo ele, é a diferenciação da norma em duas classes (regra e princípio), explica Alexy que por exemplo, ‘na possibilidade de que os critérios expostos, dentre os quais alguns permitem apenas diferenciações gradativas, sejam combinados da maneira que desejar’[4].

A segunda tese defendida é qual embora aceitem a divisão entre regras e princípios, essa divisão somente é possível em grau, ou seja, vê no grau de generalidade um critério decisivo para distinguir. A terceira tese, esta considerada por Alexy a correta. Sustenta que as normas podem sim serem distinguidas por regras e princípios, não existindo entre elas apenas uma diferença gradual, mas também uma diferença qualitativa. Portanto princípios são mandamentos de otimização, ou seja, na distinção entre regras e princípios, princípios são normas que ordenam algo a ser realizado dentro das possibilidades jurídicas, caracterizados por satisfazerem em variados graus quais não dependem apenas de possibilidade fática, mas também jurídica[5].

Assim as regras conforme Alexy, são sempre satisfeitas, ou não satisfeitas, se esta regra vale, portanto deve ser feito exatamente o que a regra determina.  Portanto regras detêm determinações fática e juridicamente possíveis, resultando, a distinção entre regras e princípios apenas como qualitativa[6].

Um conflito entre regras somente pode ser solucionado segundo Alexy se em uma das regras for introduzida uma cláusula de exceção eliminando então o conflito existente, ou caso não seja possível essa inclusão, seja então uma das regras declarada inválida[7].

Para que uma das regras seja declarada inválida quando não for possível a clausula de exceção, poderá ser resolvido por meio de regras como a lei posterior derroga a lei anterior (lex posterior derogat legi priori) ou então, a lei especial derroga a lei geral (lex specialis derogat legi generali), acrescenta Alexy que é possível proceder conforme a importância da regra em determinado conflito[8].

As colisões entre princípios precisam possuir soluções diversas dos conflitos entre regras, assim, quando dois princípios colidem como exemplo, quando um princípio proíbe algo e outro princípio permite, um dos princípios em colisão precisará ceder, ao contrário das regras.

O princípio cedente não precisa ser declarado inválido ou que deva ser incluso uma cláusula de exceção, mas sim, que um princípio tem preferência, preceda em face de outro em determinadas condições[9]. A questão da preferência pode ser resolvida de forma oposta. Em casos concretos, os princípios possuem pesos diferentes e, aqueles com maior peso possuem precedência. Já os conflitos entre regras ocorrem na dimensão da validade. Já nas colisões dos princípios (válidos), acontece além da dimensão do peso[10].

Alexy procura demonstrar a compreensão da estrutura para soluções de colisões através da lei de colisão, como exemplo, dois princípios consagrados na Constituição, cuja esses geram uma obrigação para o Estado, essa questão não pode ser solucionada com base absoluta de um dos princípios, afastando o outro, ou seja, nenhum possui prioridade por si só.

Este conflito, deve ser resolvido através de um sopesamento entre tais interesses em conflito, qual “o objetivo desse sopesamento é definir qual dos interesses – que abstratamente estão no mesmo nível – tem maior peso no caso concreto”[11].

‘A solução para essa colisão consiste no estabelecimento de uma relação de precedência condicionada entre princípios com base nas circunstâncias do caso concreto’[12], considerando o caso concreto, as relações de precedência, condicionam fixações de condições, sob que os princípios possuem precedência em face de outro.

A relação de precedência condicionada possui uma importância fundamental para compreender as colisões entre princípios. A lei de colisão como um dos fundamentos da teoria dos princípios usada por Alexy, reflete os princípios como mandamentos de otimização, pela sua inexistência de relação absoluta de precedência entre os princípios e a referência e situações não quantificáveis[13].

Os princípios são, portanto, razões isoladas e estabelecem apenas direitos à primeira vista, já a regra quando é válida, aplicável sem exceções, é uma razão definitiva[14]. Alexy entende ser necessário a existência de duas normas para que não exista um princípio absoluto, o que tornaria caso não houvesse duas normas, a impossibilidade do sopesamento. Um determinado princípio em nenhuma hipótese cederia a outros.

Em um ordenamento jurídico que possua direitos fundamentais, seria impossível sua existência absoluta, já que um princípio absoluto ultrapassaria os limites jurídicos. Alexy utiliza o princípio da dignidade humana para explicar esse limite, afirma que ‘é necessário que se pressuponha a existência de duas normas da dignidade humana: uma regra da dignidade humana e um princípio da dignidade humana. A relação de preferência do princípio da dignidade humana em face de outros princípios determina o conteúdo da regra da dignidade humana. Não é o princípio que é absoluto, mas a regra, a qual, em razão de sua abertura semântica, não necessita de limitação em face de alguma possível relação de preferência[15]. Portanto, essa impressão de caráter absoluto surge da existência de duas normas, uma regra e um princípio, como também, existe o reforço de uma série de fatores sob quais o princípio prevalecerá em face de todos os outros princípios.

Na teoria dos princípios, a relação entre os princípios materiais e formais é uma das questões mais polêmicas. A posição da teoria dos princípios pode ser resumida em qual ‘o problema da discricionariedade epistêmica ou cognitiva deve ser solucionado por meio de sopesamento entre princípios formais e princípios materiais’[16], a discricionariedade epistêmica aparece quando a cognição do que é obrigatório é proibido, incerto ou facultativo em razão dos direitos fundamentais. A discricionariedade epistêmica normativa, fica relacionada à incerteza da melhor quantificação dos direitos fundamentais e ao reconhecimento em favor do legislador de uma área no interior da qual ele pode tomar decisões com base em suas próprias valorações[17].

Compreender os direitos fundamentais como princípios, é exigido que seja realizado as máximas condições jurídicas e fáticas. Portanto, conceder ao legislador a discricionariedade cognitiva, possibilita que seja admitido diante de uma possibilidade fática que os direitos fundamentais não possam ser realizados do modo como deveria, diante disso pontua Alexy que o ‘princípio de direito fundamental afetado negativamente exige, enquanto mandamento de otimização, que não seja reconhecida nenhuma discricionariedade cognitiva se esse fosse o único fator relevante, um direito fundamental só poderia ser restringido em virtude de premissas empíricas cuja veracidade fosse certa’, contudo, se a veracidade não se pode comprovar, fica autorizado então, partir das premissas empíricas vantajosas ao direito fundamental, que para Alexy ‘são aquelas sobre cuja base a intervenção ou a não-garantia de proteção não tem como ser justificada[18].

Uma decisão tomada pela discricionariedade epistêmica não se pode excluir que eventualmente seja possível, de tal modo, as análises empíricas não realizadas como também os argumentos não levados em consideração podem demonstrar esse equívoco. Portanto, estando a discricionariedade epistêmica ligada a divergência entre o que é de fato proibido, obrigado ou facultado e que por meio dos direitos fundamentais, a fundamentação ‘de uma discricionariedade epistêmica com o auxílio de princípios formais parece conduzir inafastavelmente a uma divergência entre normas de ação – ou seja, normas que dizem o que é proibido, obrigatório e facultado ao legislador – e normas de controle – ou seja, normas nos termos das quais o Tribunal Constitucional controla o legislador[19].

Essa divergência dirige-se como a principal objeção aos princípios formais, sustentando que a discricionariedade epistêmica criada por ela é conflitante com os direitos fundamentais. Para confrontar essa objeção através de Alexy, pode-se considerar duas indagações, uma em que se refere ao quanto de divergência é criada pelos princípios formais e outra é se essa divergência é real.


Notas e Referências:

[1] ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais: tradução Virgílio Afonso da Silva. 2 ed. São Paulo. Malheiros, 2015, p. 85.

[2] ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, p. 85.

[3] ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, p. 87.

[4] ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, p. 89.

[5] ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, p. 90.

[6] ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, p. 91.

[7] ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, p. 92.

[8] ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, p. 93.

[9] ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, p. 93.

[10] ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, p. 94.

[11] ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, p. 95.

[12] ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, p. 96.

[13] ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, p. 99.

[14] ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, p. 108.

[15] ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, p. 113.

[16] ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, p.611.

[17] ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, p.612.

[18] ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, p.615.

[19] ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais, p. 623.


Luiz Ricardo de Castilhos. . Luiz Ricardo de Castilhos é Bacharel em Direito pela Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE. Contato castilhosluiz@hotmail.com. . .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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