Análise crítica do Plano Regional de Desenvolvimento da Amazônia (PRDA 2024-2027) como instrumento de planejamento para a Amazônia

14/06/2024

PRDA 2024-2027: O (des)envolvimento da região Amazônica como prioridade

O Plano Regional de Desenvolvimento da Amazônia (PRDA) 2024-2027 é um plano de desenvolvimento da região amazônica composta por nove estados da Amazônia, são eles: Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins. O plano tem vigência para o período de 2024 a 2027 e conta com várias ações estratégicas que busquem o desenvolvimento regional. Sendo a região amazônica múltipla e diversa, é importante compreender quais as concepções de desenvolvimento e de qual Amazônia o plano está se referindo.

O projeto desenvolvimentista pautado pelo PRDA é voltado para o desenvolvimento econômico sustentável de forma a impulsionar os sistemas produtivos locais, levando em conta o desenvolvimento endógeno da região.  O desenvolvimento endógeno se propõe a promover um processo de desenvolvimento mais inclusivo e participativo, com enfoque territorial do desenvolvimento e do funcionamento dos sistemas produtivos locais (Barqueiro, 2001).

Segundo Barqueiro (2001), o desenvolvimento endógeno pode ser percebido como um processo de crescimento econômico, e mudança estrutural, que é liderado pela comunidade local para utilizar o seu potencial de desenvolvimento para a melhoria do nível de vida da população. Com isso, o desenvolvimento endógeno enfatiza a importância de fortalecer as capacidades internas das comunidades locais. Partindo do princípio de que cada região apresenta potencialidades específicas e que devem ser aproveitadas de forma sustentável para impulsionar o desenvolvimento.

Com isso, ao analisar o PRDA 2024-2027, podemos perceber que há uma tendência ao desenvolvimento endógeno dentro das políticas de desenvolvimento sustentável pensada para a região, principalmente ao destacar que o PRDA é regido pelos princípios de sustentabilidade, inclusão social e governança compartilhada. Seu foco está no uso sustentável da biodiversidade e no fortalecimento das cadeias produtivas locais que se destinam à bioeconomia. Suas ações estratégicas são voltadas ao aproveitamento das áreas antropizadas, o turismo ecológico e a sociobiodiversidade, promovendo as tecnologias sociais e sustentáveis. Tudo isso com o objetivo de promover o desenvolvimento sustentável da região amazônica.

Apesar do PRDA ter uma tendência ao desenvolvimento endógeno, evocando em diversos momentos sua preocupação com o sistema produtivo local, além de seu um teor crítico, o plano é vinculado com a política nacional e internacional de desenvolvimento. Isso significa que ele não perde a característica de todo grande projeto: a ideologia dos grupos de interesse vigente (Castro, 2010).

Não à toa que os eixos de desenvolvimento do PRDA 2024-2027 estão voltados ao desenvolvimento produtivo; a Ciência, Tecnologia, Inovação e Educação; a Infraestrutura Econômica e Urbana; ao Meio Ambiente; ao Fortalecimento das Capacidades Governativas dos Entes Subnacionais e ao Desenvolvimento Social e Acesso a Serviços Públicos Essenciais. Isso porque as ações estratégicas que também foram alinhadas a agenda global desenvolvimentista, tais como a Agenda 2030 e seus 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

O plano traz consigo uma diversidade de atores envolvidos desde sua elaboração até sua implementação, criando uma rede de relações de cooperação e colaboração mútua. Essa variedade de agentes acaba por transformar a busca por esse desenvolvimento baseando-se em uma ideologia em prol de uma utopia de expansão (RIBEIRO, 2008), visto que ao realizarem a tessitura do PRDA acabam ocasionando uma disputa por interpretações dos dados já produzidos (ideologia) e dos dados que ainda serão produzidos (utopia), a partir da metodologia escolhida.

Sendo assim, consolida-se um conjunto de estratégias, programas e projetos que irão atingir a população local. Só que a participação da população local na elaboração do PRDA foi baixa, tendo expressa maioria o Estado do Pará e, em segundo lugar, Brasília. Brasília não faz parte da região amazônica e não estará sujeita a implementação do que foi planejado, mas participou da elaboração do PRDA. Isso porque há uma ideologia vigente nacionalmente que influencia as políticas de desenvolvimento no Brasil e, atualmente, o centro do poder se localiza em Brasília, talvez por isso ela teve papel importante nesse processo.

Em suma, apesar de todas as ressalvas realizadas, o PRDA 2024-2027 apresenta de fato uma abordagem promissora para o desenvolvimento econômico sustentável da região, ancorado numa tendência ao desenvolvimento endógeno. Contudo, vale ressaltar que a implementação efetiva desse plano enfrentará desafios consideráveis, especialmente dada a complexidade das relações entre os diversos atores envolvidos. A busca por um desenvolvimento que contemple não apenas aspectos econômicos, mas também sociais e ambientais, é um desafio complexo, que demanda não apenas planejamento eficiente, mas também um compromisso genuíno com a equidade e a preservação ambiental.

Agentes envolvidos na construção do PRDA

Para a elaboração do Plano Regional de Desenvolvimento da Amazônia (PRDA), os atores mobilizados em torno de sua construção foram agentes governamentais, especialistas internos e externos, além de Consulta Pública com stakeholders. Ademais foi utilização do levantamento temático do Grupo de Trabalho (GT), criado pela Portaria nº 323/2022, e da Consultoria, contratada pela Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), realizada pelo Instituto Publix para o Desenvolvimento da Gestão Pública S/S LTDA.

A construção do PRDA não contou com a consulta ativa dos povos tradicionais e originários, e nem com a participação ampla da sociedade que vive na região amazônica, já que a Consulta Pública, apesar de que o Pará teve uma taxa muito alta de participação, mas é seguido do Distrito Federal (DF), contudo o DF tem um bioma totalmente e, por conseguinte, uma vivência que não é dos povos que vivem na Amazônia legal, mas que estava entre as 50% das respostas da consulta pública (SUDAM, 2023b).

Ademais, os agentes participantes dessa consulta se concentravam no seguimento do setor público, instituições de ensino e pesquisa, setor privado, terceiro setor e com participação quase ilusória de “outros”, sendo “outros” referente a 6 pessoas que não se enquadrar no “perfil” da consulta (SUDAM, 2023b). Os agentes envolvidos, mapeados pela figura 1, possibilitaram os insumos que subsidiaram a construção do PRDA 2024-2027.

 

Figura 1 - Mapa dos atores envolvidos na elaboração do PRDA 2024-2027

Espaços de tomada de decisão

O PRDA é um plano pensado para ser transversal e multiescalares. Na fase de seu planejamento, o espaço de tomada de decisão do PRDA 24-27 foi o espaço colaborativo entre esferas governamentais, apesar de haver participação de organizações da sociedade civil (por meio de instituições públicas ou privadas). Na fase da Implementação, destaca-se a importância de dois espaços: a governança e o financiamento.

A governança é extremamente importante na implementação de qualquer política pública. Isso porque ela orientará e guiará para o sucesso ou insucesso do plano. Segundo o PRDA, a estrutura de sua governança na fase de implementação foi pensada para garantir a “coordenação e integração de todos os atores envolvidos, bem como a implementação efetiva das ações previstas no plano” (SUDAM, 2023a, p. 115).

Assegurando, assim, que o espaço de tomada de decisão durante a implementação do PRDA 24-27 seja realizado por diferentes níveis de governo (estaduais, municipais e federais) com o objetivo de diminuir as desigualdades inter-regionais e intrarregionais existentes. Apesar de que o documento do PRDA 2024-2027 não deixou explícito se no momento de sua elaboração houve a mobilização da esfera municipal, pois a visibilidade do plano estava no governo do estado e na atuação federal. 

Abaixo, na figura 2, é possível visualizar o modelo de governança proposto pelo plano. Na figura 2, é possível perceber que o modelo de governança do PRDA 2024-2027 apresenta as atribuições para cada nível setorial do governo (municipal, estadual e federal), e órgãos públicos, que farão parte desse processo.    

 

Figura 2: Modelo de Governança do PRDA 2024-2027.

Além disso, outro espaço de tomada de decisão fundamental na implementação é o financiamento, isso porque os programas e projetos só poderão ser implementados com sucesso caso haja financiamento para tal. O financiamento do PRDA 2024-2027 advém das seguintes fontes:

I - Orçamento Geral da União e dos Estados Amazônicos;

II - Fundo Constitucional de Financiamento do Norte (FNO);

III - Fundo de Desenvolvimento da Amazônia (FDA);

IV - Fundos constituídos pelos governos estaduais e municipais;

V - Incentivos e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia;

VI – Programas de desenvolvimento de bancos públicos federais e estaduais, existentes ou que venham a ser criados;

VII – Outras fontes de recursos nacionais e internacionais

I - Orçamento Geral da União e dos Estados Amazônicos;

II - Fundo Constitucional de Financiamento do Norte (FNO);

III - Fundo de Desenvolvimento da Amazônia (FDA);

IV - Fundos constituídos pelos governos estaduais e municipais;

V - Incentivos e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia;

VI – Programas de desenvolvimento de bancos públicos federais e estaduais, existentes ou que venham a ser criados;

VII – Outras fontes de recursos nacionais e internacionais (SUDAM, 2023a)

A Sudam e as instituições participantes de seu Conselho Deliberativo (Condel) realizarão a gestão dos financiamentos derivados do FNO e do FDA.  E os demais instrumentos de financiamento são articulados de forma intersetorial e interfederativa, além de parcerias público-privadas. Contudo, vale ressaltar que o plano não trás órgãos fiscalizadores que fiscalizavam se ambos os espaços de tomada de decisão - governança e financiamento - estão, de fato, convergindo para a efetivação da PRDA 2024-2027.

 

Etapas planejadas e/ou ocorridas para implementação das iniciativas

Por ser um plano recente, ainda não há tempo hábil para que sejam feitas avaliações do PRDA, contudo podemos analisar como está sendo planejada as etapas de planejamento para a implementação das iniciativas propostas.

É importante compreender que a elaboração do PRDA 24-27 utilizou instrumentos de planejamento já existentes, tais como Estratégia Federal de Desenvolvimento - EFD, a Política Nacional de Desenvolvimento Regional – PNDR, a Agenda 2030 e os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), o Plano Plurianual (PPA) da União para 2024- 2027, além de observar as propostas presentes nos planejamentos estaduais e Consórcio Interestadual da Amazônia Legal. (SUDAM, 2023a, p. 9).

Além disso, incorporou novos elementos relacionados ao planejamento regional e as propostas levantadas pelo PRDA 2020-2023 ainda em vigor. A partir dos atores e dos espaços de construção de tomada de decisão, foi construído o PRDA 2024-2027.

Com isso, o PRDA foi planejado em duas dimensões: a dimensão estratégica e a dimensão tática. Na dimensão estratégica, foram definidas prioridades de atuação e a aposta estratégica que orienta o PRDA para o período de 2024-2027. Na dimensão tática, o plano define os eixos, programas e projetos cuja proposta se debruça. Isso é, na dimensão tática tem-se programas estruturantes (com foco em problemas complexos) e os programas setoriais.

Nesse prisma, vale ressaltar, também, que a dimensão tática é composta por duas camadas: a camada legal e a camada gerencial. Sendo que é na camada gerencial que se desdobram as ações estratégicas e os projetos do plano, como mostra a figura 3.

 

Figura 3: Etapas do planejamento e implementações do PRDA 2024-2027.

 

O processo de elaboração do PRDA 2024-2027 e seu distanciamento dos níveis mais interiorizados da política

No que se refere à existência de formas de participação da sociedade nesse processo, é necessário analisar o componente metodológico do PRDA 2024-2027, ou seja, qual foi o ponto de partida para a concepção do plano, como ele está estruturado e de que forma está prevista a sua implementação e monitoramento.

A concepção e a elaboração do PRDA 2024-2027 tiveram como ponto de partida o PRDA 2020-2023 (diagnóstico, eixos, programas, projetos etc.) a partir de uma visão de longo prazo (12 anos), em consonância com a Política Nacional de Desenvolvimento Regional (Decreto nº 9.810, de 2019).

O documento que apresenta o PRDA 2024-2027 dá destaque à participação dos estados e municípios na elaboração do plano, tendo como estratégia visitas aos nove governos estaduais da Amazônia Legal ocorrida em 2021, denominada de “Sudam nos Estados” e a “Expedição Sudam” na região da Transamazônica em 2022, além dos acordos de cooperação técnica e outras articulações institucionais.

O processo de elaboração do PRDA 2024-2027 também teve como insumo um diagnóstico georreferenciado elaborado pelo Instituto Publix por meio de consultoria contratada como fruto da parceria entre a Sudam e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

A construção da árvore de problemas para o PRDA 2024-2027, etapa que se destina a elencar os principais desafios regionais, teve como base os eixos já descritos na PNDR, e os levantamentos foram feitos por uma equipe técnica formada por participantes internos e externos à Sudam, e contou com a participação dos governos estaduais, especialistas e instituições representativas (ou classistas), como as Confederações Nacionais da Indústria e Agricultura (CNI e CNA).

Por fim, a Consulta Pública do PRDA 2024-2027, realizada de 25/05/2023 a 12/06/2023, contou com 492 participações, sendo analisadas pela Sudam respostas objetivas e subjetivas, classificadas em "não se aplica", "Já contemplado", "Enfatizar" e "Incluir". As duas primeiras não resultaram em inserções no Plano, enquanto as duas últimas orientaram novos direcionamentos nas ações estratégicas. O documento que apresenta o PRDA 2024-2027 afirma terem sido enviados mais de 200 ofícios a instituições dos estados da Amazônia Legal, buscando participação e alinhamento sobre projetos estratégicos pré-selecionados.

À vista de todos esses procedimentos adotados para elaboração do PRDA 2024-2027, é importante ressaltar que a dimensão estratégica do PRDA tem uma visão de futuro que corresponde a uma declaração de um desejo coletivo, factível e claro, que orienta o planejamento da ação governamental, ou seja, um ideal a ser alcançado.

Nesse sentido, a visão de futuro do PRDA é tornar a Amazônia referência na valorização da sociobiodiversidade como elemento propulsor do desenvolvimento sustentável, tendo como aposta estratégica a integração e diversificação produtiva da biodiversidade, com agregação de valor, ou seja, a bioeconomia é um tema fundamental para direcionar as ações de todos os eixos de intervenção do Plano.

No entanto, não foi possível identificar a ênfase necessária na valorização e incorporação das multiplicidades étnicas e de saberes, essenciais ao desenvolvimento da bioeconomia. A aproximação direta da Sudam com os níveis mais interiorizados da política, pelo menos no estado do Pará, foi descrita apenas em dois momentos, num curto período de tempo: projeto “Sudam nos estados” com agendas restritas a órgãos do governo, representantes do setor produtivo e academia; e a “Expedição Sudam” com estadia aproximada de uma semana em Altamira e Medicilândia, no Pará, tendo analisado, no entanto, especificamente a cadeia produtiva do cacau. 

Somado a isso, a consulta pública virtual foi o único momento formal em que a participação foi prevista durante todo o processo. A participação social (expressamente elencada como princípio da PNDR) parece ter sido reduzida a uma estrutura de pouca intervenção, que confirma e legitima decisões previamente concebidas.

O PRDA 2024-2027 ao apresentar seus eixos e ações estratégicas os posiciona em relação aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável – ODS. Porém, o Plano não menciona o reconhecimento do direito à consulta e consentimento livre, prévio e informado, sendo este o aspecto mais central da participação social em assuntos que envolvem os povos indígenas, tradicionais e quilombolas.

Este critério está intimamente ligado ao ODS 16.7, ao buscar estabelecer a participação dos povos vulneráveis nas tomadas de decisões que atingem diretamente seus territórios, recursos naturais ou estilo de vida.

Sob essa lógica, Oliveira e Scabin (2018) advertem que é dever do Estado garantir a criação e manutenção de mecanismos de monitoramento participativo, desde a tomada de decisões, sendo este mecanismo oficialmente reconhecido pelo Estado, garantindo que a participação dos agentes, incluindo a sociedade civil, seja qualificada e efetiva.

Acerca do processo de participação e inclusão social no PRDA 2024-2027, no que se refere à colaboração dos destinatários na tomada de decisões sobre o plano, é possível questionar se o PRDA realmente foi elaborado partindo-se de evidências apanhadas em efetiva co-participação dos atores destinatários da política. Aparentemente, não.

Observa-se pela metodologia descrita que a concepção do PRDA 2024-2027 fora majoritariamente determinada por orientações já definidas nos documentos de planos anteriores e disposições legais do PNDR.

Nesse sentido, Favareto e Galvanese (2013), com apoio na teoria dos campos de Bourdieu, afirmam que as decisões de planejamento estão assentadas em aparatos teóricos sobre o que é desenvolvimento e sustentabilidade, e fortemente centrados em instrumentos econômicos, sem a ênfase necessária às dinâmicas concretas dos diferentes contextos sociais.

Ao contrário, a utilização dessa vertente para pensar as relações entre instituições e desenvolvimento implica no reconhecimento de que, “mais do que um alinhamento de diferentes interesses, as instituições refletem os interesses dos grupos mais bem posicionados nas estruturas sociais, expressando desigualdades de poder e acesso a elas” (Favareto; Galvanese, 2013).

Logo, infere-se pela necessidade de se alterar a maneira como se pensam os planos de desenvolvimento regional quanto à sua elaboração, implantação e monitoramento, especialmente para que promovam participação efetiva daqueles que sofrem com as desigualdades sociais que o Plano pretende combater.

Ademais, acerca de sua elaboração, ainda que o PRDA 2024-2027 tenha efetuado esforços no sentido de construir diagnósticos mais reais possíveis, a escolha de temas e ações estratégicas, principalmente no tereno da valorização da sociobiodiversidade - que é a visão de futuro expressa no documento -, foi conduzida por especialistas e técnicos internos e externos da Sudam. A tomada de decisões não foi participativa.

Observa-se, nesse sentido, que a baixa participação dos povos e comunidades tradicionais, e portanto, atores essenciais em qualquer diálogo que priorize a bioeconomia, seus direitos e seus saberes, reflete a nítida concepção que os invisibiliza e os objetifica, posto que são tratados apenas como objeto, e não como sujeitos do processo de concepção e implementação dessas iniciativas.

Em face disso, povos e comunidades tradicionais tendem a não se identificar com Planos de Desenvolvimento Regional, reduzindo seu grau de implantação e aumentando o risco de que se torne efêmero e ineficaz, especialmente em decorrência de sua concepção “de cima para baixo”.

Parece óbvio que o manejo da biodiversidade e a sua vertente econômica devam tomar como ponto de partida soluções locais, baseadas nos saberes tradicionais e na economia sustentável dos povos da floresta e dos rios, a fim de que estas sejam dimensionadas em larga escala ou direcionem outras, mas que possam oferecer soluções a problemas estruturantes diretamente ligados a emergência climática que vivemos, e cuja luta o Brasil se comprometeu internacionalmente com suas metas junto a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (UNFCCC, sigla em inglês).

Assim, é preciso que o PRDA 2024-2027, tal como o próprio conceito de planos de desenvolvimento regional, assimile que nem todos os estados da Amazônia Legal responderão igualmente a um bloco de estratégias e incentivos em torno de projetos de desenvolvimento concebidos sem participação social, e com aparatos teóricos pouco diversos sobre o que é desenvolvimento e para quem esse desenvolvimento se direciona.

É necessário promover diversidade em torno desses conceitos, por meio da valorização do bem-viver, dos modos de vida tradicionais, do diálogo diretos com esses atores, proporcionando aderência do Plano a diferentes realidades, a fim de que os incentivos sejam classificados, dispostos e utilizados em um sentido condizente com a configuração das estruturas sociais locais. Trata-se, pois, de uma abordagem mais realista e menos normativa do planejamento regional.

 

Direitos Humanos e sua relevância estrutural no desenvolvimento regional

Em relação à promoção e proteção dos direitos humanos das populações locais, o PRDA 2024-2027 destaca a importância da atuação do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC), e tem o programa Cidadania Marajó como prioridade, criado por meio da Portaria nº 292, de 17 de maio de 2023, cujo foco é o enfrentamento a violações sistemáticas de direitos humanos no arquipélago, com ações direcionadas à promoção da cidadania, educação em direitos humanos, inclusão produtiva e enfrentamento a violências, especialmente, à violência sexual contra crianças e adolescentes.

O PRDA 2024-2027 também destaca, no âmbito do MDHC, o Plano de Ação para a Proteção dos Direitos e do Bem Viver das Crianças e Adolescentes/Jovens Yanomami, a fim de garantir e proteger os direitos dessa população intensamente vulnerabilizada no contexto da atual crise humanitária.

O plano prevê ainda um eixo de promoção dos direitos das pessoas com deficiência, bem como diversas ações estratégicas dentro do Programa Bem-estar Social alinhadas com os ministérios setoriais parceiros, a fim de proporcionar integração de ações para fortalecimento do estado de Bem-estar Social.

Acerca do programa Cidadania Marajó, foi criado o Fórum Permanente da Sociedade Civil do Marajó, envolvendo a União, o Estado, as 17 prefeituras do Marajó e os representantes da sociedade civil, com o objetivo de garantir a participação social na implementação das políticas públicas coordenadas pelo Cidadania Marajó.

Sobre o funcionamento de fóruns participativos, Favareto e Galvanese (2013) sustentam que a formulação e implementação de políticas públicas não dependem apenas da institucionalização da participação social, uma vez que essa institucionalização reflete, em grande parte, a reprodução da distribuição de poder das estruturas sociais locais.

Isso destaca a importância de compreender o território com base em suas estruturas sociais e na desigualdade na distribuição de recursos, de modo que a dificuldade em promover mudanças na realidade regional não reside apenas nas instituições, mas na sua integração às estruturas sociais subjacentes.

Em face disso, ressalta-se a necessidade de aprofundar a compreensão das relações entre instituições e comportamentos, visando a construção de uma base teórica para a implementação de arranjos institucionais que promovam a sustentabilidade e redução das desigualdades nos processos de desenvolvimento (Favareto; Galvanese, 2013).

Dentre os vários possíveis impactos e danos reais que se pode identificar, com a eventual implementação do PRDA (2024-2027), destacam-se alguns, como veremos adiante.

No entanto, antes disso, é importante pontuar que a região Amazônia vem sofrendo um processo de expansão predatória, incentivada e financiada pelo próprio governo brasileiro, desde o final da década de 1970. Esse movimento foi o responsável pela legitimação da implantação de grandes empreendimentos na região, sob a questionável justificativa de estar-se levando “desenvolvimento”.

Como afirma Assis (2013) essas políticas reproduzem concepções hegemônicas capitalistas que são causas históricas do processo de exclusão e desigualdade social das populações locais da Amazônia.

Dito isto, passemos à análise dos principais impactos e danos reais:

a) Sobre um maior foco em projetos de reflorestamento (produtivo diversificado), o Programa afirma contemplar a garantia de que práticas tradicionais produtivas vão ser incentivadas, valorizando as especificidades culturais e históricas de cada região; Respeitando a capacidade e a dinâmica dos ecossistemas em detrimento do modelo incompatível de produção em grande escala. Ocorre que a agropecuária, a grilagem e o desmatamento história formam a tríade dessa expansão das fronteiras econômicas na Amazônia, e este modelo precisa ser substituído para que se garanta uma efetiva inclusão socioeconômica sustentável;

b) A produção de alimentos (no campo e na cidade): sob a égide de combater a fome (?), essa motivação deve estar entre as prioridades de governo (dentro do próprio PRDA) para garantir o abastecimento das famílias, especialmente as de menor renda. Contudo, existe uma linha tênue que separa essa justificativa e a real motivação dos grandes empresários do agronegócio (que não se baseiam no abastecimento e incentivo da agricultura familiar);

c) A “bioeconomia”, também é bandeira no PRDA 2024-202, mas necessita que leve em consideração o diálogo com outros Planos, Programas e Projetos governamentais que estão sendo gestados pelos diversos Ministérios do Governo Federal, como o Plano de Transição Ecológica (MF) e os planos do Ministério de Ciência e Tecnologia, Ministério da Agricultura e Pecuária, Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, etc;

d) A exploração e produção de petróleo e gás natural na região, elencada também neste Plano, deve levar em consideração os impactos socioambientais, situação que se desenha no mínimo contraditória quando se pensa num contexto de COP 30, Acordo de Paris, ODS, que pretendem diminuir até a eliminação total de emissão de CO2. Quando se alega que o desenvolvimento dos campos de gás natural na região Amazônica é uma alternativa crucial para impulsionar a transição energética, para garantir o acesso à energia e contribuir para a redução da inflação e o aumento da renda das comunidades locais, acaba sendo um pouco contraditório num contexto em que estamos tentando reduzir ao máximo o uso de combustíveis fósseis.

e) Danos em potencial: Não há uma proposta de infraestrutura local, com soluções sustentáveis diante da necessidade de inclusão de um programa sobre infraestruturas estratégicas e críticas para o desenvolvimento bioeconômico da região.

 

Considerações Finais sobre o PRDA 2024/2027

De início, considerando o Plano Regional de Desenvolvimento da Amazônia 2024/2027 é um programa que tem como objetivo desenvolver a Região Amazônica, fulcrado na necessidade de colocar a população amazônica como destinatária e vetor desse desenvolvimento. Ele objetiva, ao menos em tese, a implementação de políticas públicas que primem pela preservação do meio-ambiente, pela utilização da biodiversidade como mola propulsora dessas ações e pelo respeito das populações nativas.

No que pese o programa tenha evoluído -- e muito -- em relação ao editado para o período 2020/2023, muito pouco se viu em seu bojo acerca do implemento efetivo de políticas públicas que prestigiem os direitos humanos.

Nesta senda, denota-se que, apesar de o programa contemplar uma consulta pública para orientar as ações que serão desenvolvidas, esse questionário foi disponibilizado por apenas 19 dias, e exclusivamente pela internet, sendo certo que grande parcela das respostas não advieram de populações tradicionais e/ou vulneráveis.

Veja-se, a guisa de ilustração, gráficos que bem representam essa nuance das respostas:

 

Gráfico 1 - Perfil dos participantes pelo grau de escolaridade

Fonte: SUDAM 2023a

 

Gráfico 2 - Locais de onde vieram as respostas

 

Fonte: SUDAM 2023a.

 

Certo ainda que, conforme dados extraídos do Relatório, 22 unidades federativas e 111 municípios participaram da pesquisa, sendo que destes, Brasília, que não está na área de atuação da SUDAM, ficou em segundo lugar no ranking de participação. Some-se a isso que o Estado do Pará corresponde ao triplo das respostas do segundo colocado, além de representar, aproximadamente, quase que o somatório de todos os demais Entes incluídos no gráfico acima.

O que se vê, portanto, é a tradicional forma de estabelecimentos de políticas públicas para a Amazônia que vêm de fora para dentro, sem, necessariamente, atenderem aos anseios e necessidades da população local, situação que, sem dúvidas, revelaria ao menos a ideia de tornar o amazônida como centro desse movimento, prestigiando, assim, os direitos humanos e a democracia.

No dizer de Violeta Loureiro:

A história da Amazônia brasileira tem decorrido, desde a chegada dos primeiros europeus até os dias atuais, apoiada em alguns elementos fundadores, mas também estruturantes da mesma, uma vez que se revelaram persistentes ao longo do tempo. Apesar de atuarem articulados com os contextos regional, nacional e internacional, cada um deles pode ser identificado, individualizado e analisado em sua dinâmica específica, embora em certos momentos um ou outro ganhe maior intensidade e visibilidade que os demais. Ao atuarem de forma combinada, reproduzem sem cessar, até hoje, a exclusão de amplas camadas de desfavorecidos da sociedade na região.

(In A Amazônia no Século XXI - Novas Formas de Desenvolvimento. Empório do Livro, Sâo Paulo,  2009, p. 22)

Outro aspecto que denota a ausência de relevo de políticas eficazes e eficientes às populações locais é a participação do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania limitada a algumas ações do Eixo Desenvolvimento Social e Acessos a Serviços Públicos Essenciais, quando na realidade, a atuação desse órgão, dada sua competência e expertise, deveria perpassar por todas as etapas e eixos do programa, a fim de que, ele, inclusive, possa se tornar uma política transversal como se propõe.

O que se infere que apenas as ações relativas aos programas Cidadania Marajó, o plano de ação destinado à promoção do bem viver de crianças e adolescentes yanomamis, o fortalecimento do Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas (PROVITA) e o Plano Viver sem Limite 2 e o Programa Moradia Primeiro foram incorporadas ao PRDA 2024/2027, quando, em todos os seus eixos, são verificadas ingerências e afetação das populações vulneráveis e povos nativos.

Assim o aperfeiçoamento do PRDA 2024/2027, visando prestigiar os direitos humanos, a democracia e a sustentabilidade requer uma abordagem abrangente e coordenada, que leve em consideração as complexas questões ambientais, sociais e políticas da região, em especial:

1. Fortalecimento da governança regional:

1.1. Promover a participação ativa das comunidades locais, povos indígenas e sociedade civil na tomada de decisões relacionadas ao desenvolvimento da Amazônia.

1.2. Estabelecer um órgão de governança regional independente e transparente para supervisionar e coordenar as políticas de desenvolvimento na região.

2. Proteção dos direitos humanos:

2.1. Reforçar a proteção dos direitos territoriais dos povos indígenas, respeitando seus modos de vida tradicionais e consultando-os de forma adequada em projetos que afetem suas terras.

2.2. Combater o desmatamento ilegal, a exploração predatória de recursos naturais e a violência contra ativistas ambientais e defensores dos direitos humanos.

2.3. Investir em educação, em especial, educação ambiental, nas comunidades locais, escolas e sociedade em geral para aumentar a conscientização sobre a importância da Amazônia e dos direitos humanos.

2.4. Promover o diálogo intercultural e a troca de conhecimentos entre povos indígenas, comunidades locais e cientistas.

3. Sustentabilidade:

3.2. Fortalecer parcerias internacionais para o financiamento de projetos de desenvolvimento sustentável na Amazônia.

3.3. Reforçar os mecanismos de monitoramento e fiscalização das atividades que impactam a Amazônia, incluindo ações para combater o desmatamento ilegal e a mineração não autorizada.

3.4. Implementar sistemas de rastreamento de produtos para garantir a origem legal e sustentável dos recursos naturais da região.

Boa parte dessas ações estão contempladas no PRDA 2024/2027, mas necessitam uma atuação mais contundente por parte dos órgãos envolvidos a fim de que se tornem políticas públicas de fato eficazes.

 

Notas e referências

BARQUERO, A. V. Desenvolvimento endógeno em tempos de globalização. Porto Alegre: Fundação de Economia e Estatística, 2001.

CASTRO, Edna. Políticas de Estado e atores sociais na Amazônia contemporânea. Em: BOLLE, Willi; CATRO, Edna; VEJMELKA, Marcel (orgs). Amazônia: região universal e teatro do mundo. São Paulo: Globo, pp. 105-122, 2010.

FAVARETO, A.;GALVANESE, C. Dilemas do planejamento regional e as instituições do desenvolvimento sustentável. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol.29, n.84, fev. 2014. Disponível em:https://www.scielo.br/j/rbcsoc/a/qbhn8vPKN5YLW99rsHp847h/?lang=pt&format=pdf Acesso em: 27 nov. 2023

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